Senado deve barrar ‘contrarreforma’ da Previdência
Por O Globo
Proposta que alivia regras de aposentadoria
para agentes de saúde custa caro e abre precedente perigoso
Não tem cabimento a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) aprovada na Câmara com mudanças nas regras de Previdência para agentes comunitários de saúde e combate a endemias. Ela prevê aposentadoria integral (pelo último salário) e paritária (com reajuste igual ao dos servidores da ativa) a esses profissionais, ressuscitando normas extintas na administração pública pela reforma da Previdência de 2003, durante o primeiro governo Lula. As regras passariam também a valer para agentes indígenas de saúde e saneamento. O texto proíbe contratações temporárias ou terceirizadas, a não ser em situações de emergência sanitária.
É incontornável o impacto de uma medida dessa
natureza no crescente déficit previdenciário e nas contas
públicas. O relator da PEC, deputado Antonio Brito (PSD-BA), avaliou o
custo em R$ 1 bilhão por ano. Técnicos do Congresso, porém, estimaram um total
de R$ 11 bilhões em três anos. A Confederação Nacional de Municípios (CNM) vai
além e fala em acréscimo de R$ 21,2 bilhões ao longo dos próximos anos nas
despesas da Previdência dos municípios se as mudanças forem aprovadas. A
entidade defende que o governo federal assuma o ônus, empurrando mais essa
conta para Brasília. Hoje, nos 2,1 mil municípios com regime próprio de
Previdência, as aposentadorias são pagas pelos sistemas locais. Nos outros 3,4
mil, o custo recai sobre o já sobrecarregado INSS.
Na prática, a PEC faz jus ao apelido que
ganhou: “contrarreforma” da Previdência. Ela recua em boa parte das exigências
estipuladas na reforma de 2019 para equiparar os regimes dos setores público e
privado. De acordo com a proposta, a aposentadoria passaria a ser concedida com
menor tempo de contribuição e menor idade mínima, havendo uma regra de
transição em benefício de quem já está na ativa.
Não se questiona o trabalho louvável dos agentes
de saúde Brasil afora, especialmente durante as epidemias que assolam o país.
Mas não faz nenhum sentido criar regras especiais para a categoria. Primeiro,
eles não são os únicos em atividades relevantes para a sociedade. Segundo, a
aprovação dessa aberração abriria precedente para que um sem-número de
categorias reivindicasse o mesmo tratamento, cada uma com um argumento
plausível para sensibilizar os parlamentares. Terceiro, é um absurdo aprovar
uma reforma da Previdência com o objetivo de unificar regras para, pouco tempo
depois, começar a abrir exceções e o caminho ao retrocesso.
A PEC impõe alto custo a um governo que não
sabe de onde tirar recursos para pagar os compromissos do dia a dia e tapar os
rombos no Orçamento. Os efeitos da última reforma se esgotaram, e as contas da
Previdência já apontam a necessidade de mudanças que reduzam o déficit — não
que o ampliem como faz a PEC. No fim, a conta do desatino sobrará para o
governo federal, hoje às voltas com uma crise fiscal gravíssima. Impressiona
que tal proposta tenha sido aprovada em dois turnos na Câmara por ampla
maioria. O Senado, que analisará o tema, tem obrigação de mostrar senso de
responsabilidade e barrá-la. Os parlamentares deveriam ser os primeiros a
defender regras que valham para todos, em vez de criar exceções que afrontam o
princípio constitucional segundo o qual todos são iguais perante a lei.
Taxa pífia de resolução de homicídios expõe
fracasso no combate à violência
Por O Globo
Apenas um em cada três crimes é elucidado,
revela estudo realizado em 16 estados e no DF
A violência se
consolida como principal preocupação dos brasileiros, revelam os números da
última pesquisa Quaest divulgada nesta semana. Está no topo da lista para 30%,
patamar que vem subindo desde julho e supera de longe problemas sociais (18%),
economia (16%), corrupção (14%), saúde (11%) e educação (6%). Ao mesmo tempo, a
capacidade do poder público para responder a essa angústia tem sido frustrante.
Enquanto proliferam notícias de infiltração do crime organizado por toda parte,
as autoridades não conseguem fazer o básico: esclarecer os crimes. Apenas um em
cada três homicídios é elucidado, revela estudo do Instituto Sou da Paz.
De todos os casos ocorridos no ano de 2023 em
17 unidades da Federação, apenas 36% haviam resultado em denúncia contra ao
menos um dos autores até o final de 2024, constatou o estudo com base em
informações dos Ministérios Públicos e dos Tribunais de Justiça. Houve piora em
relação ao ano anterior, quando o percentual foi de 39%, e manutenção do
patamar registrado desde o início da série histórica em 2015 — média de 35%.
