Correio Braziliense
São muitos os exemplos de governos que foram
mantidos por Washington que, de um momento para o outro, desabaram depois de
perder a proteção norte-americana
A inesperada mudança de posição do presidente Donald Trump em relação ao Brasil e, especificamente, ao presidente Lula revela o modo de agir da diplomacia norte-americana. Na visão de Washington, a diplomacia é um jogo de pôquer em que o mais forte faz um lance absurdamente elevado para, depois, negociar uma situação mais próxima da realidade. Ainda assim, o jogador tenta ganhar de seu adversário. O governo Trump, com suas tarifas de 10 a 50% contra os vendedores de produtos no mercado interno norte-americano, produziu enorme receita adicional para seus cofres. Quem está pagando a diferença é o consumidor.
A consequência prática dessa ambivalência
norte-americana é conhecida pelos latinos há bastante tempo. Não é de boa
política confiar no que faz ou diz o Departamento de Estado. São muitos os
exemplos de governos que foram mantidos por Washington que, de um momento para
o outro, desabaram depois de perder a proteção norte-americana. Na América
Central, há dezenas de exemplos, todos baseados no interesse comercial
imediato. O mais curioso deles chega a ser exemplar. Fidel Castro desfilou em
carro aberto em Nova York logo depois de vencer a revolução em Cuba. Meses
depois, o regime cubano foi considerado inimigo dos Estados Unidos, situação
que prevalece até hoje.
Marco Rubio, chefe do Departamento de Estado,
o que equivale ao nosso ministro de Relações Exteriores, é filho de cubanos
exilados. Ele detesta comunistas e tem restrições a latinos de modo geral. Sua
família fugiu do ditador Fulgêncio Batista, antes de Fidel e Che Guevara
chegarem ao poder. Será o interlocutor dos brasileiros na tentativa de
restabelecer as boas relações entre Washington e Brasília. Ele e o ministro
Mauro Vieira já se falaram e combinaram encontro em breve. Deverá ser uma
conversa pragmática e objetiva. Sem espaço para ideologias. Os brasileiros chegaram
a Trump depois do encontro entre presidentes nos bastidores da Assembleia da
ONU, mas também como consequência de poderosos lobbies que defenderam a
produção brasileira no mercado norte-americano.
Os norte-americanos, políticos e empresários,
descobriram que o Brasil tem produto interno bruto superior ao da Rússia, maior
renda per capita e população quase o dobro de seu suposto rival. É mais perto e
mais fácil fazer negócios com os brasileiros, donos de uma economia bastante
desenvolvida — maior do que a Itália, por exemplo —, do que se aventurar na
distante e fria Moscou. O Brasil, que não costuma se aventurar em conquistas
militares, tem uma história de 201 anos de boas relações com os Estados Unidos.
Destruir esse bom relacionamento não faz qualquer sentido. O melhor é negociar
e conseguir bons resultados por intermédio do diálogo.
Os filhos do capitão que conspiraram dentro e
fora do país para derrubar o governo e instalar uma ditadura — tantas vezes
reivindicada em praça pública pelas suas lideranças — descobriram que o Brasil
não é uma Uganda qualquer, na magistral definição do saudoso Ulysses Guimarães.
O país tem história e dificilmente um general iria bater continência para um
capitão. Mas ninguém perdoa o crime de lesa-pátria. Ou aquele que se vende ao
interesse do estrangeiro mesmo prejudicando os nacionais. Os traidores na
Europa, ao fim da Segunda Guerra, foram fuzilados. As mulheres que se
amancebaram com nazistas tiveram que desfilar em praça pública com a cabeça
raspada, carregando um cartaz pendurado no pescoço que dizia: colaboradora. Sem
prejuízo de posterior julgamento.
Essa marca é indelével. Não sai. Acompanha o
traidor por toda sua existência. Por essa razão, os espiões têm vida curta.
Depois de descobertos, não conseguem reverter a uma vida normal. O acidente
eleitoral que levou Bolsonaro ao poder não deve se repetir tão cedo, nesta
geração. O equívoco do eleitor foi grande demais e doloroso. O Brasil perdeu
tempo e muitas vidas na pandemia, que o presidente classificou de gripezinha.
Como a vida de traidor não tem valor, as eventuais ações dos Bolsonaros no
exterior deverão ter menor influência a cada dia. O governo Trump é movido por
interesses comerciais. Quem o atrapalha nesta caminhada é colocado à margem.
Desde o ano I até 1820, as duas maiores
economias do planeta foram as da China e da Índia. Somente nos últimos 200
anos, os países da Europa superaram os asiáticos, seguidos dos Estados Unidos.
Portanto, é razoável e até natural enxergar o retorno de China e de Índia a uma
posição de destaque entre as nações mais desenvolvidas. O governo Trump luta
para impedir o restabelecimento da antiga hegemonia. Por essa razão,
comporta-se como um subdesenvolvido que impõe barreiras tarifárias e busca substituição
de importações. Os brasileiros já perceberam que o futuro está no Pacífico. Os
americanos, naturalmente, não concordam com esse diagnóstico.
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