quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Lula, Tarcísio e o metanol. Por Julia Duailibi

O Globo

Precisou morrer gente para que combate a adulteração de bebidas se tornasse prioridade em São Paulo

Não é necessário mergulhar na deep web para comprar uma garrafa vazia de uísque, gim ou vodca. Até esta semana, várias delas estavam expostas nos sites mais populares de compra para quem topasse pagar pelo menos R$ 20. Mas o “cliente” que não quisesse fazer a compra virtual poderia recorrer aos serviços de um galpão na Zona Leste da capital paulista. Lá, a oferta gigantesca ultrapassava o inacreditável número de 100 mil garrafas usadas, prontas para voltar ao mercado com conteúdo fajuto dentro. Também disponível para o criminoso, a alguns quilômetros dali, na região do ABC, empresas de fundo de quintal ofereciam lacres, bicos, tampas e etiquetas falsas para as bebidas. Tudo sob as barbas das autoridades do governo paulista que, de repente, da noite para o dia, descobriram esse tradicional comércio ilegal.

Precisou morrer gente para que esse crime se tornasse prioridade em São Paulo. Antes das mortes, o mercado de falsificação de bebidas alcoólicas, embora velho conhecido das autoridades, das empresas do setor e até da academia, que teceu estudos sobre seu impacto econômico, operava em silêncio. Até o metanol causar o ruído.

Nesta semana, o governo Lula, adversário de Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, mencionou uma hipótese para a tragédia de agora. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, citou caminhões abandonados com metanol após operação contra o PCC, que o usava para adulterar combustíveis. Uma das linhas mais prováveis é que esse metanol, misturado com etanol, deixou de ir para os postos de gasolina depois da operação da polícia e teve como destino as garrafas de bares por São Paulo — e agora pelo país. A substância letal, de origem fóssil (não o metanol vegetal que surge em pequenas proporções como resíduo da fermentação), pode ter sido colocada nas garrafas, inadvertidamente ou não, porque tem metanol sem dono na praça.

A polícia paulista e o próprio governador, mesmo sem saber de onde veio o metanol das bebidas ingeridas, descartaram que a origem seja o negócio do PCC. É improvável que a organização criminosa batize por conta própria — e deliberadamente — as bebidas. Mas o metanol das bebidas que causaram mortes pode ser aquele que tinha como destino combustíveis batizados pelo PCC.

O que ajudará a resolver esse enigma é a perícia no metanol encontrado em garrafas adulteradas em São Paulo e a comparação dele com o de outros casos pelo país. A Polícia Federal (PF) detém a tecnologia que analisa isótopos em animais, alimentos e minerais, mas precisa agora ter acesso às garrafas para fazer esse rastreamento, o DNA do metanol. Na segunda-feira, a PF pediu à polícia científica de São Paulo acesso a garrafas apreendidas:

— Com a confirmação de dois casos em Curitiba, é fundamental a realização de perícia nas amostras coletadas em São Paulo para verificar a ligação entre elas.

A polícia paulista tem cinco dias para responder. Ontem representantes da PF e da Secretaria de Segurança Pública se falaram por telefone. Na linha, a promessa de cooperação. A ver se a política não embaralha tudo.

 

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