Na comparação internacional, a posição
brasileira é sofrível. O Estudo Global sobre Homicídios da ONU apurou uma taxa
de resolução de 63% para o mundo e de 43% para as Américas. A média de 36%
esconde a enorme disparidade regional no esclarecimento dos homicídios. O pior
estado é a Bahia (13%), seguida de Piauí e Rio de Janeiro (ambos com 23%) — o
Rio esclareceu apenas 768 dos 3.293 casos de homicídio registrados em 2023. Os
melhores são Distrito Federal (96%), Rondônia (92%) e Paraná (72%). São Paulo,
com 31%, apareceu com nível de elucidação abaixo de 40% pela primeira vez na
série histórica.
Naquele ano de 2023, o Atlas da Violência
registrou 45.747 homicídios, mais de cinco por hora, ou 21,2 casos por 100 mil
habitantes, a menor taxa em 11 anos. A grande maioria das mortes — 71,5% —
resultou do uso de armas de fogo. Ainda assim, uma minoria dos assassinos é
punida. Na base de dados penitenciários do Ministério da Justiça, apenas 13%
dos detentos no Brasil estão presos por homicídio. De longe, são mais comuns
prisões por drogas (31%) e crimes contra o patrimônio (40%).
Tais números expõem o fracasso de todo o sistema penal e Judiciário na punição e, portanto, no combate aos crimes graves. De acordo com reportagem do GLOBO, processos por homicídio simples demoram em média 10,8 anos para ser concluídos, e mesmo aqueles por homicídio qualificado levam 8,4 anos. A lentidão da Justiça e a legislação penal excessivamente leniente não têm poder de dissuasão sobre os assassinos, pois contribuem para que a maior parte dos crimes passe impune. Havendo mais assassinos soltos do que presos, não é surpresa que a percepção de insegurança da população não pare de crescer.
A lenga-lenga dos juros
Por Folha de S. Paulo
Haddad diz que taxa está excessivamente
restritiva; urge debate que considere déficit cavalar e inflação
Argumento petista de que Selic a 15% ao ano é
herança do antecessor cai no ridículo quando Galípolo prevê arrocho por período
prolongado
Era evidente, na primeira metade do governo,
que Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) e seus
correligionários criavam uma armadilha para si mesmos ao satanizar o Banco Central,
então sob uma direção majoritariamente indicada por Jair Bolsonaro (PL), e
fazer da política de juros um bode
expiatório para qualquer mazela da economia.
Tal estratégia imporia à administração
petista duas opções inglórias: ou nomear para o BC adeptos das teses do partido
—o que muito provavelmente resultaria mais uma vez em descontrole de preços— ou
preferir quadros dispostos a fazer o necessário para cumprir as metas de inflação —expondo
o oportunismo rasteiro dos ataques à gestão anterior da instituição.
Felizmente para o país, a segunda alternativa
foi a escolhida. A esta altura, resta ao governo remendar seu discurso para ao
menos dar uma satisfação à sua base mais fiel e engajada.
Neste 2025, sob o comando de Gabriel
Galípolo e uma maioria de diretores indicados por Lula, o BC não
apenas manteve diagnósticos e diretrizes dos últimos anos como elevou a Selic de
12,25% para 15% anuais, a maior taxa desde julho de 2006 —no primeiro governo
Lula, aliás.
De início, a cúpula petista atribuiu esse
movimento a uma herança deixada pelo escolhido de Bolsonaro, Roberto Campos
Neto. Já capenga na origem, o argumento cai no ridículo quando Galípolo afirma
que a política monetária permanecerá "num
patamar bastante restritivo por um período prolongado".
Como noticiou a coluna Painel, diz-se em
Brasília que Lula pretende autorizar auxiliares a subirem o tom das críticas ao
BC. Coincidência ou não, na terça-feira (7), o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, afirmou em entrevista a um veículo oficial que
a taxa de juros "está excessivamente restritiva".
Haddad, diga-se, teve o cuidado de declarar
respeito institucional ao BC e defendeu seu direito de opinar sobre o tema. É
curioso, de todo modo, como se repete o padrão de enfatizar a política
monetária e deixar em segundo plano os déficits orçamentários cavalares do
governo Lula e o índice de preços persistentemente acima da meta de 3% anuais.
