quinta-feira, 9 de outubro de 2025

O Tigrinho sempre ganha. Por Malu Gaspar

O Globo

Depois de uma onda de boas notícias, o governo Lula sofreu ontem uma derrota na batalha em torno da Medida Provisória que aumentaria a arrecadação de impostos em R$ 17 bilhões para compensar a perda com o IOF. Na última hora, as negociações de bastidores para ajustar o texto de acordo com os interesses dos diversos lobbies envolvidos foram descartadas pelos deputados, que votaram pela retirada de pauta e mataram a MP.

Deu-se, a partir de então, um embate sobre o tamanho do prejuízo e de quem foi a responsabilidade. Se da oposição que — surpresa! — decidiu atrapalhar a vida do governo, se do governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), que jogou pesado para cortar o barato de Lula, ou se do próprio Planalto, que calibrou mal o texto e confiou demais nos adversários. Independentemente do diagnóstico, porém, não há dúvida de que as bets saíram ganhando.

Quando o texto começou a ser elaborado, a ideia no Ministério da Fazenda era aumentar a taxa das bets dos atuais 12% para 25%. Temendo a ofensiva de um lobby poderoso, já de saída o governo reduziu sua ambição para 18%. Mesmo assim, quando foi se aproximando o fim do prazo de validade da MP, que venceu ontem, o relator, Carlos Zarattini (PT-SP), abriu mão de qualquer aumento e voltou aos 12%.

E não só. Também incluiu no texto da MP um regime especial para permitir às bets repatriar recursos mantidos ilegalmente no exterior, com direito a perdão dos crimes e à promessa de que não seriam investigadas. Segundo Zarattini, o recuo na taxação foi uma condição imposta pelo Centrão, e o regime especial uma ideia do próprio governo para tentar recuperar algum dinheiro, mesmo que à custa da impunidade geral. Que partidos do Centrão? “Todos”, ele resume.

Esse mesmo Centrão, com integrantes da base governista da oposição e da base governista, conseguiu que fosse mantida a isenção total de impostos a produtos financeiros como Letras de Crédito Agrícola (LCA) e Imobiliário (LCI). Além de discutível, a isenção causa desequilíbrio, já que os investidores tendem a migrar de produtos que pagam taxas para os que não pagam nada, diminuindo a arrecadação. Ainda assim, o agro, a construção civil e os bancos podem argumentar que criam bens ou prestam serviços reais. As bets, nem isso.

Seus efeitos nocivos às finanças e à saúde mental dos brasileiros foram amplamente debatidos nos últimos tempos. O vício em apostas on-line corrói a renda das famílias, especialmente as mais vulneráveis. De acordo com o Banco Central, só em agosto de 2024, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em apostas usando Pix.

Os gastos descontrolados com a jogatina virtual foram o principal argumento do conselho curador do FGTS para a decisão anunciada ontem de limitar os empréstimos feitos com base na antecipação do saque-aniversário. Estudos citados no relatório final da CPI das Bets do Congresso constataram que cassinos e caça-níqueis on-line, como o jogo do Tigrinho, causam alta dependência entre os adolescentes e já começaram a ter impacto na rede pública, com mais atendimentos por ansiedade e depressão.

Para além de todos esses problemas, a CPI expôs também o alto nível de promiscuidade dessas empresas com artistas e influenciadores, políticos e até um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Até o final melancólico, com a rejeição do relatório final pela maioria, serviu como atestado de que as bets tinham se tornado poderosas demais.

Depois de sete meses de trabalho e revelações escandalosas, a comissão foi extinta em julho passado sem produzir nenhum resultado. Ou melhor, quase nenhum. Nesta quarta-feira, quando questionei um operador experiente dos bastidores do Congresso sobre a vitória das bets, ele me explicou que, nos últimos meses, elas “se aproximaram mais” do Congresso e do Judiciário e “trabalharam para amarrar as pontas soltas” que ficaram evidentes durante a CPI.

Não é preciso ser muito esperto para saber o que esses eufemismos significam. Quando perguntei a Zarattini se ele tinha levado em conta o potencial nocivo das bets ao fazer as mudanças em seu relatório, ele foi sincero.

Disse que fez tudo em acordo com o governo Lula, porque “o objetivo era aprovar a MP e focar no principal”, já que a arrecadação perdida com as bets seria menor do que o ganho com os outros impostos que permaneceram no projeto. Com a morte da MP, foi tudo para o vinagre. O Tigrinho, porém, permanece firme e forte. Hoje, não há páreo para ele em Brasília.

 

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