quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Opinião do dia – Sérgio Moro

Embora os episódios ainda não tenham sido totalmente esclarecidos, trata-se, a ver deste Juízo, de uma indevida, embora mal sucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência política em seu favor no processo judicial. Evidentemente, não com o oferecimento de vantagem indevida, mas certamente com o recorrente discurso de que as empreiteiras e os acusados são muito importantes e bem relacionadas para serem processadas ou punidas e que cabe ao Governo ajudá-las de alguma forma.

Intolerável que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal.

“Não há qualquer empecilho para que os advogados constituídos procurem este Juízo ou os relatores dos diversos recursos já interpostos nos Tribunais ou mesmo outras autoridades públicas envolvidas diretamente nos processos. Este julgador, aliás, recebe, quase cotidianamente, advogados dos acusados, desde que munidos de procuração, o que faz de portas abertas. É um direito e dever do advogado lutar por seu cliente na forma da lei e um dever do magistrado ouvir seus argumentos."

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O juiz federal Sérgio Moro em despacho nos autos ao decretar nova ordem de prisão preventiva de quatro executivos - Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, e Eduardo Leite, Dalton dos Santos Avancini e Ricardo Auller, estes últimos da Camargo Corrêa.

Para juiz, encontro de empreiteiras com ministro é intolerável

• Sergio Moro afirma que advogados de empresas sob suspeita buscam interferência política em investigações

• Cardozo diz que é seu dever receber advogados e nega ter recebido pedidos de favorecimento

Aguirre Talento, Gabriel Mascarenhas, Lucas Ferraz e Mario Cesar Carvalho – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - O juiz federal Sergio Moro, que conduz os processos da Operação Lava Jato, criticou duramente os advogados de empreiteiras que procuraram o ministro José Eduardo Cardozo (Justiça) para discutir o andamento das investigações sobre o esquema de corrupção descoberto na Petrobras.

Num despacho publicado nesta quarta-feira (18), Moro classificou como "intolerável" a iniciativa e reproduziu frase do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa, dizendo que advogados devem recorrer ao juiz, "nunca a políticos", caso queiram denunciar eventuais excessos da polícia.

Em seu despacho, o juiz decidiu manter presos preventivamente quatro executivos presos em Curitiba, Ricardo Pessoa, da UTC, Eduardo Hermelino Leite, Dalton Avancini e João Auler, da Camargo Corrêa, sob a alegação de que as empreiteiras estão tentando interferir nas investigações.

De acordo com Moro, ao procurar o ministro da Justiça, os advogados estariam tentando "obter interferência política" no processo judicial.

Cardozo teve encontros com advogados da UTC, da Camargo Corrêa e da Odebrecht nos últimos meses. A Polícia Federal, responsável pelas investigações da Operação Lava Jato, é subordinada formalmente ao ministro.

Moro disse que as prisões dos executivos devem ser discutidas "nos autos" e afirmou que nunca se recusou a receber ele mesmo os advogados das empresas sob suspeita.

"Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas", escreveu. "Mais estranho ainda é que participem desse encontros, a fiar-se nas notícias, políticos e advogados sem procuração nos autos das ações."

O juiz ressaltou ainda que Cardozo não é responsável pelas investigações. "Apesar da Polícia Federal, órgão responsável pela investigação, estar vinculada ao ministério, o ministro da Justiça não é o responsável pelas ações de investigações", escreveu.

Moro classificou o episódio como uma "indevida, embora mal sucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência política" no processo.

O juiz, porém, evitou atacar diretamente Cardozo. Disse que não há prova de que o ministro tenha atendido às solicitações das empreiteiras. "Sequer é crível que se dispusesse a interferir indevidamente no processo judicial", escreveu o juiz da Lava Jato.

Imoralidade
Em nota, Cardozo reiterou que é seu dever receber os advogados e disse que nunca recebeu deles pedido para criar obstáculos nas investigações ou favorecer as empresas.

"Caso tivesse recebido qualquer solicitação a respeito, em face da sua imoralidade e manifesta ilegalidade, teria tomado de pronto as medidas apropriadas para punição de tais condutas indevidas", afirmou o ministro.

Um grupo com pouco mais de 60 pessoas protestou contra Cardozo na noite desta quarta, realizando um panelaço em frente ao prédio em que ele vive em São Paulo.

Integrantes do movimento Vem pra Rua, criado nas eleições passadas, levaram panelas, faixas e velas para pedir à presidente Dilma Rousseff a imediata demissão de Cardozo. O ministro não estava em São Paulo e o apartamento estava vazio.

Despacho de Moro é truculento, diz advogado

• Para representante de empreiteira, juiz confunde acusados e defensores

• Advogados têm direito de serem recebidos, mas audiências devem ser públicas, afirma o presidente da OAB

Aguirre Talento, Flávia Foreque e Gabriel Mascarenhas – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Advogados de empresas investigadas na Operação Lava Jato rebateram as críticas feitas pelo juiz federal Sérgio Moro e defenderam o direito de serem recebidos pelo ministro José Eduardo Cardozo.

Alberto Toron, que representa a empreiteira UTC, classificou o despacho do juiz de "truculento" e "repugnante".

"É direito dos advogados conversar com quem quiserem, inclusive com o ministro da Justiça. Este, por outro lado, não pode interferir no processo", disse. Toron negou ter se reunido com Cardozo para tratar da Lava Jato.

Advogado da Camargo Corrêa, Celso Vilardi também negou ter se encontrado com o ministro da Justiça, mas disse que não vê problema em audiências dessa natureza.

"A discussão não tem o menor cabimento, e tenho a impressão de que estão confundindo as pessoas dos acusados com as dos advogados."

Dora Cavalcanti, que representa a Odebrecht e se reuniu com Cardozo neste mês, disse que não houve qualquer pedido de interferência política. "Ao endossar as críticas de Joaquim Barbosa, o juiz Sérgio Moro volta a confirmar seu desprezo pelo exercício pleno da defesa e pela paridade de armas no processo."

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Marcus Vinícius Coêlho, defendeu os "direitos e prerrogativas" dos advogados serem recebidos pelo ministro da Justiça, mas acrescentou que toda audiência precisa ser "transparente, pública".

"Não pode ser uma seleção deste ou daquele advogado. Tem que ser uma questão aberta, impessoal, independente do caso", afirmou Coêlho, após participar de evento da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Juiz da Lava Jato chama de ‘indevida interferência política’ encontro de empreiteiras com ministro da Justiça

• Juiz da Lava Jato reagiu à tentativa das empresas em obter apoio do governo; para ele, Cardozo deve dar condições e independência à PF

Ricardo Brandt, Fausto Macedo, Mateus Coutinho e Julia Affonso – O Estado de S. Paulo

O juiz federal Sérgio Moro, que conduz todas as ações da Operação Lava Jato, classificou nesta quarta-feira, 18, de ‘intolerável que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas’. Ao decretar nova ordem de prisão preventiva de quatro executivos - Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, e Eduardo Leite, Dalton dos Santos Avancini e Ricardo Auller, estes últimos da Camargo Corrêa – o juiz criticou pesadamente a estratégia das construtoras que buscaram apoio do governo.

Para Moro trata-se de ‘indevida interferência política’ a ofensiva das empreiteiras dos cartel que se instalou na Petrobrás. O juiz faz referência ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que admitiu ter recebido em seu gabinete os advogados de uma das empreiteiras.

“Embora os episódios ainda não tenham sido totalmente esclarecidos, trata-se, a ver deste Juízo, de uma indevida, embora mal sucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência política em seu favor no processo judicial”, alerta o juiz. “Evidentemente, não com o oferecimento de vantagem indevida, mas certamente com o recorrente discurso de que as empreiteiras e os acusados são muito importantes e bem relacionadas para serem processadas ou punidas e que cabe ao Governo ajudá-las de alguma forma.”

Sérgio Moro anota. “Intolerável que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal.”

“Não há qualquer empecilho para que os advogados constituídos procurem este Juízo ou os relatores dos diversos recursos já interpostos nos Tribunais ou mesmo outras autoridades públicas envolvidas diretamente nos processos. Este julgador, aliás, recebe, quase cotidianamente, advogados dos acusados, desde que munidos de procuração, o que faz de portas abertas. É um direito e dever do advogado lutar por seu cliente na forma da lei e um dever do magistrado ouvir seus argumentos”, prosseguiu Moro.

A nova ordem de prisão dos executivos da UTC e da Camargo é fundada “em risco à ordem pública, ao processo à aplicação da lei penal”. O juiz da Lava Jato diz que não censura a autoridade política em questão (Cardozo), “nem seria apropriado que o fizesse já que não sujeita a minha jurisdição, mas acima de tudo porque não há notícia ou prova de que o Ministro de Justiça tenha se disposto a atender às solicitações dos acusados e das empreiteiras”.


Sérgio Moro cita o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, que pelas redes sociais defendeu a demissão do ministro da Justiça. “O eminente Ministro Joaquim Barbosa, ex-presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal, bem definiu a questão em comentário também divulgado na imprensa: ‘Se você é advogado num processo criminal e entende que a polícia cometeu excessos/deslizes, você recorre ao juiz. Nunca a políticos.’”