Ora, é óbvio que juros de 15% são uma
anomalia altamente nociva ao país. Por isso mesmo, deveria ser urgente um
debate maduro, sem demagogia nem teorias conspiratórias já desmoralizadas,
sobre por que, mesmo com tamanho arrocho, a inflação —um flagelo social ainda
mais perigoso— não está domada.
Como o PT não quer falar de controle de
gastos, ao menos até as eleições do
próximo ano, a velha lenga-lenga sobre os juros continua sendo mais cômoda.
Punição para o desastrado motim bolsonarista
Por Folha de S. Paulo
Com processos na Câmara, líderes da
insurreição que aviltou função parlamentar podem ser suspensos
Ação foi uma de várias da oposição, como a
PEC da Blindagem e a campanha contra o Brasil de Eduardo Bolsonaro nos EUA, que
ajudaram Lula
O Conselho de Ética da Câmara instaurou processos
que podem levar à suspensão temporária do mandato de três deputados
que participaram do motim bolsonarista que paralisou os trabalhos da Casa no
início de agosto. O período previsto para Marcos Pollon (PL-MS) é de 90 dias,
e para Zé Trovão (PL-SC) e Marcel Van Hattem (Novo-RS), de 30.
A punição é essencial nesse caso, e não se
pode afirmar que a Câmara esteja sendo draconiana. Vários parlamentares que
integraram a rebelião, ainda que não de forma tão acintosa, escaparão com mera
censura por escrito.
Ademais, os deputados insurrectos —que
exigiam votar o fim do foro especial para congressistas e a anistia para
golpistas— violaram a regra fundamental de um Parlamento, a de usar a palavra,
não a intimidação, para tentar resolver diferenças políticas. Mostraram
comportamento indigno da função e se sujeitaram até à perda de
mandato.
Mas, se o conselho não respondeu de forma tão
rigorosa à infâmia, o cenário politico o fez.
O motim foi um dos erros em série cometidos pela oposição bolsonarista e por
alas do centrão que tiveram o efeito de tirar Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) das cordas e
recolocá-lo em posição mais confortável para a disputa eleitoral do próximo
ano.
No afã de livrar Jair
Bolsonaro (PL) da prisão e de precaver-se contra investigações
judiciais, parlamentares embarcaram em propostas que causaram graus variados de
indignação popular.
A mais escandalosa foi a chamada PEC da
Blindagem, que conseguiu fazer com que protestos convocados pela esquerda
voltassem a encher as ruas em diversas capitais do país.
Paralelamente, o deputado Eduardo
Bolsonaro (PL-SP) deflagrou
dos EUA uma campanha contra o Brasil, contribuindo para que Donald Trump aplicasse
seu tarifaço e sanções contra o ministro Alexandre
de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), e outros
membros do Judiciário.
Assim, forneceu graciosamente ao Planalto o
proveitoso discurso político de defesa da soberania nacional. Quando Lula e o
republicano começaram a conversar, nesta semana, o petista conseguiu somar
ainda mais pontos.
Em outra contribuição involuntária para a
imagem do presidente brasileiro, Trump adotou medidas que enfraqueceram o
dólar, ajudando a manter sob controle a inflação de alimentos, que já havia se
mostrado devastadora para a popularidade do governo.
Lula agora aproveita o vento de popa com o qual a oposição o presenteou. Não deveria, porém, cair no mesmo erro dos bolsonaristas e julgar que a questão está liquidada. Falta um ano para a eleição, o que significa que há tempo para tudo mudar novamente. Governos erram, percepções econômicas se alteram e o eleitor é volúvel e caprichoso.
FMI vê risco de correção abrupta nos mercados
acionários
Por Valor Econômico
A raiz das preocupações são as valorizações
enormes das ações das “big
As bolsas americanas estão excessivamente
valorizadas, como estavam quando estourou a bolha da internet, em 2001, e uma
repentina correção dos ativos, que tem tudo para ser turbulenta, pode estar a
caminho. O sinal de alerta foi dado ontem pela diretora-gerente do Fundo
Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, e também pelo Banco
Central da Inglaterra, que comunicou que o “risco de uma abrupta correção dos
mercados aumentou”. A raiz das preocupações são as valorizações enormes das
ações das “big techs”, as “7 Magníficas” (Apple, Nvidia, Microsoft, Alphabet,
Amazon, Meta e Tesla), que impulsionam investimentos que estão sustentando hoje
o crescimento dos Estados Unidos e, em certa medida, global. Uma inversão de
rumos, segundo Georgieva, trará um aperto nas condições financeiras que poderá
“puxar para baixo o crescimento mundial, expor vulnerabilidades e tornar a vida
especialmente dura para os países em desenvolvimento”.
