O Estado de S. Paulo
A obtenção de um superávit primário ao redor de 1,5% do PIB é condição indispensável para recuperarmos as condições de equilíbrio fiscal
A situação das contas públicas é conhecida:
déficit e dívida combinam-se para compor um quadro de pressões sobre os
juros. Estes, por sua vez, em níveis elevados, retroalimentam os dois
primeiros. A saída passa por um ajuste fiscal estrutural, que pende de
compromisso efetivo com as leis e regras em vigor.
A recente iniciativa do senador Renan Calheiros para limitar a dívida pública, com base no artigo 52 da Constituição, é correta. Se baseada em uma trajetória tendencial, como defendi, ontem, em audiência púbica na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, pode render bons frutos. Além disso, deve funcionar como uma regra guarda-chuva para estimular o aumento do resultado primário (receitas menos despesas, sem contar os juros da dívida) e o controle do gasto público.
A literatura especializada mostra que regras
para o comportamento das contas públicas devem ser flexíveis e impositivas. Não
é fácil forjar um conjunto de comandos e normas com essas características. O
Brasil já operou, com sucesso, sob um sistema de metas de resultado primário.
De 1999 a 2008, o superávit primário foi robusto e a dívida/PIB diminuiu, na
esteira de juros igualmente decrescentes. O País chegou a esboçar um déficit
nominal (que inclui os gastos com juros) de quase 1% do PIB, o menor da
história. Hoje, beira os 8% do PIB.
A contabilidade criativa erodiu a
credibilidade daquele regime. Em complemento às metas, optou-se por um teto de
gastos, em 2016, que acabou durando pouco, apesar dos efeitos positivos
produzidos, principalmente, pela queda da curva a termo de juros, isto é, das
taxas requeridas pelo mercado para o financiamento da dívida em diferentes
prazos.
Em 2023, a intenção do Novo Arcabouço Fiscal
foi unir o melhor dessas experiências, combinando uma regra de primário, com
bandas, a uma regra para o crescimento do gasto, sempre inferior ao avanço da
receita real.
Imperfeito, como qualquer regra sempre será,
o arcabouço em vigor é adequado. Se cumprido, levaria à geração de superávits
primários capazes de derrubar os juros e estabilizar a dívida como proporção do
PIB. Ocorre que ainda estamos distantes do saldo positivo.
A fixação de um limite para a dívida, como manda a Constituição, deve ser compreendida sob esse prisma. Ele não teria, por si só, o condão para disparar um cenário de superávits e de gastos públicos mais contidos. Mas, sim, poderia estimular o aumento da transparência e a melhoria da prestação de contas sobre os fatores condicionantes do endividamento.
Além disso, serviria para formalizar o
compromisso, já estipulado na Lei Complementar n.º 200/2023, com a
sustentabilidade fiscal. Ora, se a dívida/PIB precisa estacionar em prazo
definido, as metas de resultado primário e o crescimento do gasto não podem ser
determinados livremente. Devem, sim, estar matematicamente vinculados a uma
trajetória de dívida.
Essa trajetória deve ser construída em
conjunto com o Tesouro Nacional e a Instituição Fiscal Independente (IFI),
órgão vinculado ao Senado. A flexibilidade deve ser garantida, preservando-se
todas as funções de refinanciamento da dívida pública vincenda e da gestão da
política monetária pelo Banco Central. Nada impede que se revise a trajetória
escolhida, mas isso precisa seguir rito próprio, sob máxima transparência.
A obtenção de um superávit primário ao redor
de 1,5% do PIB é condição indispensável para recuperarmos as condições de
equilíbrio fiscal. O atual governo conseguiu avançar na recuperação de
receitas, mas os desafios do lado da despesa pública não foram superados. Em
boa medida, pela ausência de apoio do Congresso.
Ao contrário, o Parlamento, com o aumento
expressivo das emendas e sua impositividade, imprimiu caráter ainda mais rígido
ao Orçamento público. Como venho defendendo, será preciso uma reforma
orçamentária ampla para restabelecer a normalidade no processo orçamentário.
Voltando ao limite da dívida, o modelo de
metas à inflação é um bom exemplo para fins de comparação. Não se deve cometer
o erro de buscar um limite fixo, cuja determinação específica seria impossível.
No lugar disso, uma trajetória tecnicamente projetada, com bandas, se possível,
e ancorada às metas fiscais e ao crescimento dado pelo teto de gastos em vigor.
No fim do dia, o limite de dívida pode
estimular a responsabilidade fiscal permanente. Não vamos, entretanto, nos
iludir. Para além de regras e normas bem calibradas, o componente mais
importante da equação de sustentabilidade fiscal chama-se compromisso político.
A ideia de que a responsabilidade fiscal permanente é o único caminho para a elevação sustentável das taxas de crescimento econômico e do bem-estar social ainda não está espalhada nas elites políticas e na sociedade. Eis o desafio maior.
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