O magistrado destaca, ainda, que “sequer é crível que (o ministro da Justiça) se dispusesse a interferir indevidamente no processo judicial e na regular e imparcial aplicação da Justiça na forma da lei”.

“Rigorosamente, aliás, o discurso do Poder Executivo tem sido no sentido de apoiar o combate à corrupção e a apuração dos crimes na Petrobrás”, assinala Moro. “Entretanto, a mera tentativa por parte dos acusados e das empreiteiras de obter interferência política em seu favor no processo judicial já é reprovável, assim como foram as aludidas tentativas de cooptação de testemunhas, indicando mais uma vez a necessidade da preventiva para garantir a instrução e a aplicação da lei penal e preservar a integridade da Justiça contra a interferência do poder econômico. Não é necessário que o mal seja consumado para que se tome a medida preventiva.”

O juiz federal da Lava Jato adverte que “existe o campo próprio da Justiça e o campo próprio da Política”. Ele manda um duro recado a advogados que estariam buscando socorro no governo para tentar livrar os empreiteiros do fantasma do cárcere da Polícia Federal. Ele invocou uma frase conhecida do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto. “(Justiça e Política) Devem ser como óleo e água e jamais se misturarem. A prisão cautelar dos dirigentes das empreiteiras deve ser discutida, nos autos, perante as Cortes de Justiça e pelos profissionais habilitados, no que diz respeito à Defesa, pelos advogados constituídos, dotados de procuração, tudo com transparência e publicidade.”

“Mais estranho ainda (prossegue Moro) é que participem desse encontros, a fiar-se nas notícias, políticos e advogados sem procuração nos autos das ações penais. Não socorre os acusados e as empreiteiras o fato da autoridade política em questão ser o Ministro da Justiça. Apesar da Polícia Federal, órgão responsável pela investigação, estar vinculada ao Ministério, o Ministro da Justiça não é o responsável pelas ações de investigações, cabendo-lhe apenas dar à Polícia Federal as condições estruturais de realizar o seu trabalho com independência e, se for o caso, definir orientações gerais de política criminal e de atuação dela.”

Ao falar do pagamento de propinas no escândalo Lava Jato, o juiz federal observa que a investigação revela envolvimento de políticos com o cartel das empreiteiras que se instalou na Petrobrás. “Mais grave ainda, embora esta parte dos crimes esteja sob a competência do Supremo Tribunal Federal, propinas também eram dirigidas a agentes políticos e a partidos políticos, corrompendo o regime democrático. Não se trata de um ou dois parlamentares, mas mais de uma dezena. Há, é certo, quem prefira culpar a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e até mesmo este Juízo pela situação atual da Petrobrás, em uma estranha inversão de valores. Entretanto, o policial que descobre o cadáver não se torna culpado pelo homicídio e a responsabilidade pelos imensos danos sofridos pela Petrobrás e pela economia brasileira só pode recair sobre os criminosos, os corruptos e corruptores.”

Moro indeferiu pedido de revogação da prisão preventiva e decretou nova ordem de prisão dos empreiteiros Ricardo Pessoa, Eduardo Leite, Dalton Avancini e Ricardo Auller porque citados em outras suspeitas, além do esquema da Petrobrás. “A ilustrar que os crimes não se resumem aos praticados contra a Petrobrás, releva destacar que, incidentemente, surgiram indícios veementes do pagamento de propina pela UTC/Constran a servidores do Governo do Maranhão da gestão passada, inclusive ao ex-chefe da Casa Civil, para obtenção de liberação de precatório milionário pelo Estado.

Há provas de que a UTC/Constran teria contratado os “serviços” de Alberto Youssef (doleiro da Lava Jato)para liberação do precatório junto ao Governo Estadual.”

“Posteriormente (prossegue Sérgio Moro), este Juízo recebeu do Supremo Tribunal Federal cópia de depoimento prestado por Alberto Youssef sobre todo o episódio, confirmando o pagamento de propina pela UTC/Engenharia sob as ordens de Ricardo Pessoa. Não se pode ainda olvidar as revelações efetuadas por Pedro José Barusco Filho (delator da Lava Jato), ex-gerente da área de serviços e engenharia da Petrobrás, de que similar esquema de pagamento de propinas reproduziu-se, a partir de 2011, na empresa SeteBrasil, em contratos de construções de sondas celebrados com a Petrobrás, com envolvimento também das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato, inclusive a UTC Engenharia e a Camargo Correa.”

“Apesar da certeza de que a Petrobrás irá reerguer-se e que conseguirá desenvolver seus negócios com mais eficiência e economia, já que reprimido o custo decorrente do crime, isso não alivia a responsabilidade criminal dos seus algozes”, destaca Moro. “Presentes, portanto, riscos à ordem pública, não só diante da necessidade de prevenir novas práticas delitivas de cartel, corrupção e lavagem, mas também diante da própria dimensão em concreto dos crimes que constituem objeto de imputação e de investigação e do consequente abalo à ordem pública. Só o apelo à ordem pública já bastaria à manutenção da preventiva.”

Moro: reunião com Cardozo é intolerável

Moro denuncia 'interferência'

• Juiz da Lava-Jato diz que é "intolerável" advogados de empreiteiras se reunirem com Ministro da Justiça

Cleide Carvalho e Renato Onofre – O Globo

SÃO PAULO - Em despacho divulgado ontem, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba, classificou de "intolerável" o fato de advogados das empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato terem se reunido com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em Brasília. O magistrado considerou a postura uma tentativa de "obter interferência política" no processo judicial. No mesmo despacho, ele negou o pedido de habeas corpus para quatro executivos das empreiteiras - três da Camargo Corrêa e um da UTC - presos desde novembro.

Segundo Moro, a decisão de mantê-los na cadeia é para "preservar a integridade da Justiça contra a interferência do poder econômico".

No despacho, o juiz foi duro ao criticar a postura dos advogados: "Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal".

"Investigação não cabe ao ministro"
O magistrado ressaltou que a investigação não cabe ao ministro da Justiça, mas, sim, à Polícia Federal, mesmo que a PF seja subordinada à pasta: "Não socorre os acusados e as empreiteiras o fato de a autoridade política em questão ser o ministro da Justiça. Apesar de a Polícia Federal, órgão responsável pela investigação, estar vinculada ao ministério, o ministro da Justiça não é o responsável pelas ações de investigações".

"Trata-se, a ver deste juízo, de uma indevida, embora malsucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência política em seu favor no processo judicial", escreveu Moro.

O juiz, no entanto, procurou dirigir suas baterias aos advogados e evitou criticar o ministro: "Não censuro, porém, a autoridade política em questão, nem seria apropriado que o fizesse, já que não sujeita a minha jurisdição", disse o juiz.

Mesmo assim, Moro endossou as críticas de Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), à atitude de Cardozo. "O eminente ministro Joaquim Barbosa bem definiu a questão em comentário também divulgado na imprensa: "Se você é advogado num processo criminal e entende que a polícia cometeu excessos/deslizes, você recorre ao juiz. Nunca a políticos"", escreveu Moro. No sábado, pelo Twitter, Barbosa chegou a defender a demissão de Cardozo.

Na semana passada, encontros de representantes de três empreiteiras com Cardozo vieram à tona. Em 5 de fevereiro, o ministro se reuniu, em seu gabinete, com três advogados da Odebrecht em um encontro oficial. Ele ainda teria se encontrado informalmente com defensores de UTC e Camargo Corrêa.

Cardozo contesta juiz
Ontem à noite, em nota, Cardozo rebateu as críticas de Moro e afirmou que, em nenhum momento, tratou com advogados sobre decisões da Justiça relacionadas às investigações da Lava-Jato. "Em nenhum momento (o ministro) recebeu qualquer solicitação de advogados de investigados na Lava-Jato para que atuasse no sentido de criar qualquer obstáculo ao curso das investigações ou para atuar em seu favor em relação a medidas judiciais decididas pelos órgãos jurisdicionais competentes. Caso tivesse recebido qualquer solicitação a respeito, em face da sua imoralidade e manifesta ilegalidade, teria tomado de pronto as medidas apropriadas para punição de tais condutas indevidas", diz o texto.

Cardozo diz ainda que "é dever do ministro da Justiça e de quaisquer servidores públicos receber advogados no regular exercício da profissão conforme determina o Estatuto da Advocacia".

Ontem, Moro negou liberdade a Ricardo Pessoa, presidente da UTC, acusado de ser o coordenador do "clube das empreiteiras", e outros três acusados: Eduardo Hermelino Leite, Dalton Avancini e João Auler, todos da Camargo Corrêa. No despacho, o juiz reafirmou a existência de "prática sistemática de crimes de cartel, de fraude à licitação, de corrupção e de lavagem de dinheiro" por parte das empreiteiras e lembrou que, a cada grande contrato da Petrobras, eram pagas propinas a diretores e empregados da estatal, políticos e partidos, corrompendo o regime democrático. "Não se trata de um ou dois parlamentares, mas de mais de uma dezena", disse.

PSDB pedirá convocação de Cardozo para depor

• Tucanos querem que ministro se explique na CCJ do Senado e na CPI da Petrobras

Cristiane Jungblut e Júnia Gama – O Globo

BRASÍLIA - O líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB), informou ontem que o partido vai pedir a convocação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, para dar explicações sobre encontros com advogados de empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato tanto na Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) quanto na futura CPI da Petrobras da Câmara.