A preocupação com a valorização das ações nos
EUA é crescente também entre bancos e analistas privados. Há uma conjunção de
fatores que alimentam a expansão exagerada da liquidez global, que não poderá
prosperar indefinidamente. A S&P 500 subiu 15% no ano, e metade do aumento
de preços das ações foi provocado pelos investimentos nos papéis das 7 “big
techs”. As bolsas americanas se tornaram um sorvedouro das aplicações mundiais
em renda variável. O valor das ações nos mercados americanos soma metade da
capitalização de todas as bolsas do mundo. O afluxo de capital para elas é crescente.
Investidores estrangeiros alocaram US$ 290 bilhões nesses papéis no segundo
trimestre, tendo com isso 30% do valor acionário americano em seu poder, a
maior fatia desde a Segunda Guerra Mundial.
A dependência dos investimentos em
Inteligência Artificial é também grande na economia real. Estima-se que 40% do
crescimento do PIB americano no ano se deva a eles (Valor, 7/10). A exuberância
do mercado acionário, por outro lado, contribuiu para o alívio das condições
financeiras, em um momento em que as apostas dos investidores se concentram no
afrouxamento das condições moderadamente restritivas dos juros, que começaram a
ser reduzidos pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano). As
condições de crédito são favoráveis, e tem sido fácil para as empresas mais bem
avaliadas pelas agências de classificação de risco, e também para aquelas mais
arriscadas, captar dinheiro no mercado. Uma das provas de grande liquidez é que
o spread, a diferença entre o prêmio para empréstimos a uma e outra, seja muito
menor do que em condições normais.
Há vários sinais de alerta. O ouro rompeu a
casa dos US$ 4 mil a onça, em uma trajetória de alta ininterrupta e rápida. O
metal é um “porto seguro” em épocas de crises, assim como o dólar, mas com o
alto grau de incerteza criado pelas políticas erráticas de Donald Trump, a
moeda americana tem seu papel de reserva gradativamente corroído, além de estar
perdendo valor continuamente desde que Trump anunciou o “dia da libertação”, em
2 de abril.
As condições de liquidez abundante nos
mercados dificultam o combate à inflação nos EUA, estimulada pelo tarifaço. Ela
está subindo e deve em breve ultrapassar 3%, distanciando-se da meta de 2% do
Fed. A perspectiva de novas quedas de juros, comprada pelos investidores, mas
não prometida pelo BC, incentiva mais o crédito e a valorização das ações. Esse
movimento tende a se perpetuar — tem sido assim há meses — como na formação das
bolhas, até ser interrompido por fatores inesperados, ou não. As tarifas de
Trump eram aguardadas, e houve recuperação. Inesperado foi o anúncio dos
avanços da China na IA, no primeiro semestre, que provocou um susto momentâneo
nos mercados e questionamentos sobre a validade do modelo bilionário e
monopolista da IA engendrada nos EUA — e pode novamente ocorrer.
Há endividamento global público e privado
crescente, outra fonte de preocupações. A dívida global ultrapassou 100% do
PIB. Os déficits públicos crescentes exigem juros maiores, especialmente quando
mecanismos normais de financiamento são interrompidos por crises políticas, que
estão se tornando frequentes. Com rombos fiscais acima de 5% do PIB, a queda do
Gabinete na França fez os preços dos títulos soberanos do país subirem acima
dos da Itália e se distanciarem dos da Alemanha. Como reflexo, houve pressão sobre
os títulos do Tesouro inglês, também no vermelho. A ascensão de Sanae Takaichi
como provável primeira-ministra do Japão significará mais déficit e juros
menores em outro país muito endividado e com crescimento estagnado, gerando
mais incertezas nos mercados de títulos soberanos globais.
Uma possível reversão abrupta de rumos pode significar uma parada súbita do crescimento global e uma onda de inadimplência de governos e empresas. Para o Brasil, situações como essa são conhecidas e se manifestam com desvalorização cambial, saída de capitais, pressão inflacionária e juros maiores sobre uma dívida já elevada. O ambiente global exige cautela, mas não é o que se vê na desenvoltura eleitoral com que o Planalto concebe programas que de uma forma ou de outra estimularão a economia.
Barraco no Centrão
Por O Estado de S. Paulo
Caciques do PP e do União Brasil brigam em
praça pública – pelo desembarque do governo, pelo bolsonarismo e pelos nomes em
disputa para 2026, deixando Lula à vontade em sua campanha antecipada
O Centrão está dividido. Rachado em praça
pública. O pomo da discórdia dentro do grupo conhecido pela inesgotável
capacidade de se manter no poder, seja qual for a orientação ideológica do
governo, é a cisão entre os caciques dispostos a desembarcar da base de apoio
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aqueles que tentam preservar cargos e
verbas oferecidos pelo Executivo na Esplanada dos Ministérios e na máquina
pública.
A peleja é travada entre quem deseja apoiar a
reeleição de Lula, por intuir que o petista representa maior perspectiva de
poder, e quem defende candidaturas oposicionistas da direita. Nessa ala, há
ainda um outro embate, entre aqueles que pretendem afastar-se do bolsonarismo,
rumo ao centro, e os que querem investir na retórica radical bolsonarista, para
cair nas graças do ex-presidente Jair Bolsonaro. Entrementes, Lula recupera sua
popularidade e parece cada vez mais à vontade em sua campanha eleitoral
antecipada.
Obrigados a deixar o governo pelos caciques
do União Brasil e do PP – que integram a federação mais poderosa da Câmara dos
Deputados –, os ministros Celso Sabino (Turismo) e André Fufuca (Esporte)
anunciaram que ficarão em seus cargos. Ato contínuo, Fufuca foi afastado da
vice-presidência do PP, enquanto as juras de amor de Sabino a Lula foram
duramente criticadas pelo governador de Goiás, Ronaldo Caiado, único
pré-candidato à Presidência da federação partidária. Para Caiado, a permanência
de Sabino seria “algo inadmissível”, uma “imoralidade ímpar”. Dias antes, o
governador goiano já protagonizara outro embate público, com o presidente do
PP, Ciro Nogueira, a quem acusou de montar a federação para cacifar o próprio
nome como vice numa eventual chapa encabeçada pelo governador de São Paulo, Tarcísio
de Freitas (Republicanos). Ele se mostrou incomodado com a avaliação de Ciro
Nogueira de que só há dois nomes viáveis para a disputa de 2026: Tarcísio e o
governador do Paraná, Ratinho Jr. (PSD).
Interessado em estimular a cizânia nos dois
partidos que até aqui viveram simultaneamente a condição de governistas e
oposicionistas, Lula indica nos bastidores que pode apoiar candidaturas dos
dois ministros em seus respectivos Estados, o Pará e o Maranhão, e chamou de
“pequenez” a ameaça do União Brasil e do PP de punir os ministros caso
descumpram a ordem de desembarque do governo. O presidente talvez não se
lembre, mas este jornal recorda que, em 1993, o PT puniu duramente a
ex-prefeita Luiza Erundina por ter aceitado participar do governo de Itamar
Franco. Não há notícia de que Lula tenha criticado a “pequenez” do PT naquela
ocasião.
Tais embates seriam irrelevantes caso se
limitassem aos interesses privados dos envolvidos. Mas seus desdobramentos
podem ter impacto direto sobre os rumos do governo nos próximos meses e,
sobretudo, sobre a correlação de forças em disputa nas eleições de 2026.
Habituais fiadores da estabilidade das relações entre Executivo e Congresso,
partidos centristas costumam também servir de pêndulo para fortalecer ou
reduzir a musculatura política de aliados ou adversários. Estando juntos, podem
assegurar ou desmontar a espinha dorsal de funcionamento do governo. Divididos,
estimulam os ânimos dos petistas para o ano que vem.
E assim, em vez de discutir uma candidatura
presidencial forte da centro-direita, capaz de apresentar alternativa viável a
Lula e seu populismo atávico, o Centrão se perde no labirinto das picuinhas
paroquiais e nos erros de cálculo de seus caciques. Ganha Jair Bolsonaro, que
segue sendo visto como líder incontornável da oposição a Lula, mesmo estando
preso, condenado por tentativa de golpe de Estado, e ganha Lula, que, mesmo
minoritário no Congresso, pode se dar ao luxo de desdenhar das ameaças do
Centrão porque hoje não tem adversários capazes de lhe tirar o sono na corrida
por mais um mandato presidencial. Não é preciso enfatizar como isso é ruim para
o Brasil.
O avanço da EAD na educação superior
Por O Estado de S. Paulo
Número de alunos em cursos de graduação a
distância supera pela primeira vez o de cursos presenciais, mostrando que modelo
veio para ficar. Isso demanda atenção especial sobre a qualidade
O número de matriculados em educação a
distância (EAD) ultrapassou pela primeira vez o total de alunos da modalidade
presencial nas universidades. De acordo com o Censo da Educação Superior de
2024, do Ministério da Educação (MEC), o Brasil registrou 50,75% dos
universitários na EAD. São 5.189.391 estudantes na educação remota, ante
5.037.482 na presencial. Também pela primeira vez, o ensino superior atingiu a
marca de 10 milhões de matrículas. Para um país que patina em educação,
trata-se de um feito e tanto.