Em discurso, Cunha Lima ainda defendeu a autonomia da Polícia Federal, como ocorre hoje com o Ministério Público. Para o tucano, a PF não pode permanecer vinculada ao Ministério da Justiça. Ele lembrou que Cardozo negou o encontro com os advogados e ainda apresentou três versões conflitantes sobre as reuniões.

- Não entro no mérito se é ético, moral ou legal o ministro receber advogados. O que chama a atenção é a apresentação de três versões distintas. Qualquer autoridade tem o direito de receber quem solicitar contato oficial, mas que isso não seja feito às escuras, às escondidas, como fez o ministro, que só revelou o encontro após a publicação pela imprensa - disse Cássio Cunha Lima.

O líder do PSDB explicou que a convocação será formalizada na CCJ do Senado quando a comissão for instalada na próxima semana, e ainda na CPI da Petrobras da Câmara, por meio do líder do PSDB na Casa, Carlos Sampaio. Caso a oposição consiga as 27 assinaturas necessárias dos senadores para criar a CPI Mista da Petrobras, o pedido de convocação de Cardozo será repetido. Por enquanto, foram coletadas 23 assinaturas.

Ontem, o PPS pediu abertura de processo contra o ministro da Justiça na Comissão de Ética da Presidência da República. O líder do PPS, deputado Rubens Bueno (PR), acusa Cardozo de falta de decoro e de infringir o código de conduta da administração pública. Bueno pede que sejam tomadas providências e aconselha a demissão do ministro da Justiça.

Gleisi critica Barbosa
A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministra da Casa Civil no governo Dilma, defendeu Cardozo e criticou o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa. Irônica, Gleisi chamou de "no mínimo inusitado" o comportamento de Barbosa, por ter publicado em rede social críticas à conduta de Cardozo.

- O ex-ministro Joaquim Barbosa tem todo direito de falar o que ele quiser. Mas é no mínimo inusitado que, no meio da Sapucaí, pulando o carnaval, o ministro que nunca recebia advogados quando estava na Presidência do Supremo, numa postura autoritária, critique o ministro da Justiça e peça que ele venha a pedir a sua demissão - disse Gleisi.

A senadora petista disse que conviveu com Cardozo no Ministério e que ele não vai se negar a dar explicações:

- Tomaram (Cardozo) para Cristo. Querem fazer um carnaval dentro do carnaval. Conheço sua história e sua seriedade.

Ontem à noite, cerca de 60 manifestantes fizeram um panelaço em frente à casa de Cardozo, em São Paulo. Segundo a assessoria do ministro, nem ele nem seus parentes estavam em casa na hora do protesto.

- A nossa bandeira jamais será vermelha - gritavam os manifestantes, que faziam barulho com buzinas, panelas e um tambor, mas sem fechar o trânsito. O ato foi convocado pelo movimento Vem pra Rua, Brasil.

PPS ingressa com representação cobrando investigação de ministro da Justiça

Assessoria PPS

O líder do PPS na Câmara, deputado federal Rubens Bueno (PR), ingressou, nesta quarta-feira (18), com representação na Comissão de Ética da Presidência da República solicitando investigação de encontro privado entre o ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, com o advogado da UTC Engenharia, Sérgio Renault, e o também advogado Sigmaringa Seixas. Para Bueno, as reuniões não seguiram os preceitos éticos da administração pública federal e levantam suspeitas, já que Cardozo é responsável pela Polícia Federal que investiga empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato.

No documento, Rubens Bueno ressaltou que, conforme publicado pela imprensa, as reuniões teriam sido informais e não constam na agenda oficial do ministro. O deputado destacou que o encontro fere o Decreto 4334/02, que dispõe sobre audiências concedidas a particulares.

“A violação é clara já que não houve pedido formal de reunião com a identificação do requerente e o assunto que seria tratado pelo mesmo, por exemplo. Além disso, o decreto deixa claro que as audiências sempre devem ter caráter oficial, ainda que sejam realizadas fora do local de trabalho, e que o agente público deverá estar acompanhado de, pelo menos, outro servidor público. O que não ocorreu.”, disse.

Rubens Bueno considerou grave o encontro porque Cardozo teria repassado informações importantes sobre a operação que investiga desvios bilionários na Petrobras. Para ele, o fato de o ministro da Justiça se reunir com representantes de empreiteiras suspeitas desmoraliza o País.

“Conforme divulgado pela imprensa, Cardozo teria garantido ao advogado da UTC que a investigação mudaria drasticamente de rumo após o carnaval e o desaconselhou a aceitar acordo de delação premiada para os seus clientes. Imagine a gravidade dessa situação: o ministro da Justiça envolvido com advogados de empresas questionadas e investigadas pela Polícia Federal. A que ponto chegamos?”, questionou.

O parlamentar afirmou que a gravidade da situação exige uma resposta imediata das autoridades competentes. Para ele, Cardozo deveria tomar a iniciativa e se demitir do cargo.

“Essa relação de promiscuidade do PT não tem limite para nada. O ministro da Justiça é quem deveria preservar a lei e, de repente recebe advogados de empreiteiras investigadas no escândalo da Petrobras? Todo mundo apurando e ele toma esse tipo de atitude? Ou assume uma atitude mais digna ou pede para sair do ministério, já que Dilma não demite ninguém”, criticou.

Veja abaixo a íntegra da representação:

"Excelentíssimo Senhor Américo Lacombe, Presidente da Comissão de Ética da Presidência da República

Rubens Bueno, brasileiro, casado, Deputado Federal (PPS/PR), com endereço funcional no gabinete 623, Anexo IV, da Câmara dos Deputados, vem, respeitosamente, à presença desta D. Comissão, para formular a presente denúncia em face do Senhor Ministro de Estado da Justiça, José Eduardo Cardozo, pelos fatos e fundamentos adiante expendidos:

O Código de Conduta da Alta Administração Federal tem, entre suas diversas finalidades, a de preservar a imagem e a reputação do administrador público, com vistas a garantir as lisura e ética necessária para quem esteja ocupando cargo na Administração Pública Federal, conforme estabelecido em seu art. 1º, inciso III.

Entretanto, conforme amplamente divulgado pela imprensa, o denunciado tem recebido – de forma informal, sem constar em sua agenda de encontros oficiais – o advogado da UTC Engenharia, Sr. Sérgio Renault, e o ex-deputado Sigmaringa Seixas. A UTC, como noticiado, é uma das empreiteiras envolvidas no esquema de corrupção da Petrobras, e também está sob investigação pela Operação Lava-Jato.

Com o propósito de acalmar as empreiteiras envolvidas na Operação da Policia Federal, o Sr. José Cardozo, a quem está subordinada a Polícia Federal, garantiu ao advogado da UTC que a investigação mudaria drasticamente de rumo após o carnaval. Além disso, fez algumas considerações com o Sr. Sérgio Renault, desaconselhando-o a aceitar o acordo de delação premiada.

O art. 3º do Código de Conduta da Alta determina o seguinte:

“Art. 3o No exercício de suas funções, as autoridades públicas deverão pautar-se pelos padrões da ética, sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à clareza de posições e ao decoro, com vistas a motivar o respeito e a confiança do público em geral.”

Ora, resta evidente que, ao ditar como será a continuação da Operação Lava-Jato, utilizando-se do cargo de Ministro da Justiça que ocupa, bem como aconselhar o advogado da empresa investigada a recuar no acordo delação premiada, o denunciado está infringindo o Código de Conduta. Isso porque não fica claro a posição deste: como Ministro da Justiça, deveria buscar sempre o cumprimento da lei e a punição dos acusados no maior esquema de corrupção do País; entretanto, como companheiro, opta por conselhos que dificultarão a apuração de crimes e a identificação de responsáveis na Operação Lava-Jato.

Além disso, ressalta-se que houve violação ao Decreto n. 4334/2002, que dispõe sobre audiências concedidas a particulares por agentes públicos.
De acordo com o art. 2º,

“O pedido de audiência efetuado por particular deverá ser dirigido ao agente público, por escrito, por meio de fax ou meio eletrônico, indicando:
I - a identificação do requerente;
II - data e hora em que pretende ser ouvido e, quando for o caso, as razões da urgência;
III - o assunto a ser abordado; e
V - a identificação de acompanhantes, se houver, e seu interesse no assunto.”

Logo em seguida, o art. 3º dispõe:

“As audiências de que trata este Decreto terão sempre caráter oficial, ainda que realizadas fora do local de trabalho, devendo o agente público:
I - estar acompanhado nas audiências de pelo menos um outro servidor público ou militar; e
II - manter registro específico das audiências, com a relação das pessoas presentes e os assuntos tratados.”

No entanto, como admitido pelo próprio denunciado, o encontro com o advogado e o ex-deputado – que foi extraoficial – teve como pauta supostas irregularidades alegadas pelo advogado da empreiteira investigada pela Polícia Federal.