Esse recorde só foi possível graças à EAD.
Entre 2014 e 2024, o número de ingressantes caiu 30,2% nas graduações
presenciais, ao passo que subiu 360% nos cursos a distância. Esse crescimento
se acentuou a partir de 2018, após o governo Michel Temer flexibilizar as
regras para a abertura de polos das instituições particulares. Com a covid-19,
os desafios do isolamento e os avanços tecnológicos, essa modalidade só ganhou
força.
Como explicou o presidente do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Manuel
Palacios, a EAD “proporcionou o atendimento de uma população que de outra
maneira não teria acesso à educação superior”. São milhões de brasileiros que
já estão no mercado de trabalho, passaram dos 30 anos de idade, têm filhos e,
mesmo assim, persistem na busca por conhecimento e qualificação profissional.
Os custos mais baixos e o acesso à educação
mesmo onde não há faculdades também pesam para a escolha pela EAD. Não à toa
esses cursos estão presentes em 3.387 municípios brasileiros. E há ainda
estudantes que optaram pela modalidade mesmo nas grandes cidades onde há instituições
de ensino superior simplesmente porque não querem mais perder até duas horas de
seus dias presos no trânsito.
Todos sabem bem que ter um diploma
universitário significa melhores condições de vida para si e para a sua
família. Prova disso é que uma pesquisa da economista Janaína Feijó, do
Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), apontou
que quem tinha curso superior em 2024 ganhava, em média, 126% mais do que
aqueles que não haviam concluído uma faculdade.
Apesar de tudo isso, a EAD suscita debates
acalorados, sobretudo em torno da qualidade do ensino ofertado. No Exame
Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) mais recente, apenas 6 dos 692
cursos de EAD avaliados conseguiram a nota máxima. Diante disso, o governo Lula
da Silva baixou em maio deste ano um decreto para regular e cobrar o setor.
Serão permitidos três tipos de cursos: os
presenciais, os semipresenciais, com 30% da carga horária presencial e 20%
presenciais ou síncronas (aulas transmitidas ao vivo), e a distância, com carga
mínima presencial de 10% e outros 10% entre presenciais ou síncronas mediadas.
Pelas regras, as instituições não poderão mais oferecer cursos de saúde nem de
Direito a distância, assim como as licenciaturas, que formam professores.
Haverá o limite de 70 alunos por turma e as provas presenciais serão realizadas
nos polos.
Essa regulamentação mais rígida foi baixada
com atraso, por temor do Palácio do Planalto de prejudicar a imagem do governo
aos olhos dos estudantes de EAD mais pobres, justamente um eleitor que o PT
cultiva. Houve ainda ataques de gestores do próprio MEC à modalidade de ensino
remoto.
Os dados do Censo da Educação Superior de
2024 mostram, contudo, que a EAD veio para ficar – o que faz sentido, num país
cuja oferta de educação superior acessível é escassa para grande parte da
população. Por essa razão, não se pode demonizar a EAD em si mesma, sobretudo
em face da experiência bem-sucedida nessa área em grandes universidades no
exterior.
As novas regras, se aplicadas para valer,
coibirão a atuação de instituições caça-níqueis e levarão as universidades
comprometidas com a boa formação de seus alunos a investir em infraestrutura,
proporcionando a democratização do ensino superior.
Galípolo trinca os dentes
Por O Estado de S. Paulo
BC faz sua parte para levar a inflação à
meta, mas a política fiscal do governo não ajuda nessa tarefa
É digna de nota a segurança demonstrada pelo
presidente do Banco Central (BC), Gabriel Galípolo, ao defender a política
monetária em um evento organizado pela Fundação Fernando Henrique Cardoso. Para
quem foi chamado de “menino de ouro” pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva
antes mesmo de ser indicado para a função, Galípolo tem provado estar à altura
do desafio a despeito das pressões que aumentaram e certamente aumentarão ainda
mais nos próximos meses.
Se a maioria do mercado aposta que o Banco
Central (BC) manterá a taxa básica de juros em 15% até o fim deste ano, boa
parte deles prevê que um ciclo de redução da Selic possa ser iniciado ainda no
primeiro trimestre de 2026. No boletim Focus,
a mediana das projeções estima que os juros chegarão a 12,25% ao fim do ano que
vem, período que exigirá nervos de aço dos integrantes do Comitê de Política
Monetária (Copom).
O presidente Lula nunca escondeu a
preocupação com o crescimento da economia, mas até o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, passou a deixar claro seu incômodo com os juros nos últimos
meses. A questão é que o afrouxamento monetário esperado para o ano que vem
certamente não será suficiente para alavancar o crescimento econômico em um
nível muito além das projeções atuais, de 1,5%, segundo o Relatório de Política Monetária do
BC, de 1,80%, conforme o boletim Focus, de 2,2%, de acordo com o Banco Mundial,
e de 2,4%, para o Ministério da Fazenda.
É importante, assim, que Galípolo tenha
aproveitado o momento para dizer que uma de suas funções, como presidente do
BC, é “saber dizer ‘não’” para pessoas importantes. Ele disse já saber que
manter os juros em patamar restritivo por certo tempo seria mais difícil que
aumentá-los. “A expressão que eu usei foi ‘a gente vai ter que trincar os
dentes’. E é isso mesmo”, afirmou, ao lembrar de uma frase que havia dito em
dezembro do ano passado, quando o Copom elevou os juros a 12,25% ao ano.
Os indicadores reforçam a prudência do
presidente do BC. Mesmo com a Selic no nível mais elevado desde 2006, a
inflação resiste a se aproximar da meta de 3%. O boletim Focus mostra que a projeção
para o IPCA é de 4,80% neste ano e de 4,28% em 2026, e mesmo para horizontes
mais longos, como 2027 e 2028, a previsão é de 3,90% e de 3,70%,
respectivamente.
A taxa de desemprego, por sua vez, fechou o
trimestre encerrado em agosto em 5,6%, menor nível da série histórica, iniciada
em 2012. O resultado, no entanto, se deve mais à queda da taxa de participação
no mercado de trabalho do que ao aumento da produtividade, fenômeno
praticamente restrito ao agronegócio.
Não resta dúvida de que o BC tem feito sua parte para levar a inflação à meta – e, como Galípolo fez questão de destacar, ao centro da meta, e não ao seu limite superior. O problema é que o Executivo não ajuda em nada nessa tarefa – pelo contrário. A despeito dos questionamentos do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo insiste em perseguir o piso da meta fiscal, em vez de seu centro, e é improvável que mude de atitude em um ano eleitoral.
Esforços concentrados contra o abuso sexual
de crianças
Por Correio Braziliense
Embora haja um esforço das forças de
segurança pública, federal e estaduais, para proteger o segmento infantojuvenil
das agressões sexuais tanto por meios virtuais quanto físicos e psicológicos,
falta ao país a regulamentação das redes sociais
Às vésperas do Dia da Criança, a Polícia
Federal deflagrou a megaoperação Nacional Proteção Integral 3 para combater os
crimes cibernéticos de abusos de crianças e adolescentes em 27 unidades da Federação.
Nesta terceira etapa, foram mobilizados 617 agentes federais e 273 policiais
civis de 16 estados para o cumprimento de 187 mandados judiciais em todo o
país. O principal alvo foi o desmonte de redes sociais em plataformas digitais.
Até o início da tarde de ontem, foram presos em flagrante 55 suspeitos de
cometerem crimes sexuais e resgatadas três crianças.
"Não haverá impunidade para os
criminosos que abusam de crianças e adolescentes por meio da internet. Demos
mais um passo importante no combate aos crimes digitais. A Policia Federal, com
o apoio das Polícias Civis, realizou uma megaoperação contra o abuso sexual de
crianças e adolescentes em todos os estados do país", afirmou o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Conferência Nacional Infantojuvenil pelo
Meio Ambiente, em Luziânia, município de Goiás, a 60km do Palácio do Planalto.
Nos primeiros nove meses deste ano, nas três
etapas da megaoperação, os policiais federais cumpriram mais de 1.600
mandados de prisão de condenados foragidos por crimes sexuais contra
menores no país. Embora haja um esforço das forças de segurança pública,
federal e estaduais, para proteger o segmento infantojuvenil das agressões
sexuais tanto por meios virtuais quanto físicos e psicológicos, falta ao país a
regulamentação das redes sociais.
Há de se reconhecer o recente avanço com a
sanção do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente, no mês passado. A
mudança, inspirada pelas denúncias do youtuber e influenciador Felipe
Bressanim, o Felca, levou o Legislativo e o Executivo a criar o que
especialistas têm chamado de ECA Digital, que atualiza o tradicional ECA para o
ambiente on-line.