Por fim, conclui-se que o denunciado, ocupante do cargo de Ministro da Justiça, faltou com o decoro e a clareza de posições exigidos pelo Código de Conduta ao ditar os passos a serem tomados pela operação e aconselhar o advogado da empreiteira investigada a recuar no acordo de delação premiada. Violou, também, o Decreto nº 4334/2002, ao reunir-se com particulares extraoficialmente, sem tornar público o assunto a ser abordado e manter o registro específico da audiência.

Ante o exposto, no exercício do direito constitucional de petição (art. 5º, inciso XXXIV, ‘a’) o denunciante vem perante esta Douta Comissão de Ética para narrar os fatos acima descritos e requerer a abertura de processo para a apuração de prática de ato em desrespeito ao preceituado no Código de Conduta da Alta Administração Federal, a fim de que, diante da comprovação de tais violações legais, sejam tomadas as providências previstas no art. 17 do Código de Conduta; inclusive o aconselhamento de demissão do Sr. José Eduardo Cardozo do cargo de Ministro da Justiça.

Pede deferimento.

Brasília, 18 de fevereiro de 2015.

Rubens Bueno
Deputado Federal (PPS-PR)"

Oposição quer levar ministro à comissão e à CPI da Petrobrás

• Enquanto PPS entra com ação na Comissão de Ética da Presidência, PSDB e DEM miram em Cardozo no Congresso

Daiene Cardoso - O Estado de S. Paulo

Brasília - A oposição à presidente Dilma Rousseff aproveitou a polêmica envolvendo o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e advogados de acusados na Operação Lava Jato para abrir uma nova frente contra o governo no Congresso.

Os parlamentares pediram nesta quarta-feira, 18, investigação da Comissão de Ética da Presidência da República e querem convocar o ministro no Senado e na CPI da Petrobrás a ser instalada na Câmara.

O PPS protocolou a representação na Comissão de Ética pedindo investigação do encontro de Cardozo com o advogado da UTC Engenharia, Sérgio Renault, e com o advogado e ex-deputado do PT Sigmaringa Seixas.

O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), disse que as reuniões não seguiram os “preceitos éticos” da administração pública. “A violação é clara, já que não houve pedido formal de reunião com a identificação do requerente e o assunto que seria tratado pelo mesmo”, afirmou. As audiências sempre devem ter caráter oficial, ainda que sejam realizadas fora do local de trabalho, e o agente público deverá estar acompanhado de, pelo menos, outro servidor público.” A Comissão de Ética se reunirá no dia 25.

Plenário. No Senado, o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB), disse que pedirá a convocação de Cardozo na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e vai sugerir o mesmo na CPI da Petrobrás. “Esse episódio precisa de esclarecimentos no Congresso”, concordou o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE).

Coube à senadora e ex-ministra Gleisi Hoffmann (PT-PR) defender Cardozo. A petista disse que um ministro tem obrigação de receber qualquer pessoa, sob pena de cometer crime de prevaricação, e que, no caso dos defensores da Odebrecht, Cardozo recebera reclamações sobre supostas irregularidades na operação.

Gleisi tentou justificar por que o encontro com advogados da Odebrecht não foi divulgado. 

“Obviamente, se o principal corre em segredo, qualquer situação sobre esse processo também não se pode fazer pública. Portanto, está correto também o ministro.”

Governo fará reuniões para reconquistar a base

• Cunha já defende CPI comandada não só pelo PMDB

Luiza Damé, Simone Iglesias, Catarina Alencastro e Chico de Gois - O Globo

BRASÍLIA - Depois do feriado de carnaval, que passou na base militar de Aratu, na Bahia, a presidente Dilma Rousseff se reuniu no fim da tarde de ontem com ministros e assessores com o objetivo de discutir estratégias de reconciliação com os partidos da base aliada no Congresso. A preocupação central é a votação das medidas de ajuste fiscal que restringem o acesso a benefícios trabalhistas e tributários.

Durante a tarde, Dilma recebeu no Palácio da Alvorada os ministros Jaques Wagner (Defesa), Aloizio Mercadante (Casa Civil), Pepe Vargas (Relações Institucionais), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral), Ricardo Berzoini (Comunicações) e José Eduardo Cardozo (Justiça), além de seu assessor especial Giles Azevedo. Na reunião, que durou cerca de uma hora e meia, foi avaliada a necessidade de reaproximação com o PMDB, partido do vice-presidente Michel Temer, e especialmente com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Depois que o governo tratou o peemedebista como adversário na disputa pela presidência da Casa, as relações azedaram.

Na semana passada, Dilma foi aconselhada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a repactuar a relação com o PMDB e a superar as divergências com Cunha. O realinhamento com os peemedebistas é visto no governo como a única forma de garantir a governabilidade e a aprovação das medidas de ajuste fiscal.

Ministros recebem deputados
Antes de irem para o Alvorada, Pepe, Giles e Mercadante se reuniram para acertar as datas de reuniões com senadores e deputados na próxima semana. Ficou estabelecido que, na terça-feira, cinco ministros receberão, no Palácio do Planalto, para um café da manhã, líderes dos partidos da base aliada e da oposição.

Na reunião, serão discutidas as medidas provisórias que limitam a concessão do seguro-desemprego e mudam as regras do abono salarial. Após o café da manhã, do qual participarão os ministros Nelson Barbosa (Planejamento), Manoel Dias (Trabalho), Carlos Gabas (Previdência), Pepe e Rossetto, o grupo encontrará os líderes da base aliada na Câmara. Outro café da manhã está previsto para ocorrer na quarta-feira, com deputados aliados.

No exterior, o presidente da Câmara sinalizou ontem que pretende distensionar a relação com o governo Dilma e o PT. Depois de deixar o partido fora do comando da reforma política e de impor uma série de derrotas para o governo, Cunha defendeu de forma velada, em sua conta no Twitter, que o comando da CPI da Petrobras seja dividido entre os blocos peemedebista e petista.

O bloco formado pelo PMDB e mais 11 partidos, por ser o maior da Câmara, tem o direito de indicar o presidente, e, regimentalmente, é este quem aponta o relator. Parlamentares do bloco peemedebista não estão dispostos a entregar ao PT a relatoria de uma CPI, mas Cunha quer manter a tradição de dividir o comando. Alguns peemedebistas criticaram o agrado ao PT. "Não acho uma boa sinalização à sociedade fazer essa concessão ao PT, passará a impressão de que está havendo um acordo para nada se apurar", escreveu no Twitter Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).

Governo costura para tirar oposição de comissões

• Aliados do governo no Senado querem repetir manobra usada na eleição para a Mesa Diretora e dominar comissões permanentes da Casa. Oposição pede respeito a tradição

Edla Lula – Brasil Econômico

Partidos da base aliada no Senado trabalham para repetir, nas comissões permanentes, a "tratorada" que passaram durante a eleição da Mesa Diretora da Casa, em que deixaram sem cargos parlamentares da oposição, embora a Constituição e o Regimento Interno recomendem o princípio da proporcionalidade, quando a escolha é feita considerando-se o número de senadores por bancada. A costura está sendo feita entre o líder do bloco parlamentar União e Força (PR-PTB-PSC e PRB), Fernando Collor de Mello (PTB-AL), e o líder do PMDB, Eunício Oliveira (CE), que age em nome do próprio presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

A intenção é tornar completa a represália pela tentativa da oposição de derrubar Renan, provocando a cizânia em parte da base no processo de eleição da Mesa, com a candidatura avulsa de Luiz Henrique (PMDB-SC) à Presidência. O PT, que depende da base aliada para aprovar matérias do Planalto, também tem interesse em ver longe da presidência das comissões parlamentares da oposição. "A ideia é que se repita a tratorada na oposição também nas comissões. Se foi possível fazer na eleição da Mesa Diretora, que dirá nas comissões", disse ao Brasil Econômico um integrante do União e Força que tem acompanhado as discussões.

Nas tratativas, o líder do PT, Humberto Costa (PE), tem defendido que se exclua da vingança o PSB, outrora integrante da base, mas que se afastou do governo a partir da candidatura do ex-governador Eduardo Campos à Presidência da República. Na bancada, há o entendimento de que é possível resgatar o apoio dos socialistas, mas, segundo esta mesma fonte, os demais integrantes da base discordam. O líder do PMDB diz que o Regimento não trata a regra do maior partido como "obrigação", mas como "possibilidade". Por isso, as articulações que estão sendo feitas apontam para uma "proporcionalidade possível". Eunício argumenta que a quebra de proporcionalidade foi feita primeiro no processo de eleição da Presidência.

"Seria natural que esta quebra se repetisse nas comissões", disse ele, antes do recesso de Carnaval. O líder do Bloco da Oposição, Álvaro Dias (PSDB-PR), diz não ver sentido em mais essa manobra. "Não há ambiente para tratorar a oposição mais uma vez. No caso da mesa diretora, são cargos administrativos e havia interesse em provocar esta briga. As comissões são lugar de trabalho, onde temas relevantes estão sendo discutidos. Fazer esta provocação seria contribuir para um debate desnecessário que só desgastaria a base.

Creio que vai se respeitar a tradição da Casa", opina Dias. A próxima reunião para tentar fechar acordo em torno das comissões está marcada para terça-feira. Por causa do impasse, a formação das comissões atrasou os debates de matérias no Senado, que não votou nada desde o início do ano legislativo. Na última sessão deliberativa, Renan chegou a apelar às lideranças de partidos e blocos que ultimem as indicações dos integrantes das comissões permanentes. Pelas regras da proporcionalidade, o Bloco da Oposição, integrado por PSDB e DEM, terá direito à 4ª escolha e já se decidiu pela Comissão de Meio Ambiente, Fiscalização e Controle (CMA), indicando um dos mais ferrenhos oposicionistas, Aloysio Nunes (PSDB-SP) para a presidência.

"Colocar Aloysio Nunes na CMA é estratégica para nós, da oposição, porque é no ambiente da fiscalização e do controle que vamos poder policiar as ações do governo e denunciar qualquer desmando", comenta o líder do PSDB, Cássio Cunha Lima (PB). "Caso o governo tente atropelar o regimento mais uma vez, a oposição vai reagir à altura", completou Cunha Lima. O bloco Democracia Participativa (PSB-PP-PPS), que terá direito à sexta escolha, também já indicou Romário (PSB-RJ) para a comissão de Educação, Cultura e Esporte.

Levy já considera PIB negativo em 2015, mas promete cumprir meta fiscal

• Em palestra para 185 investidores nos Estados Unidos, ministro da Fazenda afirmou que a 'há muito ainda a ser feito' e que 'consolidação vai continuar'

Altamiro Silva Júnior - O Estado de S. Paulo

O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, disse nesta quarta-feira a cerca de 185 investidores que o Brasil vai conseguir cumprir a meta de superávit primário de 1,2% este ano e que o crescimento econômico está desacelerando e pode ser negativo em 2015, por conta do declínio no investimento.

"A consolidação vai continuar", disse Levy, destacando que a administração de Dilma Rousseff está comprometida em entregar a meta fiscal de 1,2% de superávit primário.

O ministro prometeu ter em sua gestão o maior diálogo possível com o mercado, além de transparência na política fiscal. Levy afirmou que o objetivo e criar um ambiente de confiança e que favoreça decisões de investimento.

Inicialmente, ele falou dos avanços na educação do Brasil, destacando que o número de pessoas em faculdade dobrou nos últimos anos.

"O Brasil tem coisas que precisam ser feitas imediatamente, mas tem passado por transformação", afirmou Levy logo no inicio de seu discurso.

"Há muito ainda a ser feito no Brasil, estamos longe de onde gostaríamos."

Levy fez uma apresentação de mais de uma hora na manhã desta quarta-feira para investidores e economistas, organizado pela Americas Society/Council of the Americas, pelo Brazil Investimentos e Negócios (Brain) e pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

A agenda oficial do ministro nos EUA começou ontem com uma apresentação fechada para cerca de 50 pessoas em Washington. Levy deve voltar ainda nesta quarta-feira ao Brasil.

Brasil deve ter dois anos seguidos de queda do PIB

Dois anos de queda do PIB

• Levy admite que economia encolheu em 2014, e mercado prevê recuo também em 2015

Isabel De Luca, Geralda Doca – O Globo

NOVA YORK e BRASÍLIA - O Brasil pode ter dois anos consecutivos de retração econômica. No mesmo dia em que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu pela primeira vez que a economia em 2014 pode ter encolhido, os analistas do mercado financeiro projetaram, também de forma inédita, uma queda do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2015.

O resultado da economia no ano passado só será divulgado pelo IBGE no fim de março. Mas a afirmação de Levy contraria o que vinha sendo defendido pelo governo até agora. Já o boletim Focus, apurado em pesquisa semanal do Banco Central (BC) com as principais instituições financeiras no Brasil, apontou retração de 0,42% em 2015 - algumas previsões sugerem encolhimento de até 1,2%. Na semana passada, as perspectivas para este ano eram de estagnação. Na avaliação dos economistas, uma combinação de fatores negativos vai prejudicar a economia, como inflação alta, pressão no câmbio e arrocho na política monetária.

Em sua primeira viagem aos Estados Unidos como ministro da Fazenda, Levy disse ontem, em palestra a investidores em Nova York, que o Brasil não precisa de "cortes draconianos" para promover o ajuste fiscal necessário ao início de "um novo ciclo de crescimento" e admitiu que a economia do país pode ter encolhido em 2014.

- Estamos num ritmo mais fraco mais recentemente, nós todos lamentamos que o crescimento tenha desacelerado, e talvez no ano passado tenha ficado mesmo negativo, porque alguns grandes investimentos declinaram. Mas acho válido mencionar que continuamos a ter pequenos e médios projetos. Muitas empresas de todo o mundo continuam a abrir fábricas no Brasil, e nós temos que garantir que esses fluxos continuem, porque, em última instância, é o que oferece a diversificação da base econômica. É um processo saudável, liderado pelo setor privado, por empresas, investidores.

Segundo o documento da apresentação do ministro em Nova York, os dados revelados têm como base uma alta do PIB em 2015 de 0,8%, em linha com a mensagem da presidente Dilma Rousseff ao Congresso no início deste mês, quando ela afirmou que não promoverá "recessão e retrocessos".

"Cenário delicado" em 2015, diz analista
O mercado, no entanto, confirmou na pesquisa Focus que 2015 deve ser um ano difícil. Para o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, a previsão de queda na economia de 0,42% apontada na levantamento do BC é simbólica - mas esperada, diante do processo de deterioração observado nas últimas semanas. Segundo ele, as projeções devem piorar, indicando um tombo ainda maior na economia. A consultoria prevê retração de 1,2% no PIB este ano.

- O cenário é muito delicado, e o resultado disso é a queda no PIB - disse o economista.
Rodrigo Miyamoto, analista de macroeconomia do Itaú Unibanco, ressaltou que a confiança de empresários e consumidores nunca esteve em patamares tão baixos. Ele não acredita que essa situação vá mudar nos próximos meses. O Itaú Unibanco prevê recuo de 0,5% no PIB este ano.

De acordo com os economistas ouvidos pelo BC, as medidas de ajuste fiscal anunciadas pela equipe econômica devem prejudicar o crescimento, mas são necessárias para preparar o terreno para 2016. As projeções do Focus para o PIB do ano que vem permaneceram em 1,5%.

Durante a palestra, que reuniu 185 pessoas e durou pouco mais de uma hora, Levy reforçou o compromisso com a meta de superávit primário (economia para pagamento dos juros da dívida) de 1,2% do PIB:

- Se voltarmos, em muitos casos, ao nível de gastos de 2013, podemos entrar no caminho para atingir a meta de 1,2% sem muito problema, só temos que voltar o relógio um pouco, não precisamos fazer cortes draconianos ou algo do gênero.

O ministro garantiu que não está "inventando novos impostos" e explicou que "o plano para os próximos meses é simplificar alguns e renovar outros". Afirmou, porém, que o governo vai tomar novas medidas para atingir a meta fiscal.

- Estamos trabalhando para conseguir (atingir a meta) nos próximos dez meses. Esse é o compromisso da presidente e nossa responsabilidade no Planejamento e na Fazenda. Já adotamos medidas, vamos adotar outras.

Já a projeção do Focus para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, subiu pela sétima vez consecutiva, a 7,27%, contra 7,15% na semana anterior - ou seja, estourando o teto da meta, de 6,5%.

Em relação à Petrobras - tema que junto com câmbio foi a principal curiosidade dos investidores quando o ministro abriu para (poucas) perguntas da plateia -, Levy ressaltou que a empresa vem aumentando a produção de petróleo desde 2012 e que o pré-sal "é uma realidade". Em referência aos escândalos, afirmou que a estatal está focada em virar a página e que acredita que isso será feito "nos próximos meses".

- Estamos de volta a dois milhões de barris por dia. O pré-sal é uma realidade e é muito mais produtivo do que o imaginado. Isso é importante num mercado em que os preços caíram drasticamente. E mostra que, ao menos no lado da produção, a empresa encontrou o seu caminho.

O ministro ainda defendeu a estatal das críticas geradas pelo atraso de cerca de dois meses na divulgação do balanço do terceiro trimestre de 2014, que acabou publicado sem o aval da auditora da empresa, a PwC.

- Os números estão ali, o mercado pode avaliar se o dinheiro foi mal gasto ou bem gasto, mas a Petrobras sempre divulgou todos os seus gastos, não há real surpresa para o mercado. Tudo foi liberado para analistas do mundo todo, tudo era público. Não há surpresa, nunca o mercado foi deixado sem saber o que estava acontecendo na companhia - argumentou.

Crise energética
Já a crise no setor de energia foi atribuída por Levy ao aumento do consumo, e a solução, segundo ele, passa pela busca de energias alternativas.

- A demanda (por eletricidade) cresceu, especialmente a residencial e a do terceiro setor. O consumo de energia por domicílio este ano será 23% maior do que há cinco anos. Então, o consumo cresceu quase 25% em apenas cinco anos, enquanto na maioria dos países, diminuiu. Com algum esforço e alguma economia, podemos estabilizar esse consumo.

O ministro terminou o pronunciamento em tom otimista, citando as Olimpíadas como instrumento que ajudará a melhorar o astral do país em 2016.

- Sei que 2015 será um ano de desafios, mas podemos chegar à meta e temos que trabalhar para que 2016 seja um ano de crescimento, de otimismo. Será um ano importante para o Brasil, vamos sediar as Olimpíadas. A preparação está indo bem, há muito comprometimento dos governos federal e local. Será um bom clima depois de passarmos pelos ajustes que precisamos fazer agora e estabelecer fundações para um novo ciclo de crescimento.

Após o encontro, Levy se reuniu a portas fechadas com representantes da agência e classificação de risco Moody"s, que no fim do ano passado revisou a perspectiva do Rating (a nota) do país para negativa, e saiu sem falar com a imprensa. Entre os investidores presentes, as impressões foram variadas.

- Achei ridículo. Ele mudou de tom desde que assumiu, agora está repetindo o discurso da Dilma - reclamou um investidor brasileiro radicado em Nova York que preferiu o anonimato.

- Achei interessante. Realista. Não teve nenhuma novidade, mas foi bom ouvir da boca dele, e não por terceiros ou por jornais - concluiu um advogado americano, com vários clientes brasileiros na carteira.

Marco Aurélio Nogueira - Depois do carnaval sempre se reabre o espaço para mudanças e transformações

- O Estado de S. Paulo

“Se não há mais ordem, como viver uma festa da desordem? O carnaval tornou-se banal, medíocre, trivial e diário”. Roberto da Matta, Estadão, 18/2/2015

A frase precisa fica martelando a cabeça, depois dos quatro dias regulamentares de folia. Ruas, desfiles, sambódromos, blocos e transmissões televisivas fizeram com que o carnaval mais uma vez acontecesse. Desgraças passionais, acidentes, a corrupção nossa de cada dia, as conhecidas chagas sociais, alguns jogos de futebol, enchentes localizadas, turistas extasiados, fuga em massa para as praias e as estradas lotadas de sempre mantiveram viva a agenda normal, mas o centro esteve ocupado pelos foliões.

Desculpem-me os carnavalescos entusiasmados, mas carnaval, foliões, festa popular? São expressões superlativas, somente colam com dificuldade na realidade, símbolos de uma busca sôfrega por diversão, deboche e espontaneidade, do desejo incontido de subverter a ordem, os lugares e os papéis estabelecidos. Busca, de resto, inútil: acha-se na festa exatamente aquilo com que se tromba nos demais 360 dias do ano. Só que, no tríduo momesco, tudo fica devidamente glamourizado, vira espetáculo e peça mercadológica, faz com que rodem algumas engrenagens estratégicas. Nada menos carnavalesco.

Nossos tempos de turbulência, movimentação frenética e conectividade fizeram da subversão uma regra do cotidiano. Tudo é sempre igual e sempre diferente no dia seguinte. Continuam a haver crimes, corrupção, luta por poder, contestações, protestos e terrorismo, mas nada disso abala ou põe em xeque o sistema, antes o reforça. A “boa” subversão — aquela que vem pela política e pela cultura e produz mudanças efetivas, sustentáveis — tem quase nada de oxigênio. Parece dar murros em ponta de faca.

Passamos a viver uma rotina sistêmica asfixiante, que não só assimila e neutraliza os atos subversivos, como os converte em alimento e reforço do sistema. Sequer a desordem consegue ser subvertida.

Apesar disso, o pós-carnaval continua a ser um momento de retomada. Faz-se de conta que o baixo astral ficou nas ruas da folia, trancado nos armários junto com as máscaras e fantasias protocolares.

Fecham-se as cortinas do verão, vêem (será?) as águas de março… Querendo ou não, abre-se espaço para que se tente novamente recuperar os termos autênticos da subversão.

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Marco Aurélio Nogueira é professor de Teoria Política da Unesp

Merval Pereira - Política x justiça

- O Globo

A polêmica aberta pelas audiências que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, concedeu a advogados de UTC, Odebrecht e Camargo Corrêa só ocorreu porque elas foram realizadas fora da agenda e descobertas por jornalistas. A explicação oficial para a falta de registro dos encontros só fez crescer as suspeitas: atribuiu-se a uma "falha técnica" a ausência de registro, justamente nos dias em que ocorreram.

O encontro com Sérgio Renault, que já trabalhou com o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e hoje está num escritório que defende o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, é mais intrigante ainda. Cardozo disse que o encontrou de surpresa em sua antessala, quando levou à porta o advogado Sigmaringa Seixas, que já foi deputado federal pelo PT e é o homem de confiança de Lula para indicações ao STF.

Os dois advogados almoçariam juntos e combinaram de se encontrar no gabinete do ministro. Não chega a ser normal marcar encontro na antessala de um ministro, a não ser que se queira aproveitar uma brecha para se chegar a ele. É o que parece que aconteceu.

Todos esses bastidores formam um conjunto suspeito de coincidências que não favorecem Cardozo, mesmo que ele afirme, com razão, que é seu dever receber advogados. Em condições normais, é claro que é. Mas nessas condições especiais, e num momento em que o processo contra as empreiteiras está sendo investigado por Ministério Público e Polícia Federal, quanto mais distante estiver das investigações o ministro da Justiça, melhor para as instituições democráticas.

Tem razão o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa ao dizer que advogados que queiram se queixar de desvios no processo do petrolão deveriam procurar o juiz responsável pelo caso, e não o ministro da Justiça, que é uma figura de representação política.

Nesse caso, o ministro Teori Zavascki, relator do processo no STF, seria o indicado para receber essas queixas. Zavascki já tirou da prisão o ex-diretor da Petrobras Renato Duque, com apoio posterior de seus colegas. Ou então o próprio juiz Sérgio Moro, que ontem classificou de "inaceitável" a tentativa de interferência política no caso. O juiz classificou o episódio de "indevida, embora malsucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter interferência política".

Há indicações de que cresce no STF o desconforto dos ministros com a duração da prisão dos acusados; não será surpresa se nos próximos dias outras decisões os tirarem da cadeia.

Há também informações de que a CGU está ultimando acordo de leniência com as empreiteiras, avalizado pelo TCU, para que paguem multa milionária e não sejam consideradas impedidas de participar de obras governamentais.

Alega-se não ser possível parar o país com a declaração de inidoneidade das empreiteiras. Esse mesmo tipo de acordo foi tentado pelas empreiteiras junto a Moro, que comanda o processo em Curitiba, e ao MPF, mas não se chegou a acordo pois as empreiteiras queriam pagar multa menor do que a definida por Moro, e também que seus dirigentes fossem soltos sem responder a acusações.

Esses encontros do ministro, em momento político delicado, não servem à democracia, muito menos quando se prestam a versões nada republicanas. Segundo a revista "Veja", Cardozo teria orientado os advogados a não permitir que o presidente da UTC fizesse o acordo de delação premiada com o MP, pois os rumos das investigações tomariam novo rumo após o carnaval. Não vi nenhum desmentido do ministro quanto a esse ponto crucial.

Ele desmente genericamente que tenha conversado com o advogado ligado à UTC sobre a Lava-Jato, também outra estranheza dessa história toda. E admite que os da Odebrecht encaminharam documento com reclamações sobre o processo, mas diz que tem de manter em sigilo o teor, o que também não faz sentido.

O conjunto da obra leva a uma tentativa de melar a Lava-Jato, o que seria gravíssimo recuo institucional. Creio, porém, que o processo já chegou a um ponto em que é difícil recuo tão grande; nos próximos dias, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresentará sua denúncia ao STF, com os nomes dos envolvidos com foro privilegiado, políticos com mandatos.

Certamente a sociedade, que já está informada de partes importantes da investigação, não aceitará que ela seja desmontada por manobras de bastidores. Se isso acontecer, só reforçará no cidadão a sensação de que há figuras políticas mais altas tentando embaralhar as investigações. E provocará reações.

O crime compensa na Sapucaí - Bernardo Mello Franco

- Folha de S. Paulo

Não basta reclamar da Beija-Flor, que levantou o troféu com patrocínio do sanguinário ditador da Guiné Equatorial. Uma conversa a sério sobre o financiamento do Carnaval do Rio precisa discutir os repasses de verba pública às escolas de samba e o controle da festa mais popular do país por uma entidade ligada ao crime, com as bênçãos do Estado e da prefeitura. A escola campeã, comandada há décadas por um contraventor de Nilópolis, está longe de ser exceção. A simpática Portela tem como patrono um miliciano, a Mocidade Independente pertence a um capo dos caça níqueis, a Imperatriz Leopoldinense está nas mãos de um ex-torturador que virou bicheiro.

Os quatro já estiveram presos e continuam a reinar na Marquês de Sapucaí, onde têm livre acesso aos camarotes e são reverenciados por artistas e políticos. Eles mandam na Liesa, a liga que organiza os desfiles na Marquês de Sapucaí. Em 2008, uma CPI da Câmara Municipal do Rio concluiu que a entidade deveria disputar licitação se quisesse continuar à frente do Carnaval. O então prefeito Cesar Maia foi contra. Os postulantes à sua cadeira evitaram o assunto. Eduardo Paes venceu a eleição, e pouca coisa mudou no Sambódromo. A prefeitura continuou a injetar dinheiro nas escolas até 2010, quando o Ministério Público mandou suspender os repasses.

A verba direta foi substituída por patrocínios a eventos paralelos. Os conselheiros do Tribunal de Contas do Município, que deveriam coibir a farra, assistiam a tudo em quatro camarotes na avenida, depois devolvidos por ordem judicial. Paes já ensaiou licitar o desfile, mas desistiu alegando falta de interessados. Em 2012, quando concorria à reeleição, foi cobrado em sabatina do jornal "O Globo" sobre a permanência dos bicheiros. "Chato é, mas vou fazer o quê? Acabar com o Carnaval?", perguntou o prefeito. Aí está um bom tema para os candidatos à sua sucessão no ano que vem.

Míriam Leitão - Encontro inconveniente

- O Globo

Triste é o país no qual se tem que explicar ao ministro da Justiça o que ele não deve fazer, porque é institucionalmente inadequado. Ele não pode receber a portas fechadas, no seu gabinete, advogados de pessoas que estão sendo investigadas pela Polícia Federal, que ele comanda. Se o faz, parecerá aos comandados uma desautorização e, aos cidadãos, que haveria um acerto de gabinete.

Não repetirei, por ocioso, o ideal da redundância entre ser e parecer da mulher de César. A autoridade deve ser e parecer respeitosa das instituições porque assim funciona na democracia.

O ministro José Eduardo Cardozo deveria evitar no futuro quaisquer encontros com advogados das partes em litígio com o Estado, porque simplesmente ele não é a instância. Se, por acaso, algum advogado acha que o seu cliente está sendo maltratado ou não tem tido seus direitos respeitados, ele tem um endereço certo para ir: aos tribunais. À Justiça, pode-se recorrer até de eventuais excessos da própria Justiça. Eis aí a beleza do Estado de Direito. Para investigados por supostos crimes na democracia, não há caminhos alternativos, atalhos, conversas de bastidores que passem pelo poder Executivo.

Na ditadura, da qual o ministro parece ter apenas vaga lembrança, direitos não eram respeitados. Os mais mínimos direitos. Por isso é que os familiares tentavam contatar quem pudessem dentro do aparelho de Estado à busca de informações sobre os seus ou caminhos de proteção do prisioneiro desprovido de garantias individuais. Procuravam-se os atalhos, porque não havia caminhos. Por isso, a afirmação que o ministro fez, de que recriminá-lo por receber os advogados dos suspeitos é coisa da época da ditadura, parece tão sem pé nem cabeça. Naquela época, conhecer um ministro poderia significar a informação sobre a vida ou sobre a morte de um ente querido.

Hoje, as instituições funcionam, felizmente. A Polícia Federal prendeu, levou para depor ou fez busca e apreensão de documentos obedecendo estritamente as ordens da Justiça. Está interrogando dentro das normas legais do país. O Ministério Público está fazendo seu papel de forma autônoma. A Justiça cumpre igualmente seus deveres constitucionais. Não há nada fora da ordem. E se, por acaso, tivesse havido algo anormal, o caminho para a solução do problema não seria o do gabinete do ministro.

O que podem querer, com o ministro da Justiça, os advogados dos investigados pela operação Lava-Jato? Falar de amenidades? Conversar sobre a conjuntura internacional? O único assunto provável neste momento é o que todos suspeitamos. E isso não é eficaz na defesa dos seus clientes. Porque se uma conversa com o ministro mudar algo, ou alguma informação for passada aos defensores, estaríamos diante de uma grave perturbação da ordem.

Mas o espantoso é que mesmo diante da polêmica, o ministro e seu partido - que, ademais, tem o seu tesoureiro sob suspeição por ter sido citado pelos envolvidos - ainda não entenderam o que houve de errado no encontro. Pode-se acreditar que a conversa não produziu qualquer consequência, que dela não tenha decorrido um ato ministerial que atrapalhe as investigações, mas pense o senhor ministro o que se passa na cabeça de um delegado? Ele pode se sentir constrangido no seu trabalho ao saber que o seu interrogado tem acesso, através do advogado, ao chefe de todos os policiais federais. Tomara que não se sinta constrangido porque do seu trabalho, desempenhado de forma tecnicamente correta, depende o bom andamento de investigação relevante para o futuro do país.

Por isso, o ministro deve-se abster de ter esses encontros. É, de fato, triste que tudo tenha que ser explicado, porque já deveria ser bastante sabido neste trigésimo aniversário da Nova República. A democracia tem rituais que devem ser estritamente seguidos. Autoridades prestam contas dos seus atos quando há dúvidas sobre eles. Evitam conflitos de interesse como, por exemplo, o que pode haver num encontro com advogados de pessoas que estão neste momento sendo investigados pela Polícia Federal. E se o ministro estiver amanhã julgando esse caso na Suprema Corte? O encontro foi definitivamente inconveniente.

2018 já está no ar – Editorial / O Estado de S. Paulo

O segundo mandato da presidente Dilma Rousseff mal começou e os dois maiores partidos que a apoiam, PT e PMDB, já estão tratando da sua sucessão em 2018. Falam abertamente nas candidaturas do ex-presidente petista Luiz Inácio Lula da Silva e de Eduardo Paes, atual prefeito peemedebista do Rio de Janeiro. É mais um indício robusto de que os principais apoiadores de Dilma Rousseff, preocupados com a possibilidade de que nos próximos três anos piore ainda mais o baixo índice de avaliação do atual governo, não querem perder tempo e cuidam de prevenir o quanto antes a contaminação eleitoral pelo desastrado desempenho da presidente da República.

É claro que as candidaturas de Lula e de Paes são, por enquanto, especulações provocadas pela necessidade de agir diante de um cenário político turbulento e ameaçador para os dois maiores partidos que, pelo menos formalmente, dão sustentação política ao governo. Além disso, as condições do instável momento político que o País atravessa tornam o futuro mais imprevisível do que nunca, além de a história e os projetos políticos de PT e PMDB revelarem diferenças importantes que certamente condicionarão o posicionamento tanto de um quanto de outro nesse cenário.

A posição do PT, por ser o partido da presidente da República, é certamente a mais complexa e difícil. Desde que assumiu o segundo mandato, Dilma, num assomo de independência do qual poderá vir a se arrepender, afastou a corrente majoritária do PT do círculo mais íntimo do poder. Assim, o partido que a elegeu e reelegeu nem sempre sabe exatamente como se posicionar no confronto situação-oposição. Prova disso é que são os próprios petistas no Congresso que ameaçam tornar inócuas as medidas de ajuste fiscal propostas pela equipe econômica do governo.

Mas o PT, queira ou não, é o partido de Dilma, e a única possibilidade que tem à vista, para não encerrar em 2018 ou mesmo antes seu desfrute das benesses do poder, é apostar na capacidade de Lula manter levantada sua bandeira. O próprio Lula sabe que as contradições do relacionamento da presidente com o PT são muito difíceis de serem sanadas e que isso só pode prejudicar, mesmo na perspectiva de quatro anos, a possibilidade de o governo corrigir os muitos erros políticos e administrativos até agora cometidos. Portanto, o ex-presidente, cujo projeto de poder sempre foi a razão maior de sua bem-sucedida trajetória populista, sabe que o futuro do PT continua em suas mãos. Por essa razão, é desde já candidato autodeclarado a presidente em 2018.

Já o PMDB, apesar de formalmente aliado do governo, no qual tem o vice-presidente da República e cinco ministros, está numa posição política muito mais confortável. Depois de perder feio as duas primeiras eleições presidenciais após a redemocratização do País, em 1989, com Ulysses Guimarães, e em 1994, com Orestes Quércia, o PMDB chegou à conclusão de que era mais conveniente investir o peso de sua forte base parlamentar no compartilhamento do poder, como aliado.

Na primeira tentativa, em 2002, não se deu bem, tendo Rita Camata como vice de José Serra. Mas desde 2006, quando apoiou oficialmente a reeleição de Lula, o PMDB está no poder. E não terá o menor constrangimento de continuar assim enquanto não dispuser de um candidato competitivo para disputar a Presidência. Até porque continua dominando o Parlamento, onde tem os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha. E esse domínio é mais amplo do que nunca, uma vez que a presidente Dilma Rousseff, ao tentar evitar a eleição de seu desafeto Eduardo Cunha, acabou provocando o alijamento do PT da Mesa da Câmara e das principais comissões da Casa.

Mas não custa nada ao PMDB lançar um balão de ensaio para 2018. E faz sentido que o nome escolhido venha do Estado de origem do presidente da Câmara dos Deputados, onde o partido tem o governador e o prefeito da capital. Foi o que levou Pezão a lançar o nome de Paes. Dadas as razões dos dois partidos - PT e PMDB - e o lançamento, a que título for, dos dois candidatos, resta saber se o mandato de fato de Dilma Rousseff não terminou pouco depois de ter começado. Pois ela não parece ter competência política para corrigir os imensos erros de seu primeiro mandato e, ao mesmo tempo, administrar as ambições que se soltam à sua volta.

Cardozo fragiliza discurso sobre corrupção – Editorial / O Globo

• Confirmadas conversas do ministro com advogados, terá havido uma ingerência no Judiciário e no MP, bem como um ato em sentido oposto ao que diz o Planalto

Ministro da Justiça, como qualquer autoridade, pode receber quem quiser. Mas convém se cercar de cuidados para não semear especulações ácidas. Como registrar os encontros na agenda. José Eduardo Cardozo manteve conversas recentes com advogados de empreiteiras, não teve esta precaução, os contatos foram revelados pelo GLOBO e pela “Veja” e, assim, ministro e Planalto tiveram um carnaval de dissabores.

Já no sábado à noite, o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa pediu, em mensagem pelo Twitter, a demissão de Cardozo. Barbosa, que também presidiu o STF, considera inconcebível que o ministro tenha aceitado abordar pelo viés político questões jurídicas em torno da Operação Lava-Jato. Criticou os advogados e Cardozo.

Na terça-feira, as atenções se concentrariam apenas nos comentários sobre o desfile de segunda das escolas de samba cariocas, se Barbosa não voltasse a investir contra Cardozo.

Ora, como não tem ascendência sobre o Poder Judiciário e o Ministério Público, independentes, o ministro deve interessar a advogados de empreiteiras por ser formalmente o superior hierárquico da Polícia Federal. Afora isso, Cardozo dialoga com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a quem cabe pedir investigações sobre aqueles com a prerrogativa de foro privilegiado e encaminhar denúncias a este foro, além de ser ouvido no Pleno da mais alta Corte do país.

No reino da pura especulação, pode-se imaginar que haja advogado esperançoso de que o pedigree petista do ministro ajude as empresas pelo fato de a maioria do STF ser composta de nomeados nos três governos do PT.

A movimentação das empreiteiras do petrolão tem sido intensa em Brasília. O objetivo imediato é conseguir libertar 11 presos, entre executivos e acionistas, por meio de habeas corpus. Até agora, seus advogados não têm sido felizes.

Mas, segundo a “Folha de S.Paulo”, Cardozo teria aconselhado a eles tranquilidade, pois o STF acabará soltando todos. Já a Sérgio Renault, defensor da empreiteira UTC, relata “Veja”, o ministro teria previsto que tudo mudará tão logo surja a lista de políticos beneficiados pelo petrolão com nomes da oposição.

Isso misturará as cartas no jogo e facilitará um acordão no Congresso para que ninguém seja punido. O ministro, então, teria aconselhado que Ricardo Pessoa, preso, dono da UTC, considerado o responsável pelo cartel de empreiteiras, não assine acordo de delação premiada — este seria o grande temor de governo e PT. Se tudo for confirmado, terá sido uma grave e indevida interferência do Executivo na esfera do Judiciário e do MP.

Além disso, representaria uma ação em sentido oposto ao discurso oficial em defesa da investigação e punição de corruptos, custe o que custar.

Vinicius Torres Freire - O Ano-Novo de Dilma Rousseff

• Presidente perdeu poder em economia e política, mas pode mudar o clima com plano de reformas

- Folha de S. Paulo

Diz o dito popular meio disparatado que o ano brasileiro começa no fim do Carnaval. Pelo sim ou pelo não, pois a maioria de nós já vinha trabalhando tanto quanto sempre, não custa dizer: Feliz Ano-Novo, presidente Dilma Rousseff.

O desastre das três primeiras quinzenas do novo governo ficou no Ano Velho do calendário brasileiro carnavalizado. Mesmo que a presidente tenha perdido poder, ainda é possível mudar o enredo do resto do mandato. Para tanto, Dilma Rousseff poderia liderar um programa de reformas, sem aspas, não necessariamente aquelas que estão na algibeira de tanto economista.

A presidente perdeu poder sobre a economia. Rendeu-se ao desmanche da ruinosa política econômica de Dilma 1, nomeando Joaquim Levy para a Fazenda. Recessão, inflação e a pindaíba do governo privam a presidente de instrumentos de bulir com a economia. Enfim, Dilma não pode mudar de ideia tão cedo, mandando Levy para casa, a não ser que tolere o tumulto subsequente, perto do qual a balbúrdia pré-carnavalesca de Dilma 2 pareceria um bloquinho de sujos.

A presidente perdeu o poder sobre a política. Perdeu a maioria no Congresso e prestígio popular. Mesmo movimentos sociais governistas e o PT fazem beiço para Dilma.

A presidente, no entanto, pode recuperar prestígio nas ruas, colocar certa ordem na casa política e até estimular alguma animação no bloco da economia. Pode mudar o assunto e o tom da conversa do país, tocando reformas de verdade. Dilma 2, ela mesma, prometeu um plano contra a burocracia que arruína a eficiência econômica, por exemplo.

Qualquer associação empresarial tem um plano assim. Não faltam no país bons administradores, advogados e economistas para consolidá-los. Junte uma comissão de servidores capacitados e, em três meses, leve-se a coisa ao Congresso, embora tanta burocracia possa ser removida a canetadas.

Seja lá o que se pense deste Congresso, parlamentos raramente são refratários a pressões sociais persistentes e organizadas. Não ficariam imunes a um movimento combinado de empresários, dos menores aos maiores, e governo. A presidente teria "apoio no Congresso", por outras vias, sem necessidade de escambos muito degradantes. É possível imaginar outras reformas "pop" e úteis, que não causem muito conflito sociopolítico. Mesmo dar uma arrumada no enrolado ICMS é possível, caso a presidente se digne a liderar negociações (sim, o pressuposto é precário: "liderar" e ainda "negociar").

O ministro do Planejamento, Nelson Barbosa, falou em tocar um programa de concessões : vender a empresas privadas o direito de fazer/explorar estradas, portos, aeroportos etc. Aparecer logo com um plano realista, sem esquerdismos juvenis e amadores, faria efeito, mesmo que as condições de implementá-lo apareçam apenas mais adiante. Mas tem de ser grande, sério e rápido.

Limpar logo a Petrobras seria outro modo de recuperar influência. Dar atenção às destroçadas agências reguladoras também. Nada disso custa, a não ser a renúncia a convicções caducas e a dedicação a fazer política de verdade, agregando aliados na sociedade e, assim, no Congresso, negociando e até fazendo concessões, de sentido e interesse maiores.

Fica a dica.

Celso Ming - Queda de braço

• O máximo que o governo da Grécia deverá conseguir é um prolongamento do prazo para demonstrar como cumprirá com o que o país se comprometeu

Vence amanhã o prazo dado à Grécia, em ultimato pela área do euro, para que diga se aceita ou não os termos do programa de ajuste adiantado a títulos de empréstimo ponte, num total de 240 bilhões de euros.

O compromisso do governo anterior da Grécia foi de levar a cabo um plano que não envolve apenas duras medidas de austeridade e de arrocho salarial, mas, também, de reformas e de privatizações.

Com base no seu capital de votos, equivalente a 36,3% do eleitorado, o novo governo do primeiro ministro Alexis Tsipras, que tomou posse em 26 de janeiro, avisou que não quer prorrogar esse programa e não cumprirá a agenda de privatizações.

Na última segunda-feira, a reunião entre o ministro das Finanças da Grécia, Yanis Varoufakis, e os ministros das Finanças da área do euro durou apenas 30 minutos e aparentemente não avançou.

Varoufakis é um especialista em teoria dos jogos. Assim, a intransigência colocada à mesa parece parte desse jogo já esperado. O ministro das Finanças da Alemanha, o durão Wolfgang Schäuble, saiu dizendo que Varoufakis estava jogando pôquer. Mas não disse só isso. Disse, também, que nem ao menos ficou claro o que quer a Grécia.

No entanto, com base no festival de nãos em curso, o Banco Central Europeu avisara há uma semana que não aceita mais títulos da dívida da Grécia como garantia (colateral) que qualquer banco da área pode pleitear. Ou seja, também jogou duro: se o programa não for revalidado, esses títulos não passarão credibilidade, porque o calote seria inevitável.

A radicalização de posições é tal que alguns analistas começam a achar que o governo da Grécia está apenas à procura das expressões adequadas para se enquadrar sem decepcionar os eleitores. Varoufakis chegou a admitir que está à procura de uma “saída honrosa”.

Ficou a impressão de que o governo da Grécia agora não quer ser acusado de estelionato eleitoral: de ter vencido as eleições defendendo uma postura heroica diante dos credores e acabando por capitular diante das mesmas imposições aceitas pelo governo anterior.

O problema imediato é que o capital não tem muita paciência nem com questões de semântica nem com espetáculos de teatro – aliás, uma invenção dos gregos. A corrida aos bancos da Grécia já começou porque cada vez mais correntistas estão apostando em que não haverá outro caminho senão o calote e, junto com ele, a saída do país da área do euro. Se isso acontecer, a Grécia terá de adotar uma nova moeda, sabe-se lá com que valor em relação ao euro e, portanto, com que derrubada da riqueza nacional.

De todo modo, parecem improváveis desfechos apocalípticos. Tanto os gregos como os credores vêm fazendo um teatro de beira do abismo, jogando com pânico financeiro, tragédia na área do euro e criação de um buraco negro na Grécia. Mas, como das outras vezes, algum acordo haverá de sair.

Como das outras vezes, cede o lado mais fraco ou o que teria mais a perder com o desastre. O máximo que o governo da Grécia deverá conseguir é um prolongamento do prazo para demonstrar como cumprirá com o que o país se comprometeu.