No mesmo sentido, a Comissão de Constituição
e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou, ontem, projeto que eleva a
pena de reclusão para os crimes de exploração sexual de crianças, adolescentes
e pessoas vulneráveis. Hoje, a legislação prevê penas de privação de liberdade
de 8 a 15 anos para quem praticar violência sexual contra crianças e
adolescentes. Se o projeto for aprovado pela Câmara dos Deputados, a pena
mínima sobe de quatro para seis anos de reclusão, e a máxima passa de 10 para
12 anos, tornando mais rígida a punição a quem submete, induz ou atrai menores
de 18 anos a esse tipo de prática, que tem avançado, sobretudo, no submundo
digital.
O uso das redes sociais ou de quaisquer
outros meios para violentar física e emocionalmente crianças e jovens deve ser
coibido. Trata-se de responsabilidade do Estado, cujo negligenciamento é
inadmissível. Mas é igual dever dos pais e familiares dos menores. Os avanços
tecnológicos abrem janelas para todos os tipos de informação, tanto por meio
dos celulares quanto por computadores domésticos, conectados a um imensurável
cardápio de redes sociais que podem, e devem, ser controlados pelos
responsáveis por crianças e adolescentes.
Não se trata de censura ou bloqueio à liberdade de expressão, mas, sim, de estabelecimento de limites e medidas preventivas, que resguardem crianças e jovens da perversidade e dos danos provocados pelos abusos e violências sexuais. Se diferente fosse, a indústria cinematográfica não estabeleceria faixa etária para cada produção. Esse cuidado é aceito, sem questionamento, pela maioria da sociedade e sem vínculo com censura ou desrespeito à liberdade de expressão.
A persistência do trabalho análogo à
escravidão
Por O Povo (CE)
Em todo o País, 691
empregadores estão registrados como exploradores de mão de obra em condições
degradantes, incluindo 15 nomes do Ceará
Cento e trinta e sete anos após o fim
da escravidão,
depois de esse sistema desumano ter perdurado por três longos séculos,
resquícios graves dessa chaga aberta ainda perduram no Brasil.
Nesta semana, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) divulgou a atualização semestral do cadastro de empregadores que
submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. O MTE incluiu 159
novos nomes na chamada "lista suja" — 101 pessoas físicas e 58
pessoas jurídicas — aumento de 20% em relação à atualização anterior. No total,
691 empregadores, em todo o País, estão registrados como exploradores de mão de
obra em condições equivalentes à escravidão, incluindo 15 nomes do Ceará.
Os novos casos ocorreram entre 2020 e 2025,
pois a inclusão na lista ocorre somente após a conclusão do processo
administrativo. No período, foram resgatados 1.530 trabalhadores submetidos a
condições análogas à escravidão.
No entanto, houve um impasse na preparação
deste cadastro, pela não inclusão da JBS Alves na lista suja. Segundo a
plataforma de notícias Nexo, auditores do trabalho denunciam ter havido
interferência do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, para deixar a
empresa fora dos registros, contrariando a avaliação técnica dos auditores
fiscais.
O caso se refere a uma ação realizada no ano
passado, na qual dez trabalhadores foram resgatados de condições análogas à
escravidão, em uma empresa contratada pela JBS — a MRJ, que consta da lista —
para serviços de carga e descarga em uma unidade no Rio Grande do Sul. Em protesto,
19 coordenadores estaduais teriam deixado seus postos, avisando que o movimento
iria escalar, caso a JBS não entrasse na próxima lista.
É importante ressalvar que o trabalho
equivalente à escravização é praticado por pessoas físicas e jurídicas, por
empresas grandes e pequenas, em áreas rurais e urbanas, como demonstra a mais
recente lista divulgada pelo MTE.
Como informou O POVO em edição recente
(30/8/2025), o Tribunal Superior do Trabalho (TST) ordenou que a
Volkswagen pagasse R$ 165 milhões por danos morais coletivos por submeter
trabalhador a condições análogas à escravidão em uma fazenda na Amazônia entre
1974 e 1986. A montadora alemã era proprietária da área por meio de uma
subsidiária. A propriedade era usada para pecuária e extração de madeira.
O MTE realiza uma importante tarefa ao
resgatar trabalhadores de condições degradantes, um trabalho humanitário que
merece o reconhecimento da sociedade. Por isso, é importante que os auditores
tenham liberdade para trabalhar — e que suas conclusões técnicas sejam
respeitadas, para além das injunções políticas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário