Dois anos de queda do PIB
• Levy admite que economia encolheu em 2014, e mercado prevê recuo também em 2015
Isabel De Luca, Geralda Doca – O Globo
NOVA YORK e BRASÍLIA - O Brasil pode ter dois anos consecutivos de retração econômica. No mesmo dia em que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, admitiu pela primeira vez que a economia em 2014 pode ter encolhido, os analistas do mercado financeiro projetaram, também de forma inédita, uma queda do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país) em 2015.
O resultado da economia no ano passado só será divulgado pelo IBGE no fim de março. Mas a afirmação de Levy contraria o que vinha sendo defendido pelo governo até agora. Já o boletim Focus, apurado em pesquisa semanal do Banco Central (BC) com as principais instituições financeiras no Brasil, apontou retração de 0,42% em 2015 - algumas previsões sugerem encolhimento de até 1,2%. Na semana passada, as perspectivas para este ano eram de estagnação. Na avaliação dos economistas, uma combinação de fatores negativos vai prejudicar a economia, como inflação alta, pressão no câmbio e arrocho na política monetária.
Em sua primeira viagem aos Estados Unidos como ministro da Fazenda, Levy disse ontem, em palestra a investidores em Nova York, que o Brasil não precisa de "cortes draconianos" para promover o ajuste fiscal necessário ao início de "um novo ciclo de crescimento" e admitiu que a economia do país pode ter encolhido em 2014.
- Estamos num ritmo mais fraco mais recentemente, nós todos lamentamos que o crescimento tenha desacelerado, e talvez no ano passado tenha ficado mesmo negativo, porque alguns grandes investimentos declinaram. Mas acho válido mencionar que continuamos a ter pequenos e médios projetos. Muitas empresas de todo o mundo continuam a abrir fábricas no Brasil, e nós temos que garantir que esses fluxos continuem, porque, em última instância, é o que oferece a diversificação da base econômica. É um processo saudável, liderado pelo setor privado, por empresas, investidores.
Segundo o documento da apresentação do ministro em Nova York, os dados revelados têm como base uma alta do PIB em 2015 de 0,8%, em linha com a mensagem da presidente Dilma Rousseff ao Congresso no início deste mês, quando ela afirmou que não promoverá "recessão e retrocessos".
"Cenário delicado" em 2015, diz analista
O mercado, no entanto, confirmou na pesquisa Focus que 2015 deve ser um ano difícil. Para o economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, a previsão de queda na economia de 0,42% apontada na levantamento do BC é simbólica - mas esperada, diante do processo de deterioração observado nas últimas semanas. Segundo ele, as projeções devem piorar, indicando um tombo ainda maior na economia. A consultoria prevê retração de 1,2% no PIB este ano.
- O cenário é muito delicado, e o resultado disso é a queda no PIB - disse o economista.
Rodrigo Miyamoto, analista de macroeconomia do Itaú Unibanco, ressaltou que a confiança de empresários e consumidores nunca esteve em patamares tão baixos. Ele não acredita que essa situação vá mudar nos próximos meses. O Itaú Unibanco prevê recuo de 0,5% no PIB este ano.
De acordo com os economistas ouvidos pelo BC, as medidas de ajuste fiscal anunciadas pela equipe econômica devem prejudicar o crescimento, mas são necessárias para preparar o terreno para 2016. As projeções do Focus para o PIB do ano que vem permaneceram em 1,5%.
Durante a palestra, que reuniu 185 pessoas e durou pouco mais de uma hora, Levy reforçou o compromisso com a meta de superávit primário (economia para pagamento dos juros da dívida) de 1,2% do PIB:
- Se voltarmos, em muitos casos, ao nível de gastos de 2013, podemos entrar no caminho para atingir a meta de 1,2% sem muito problema, só temos que voltar o relógio um pouco, não precisamos fazer cortes draconianos ou algo do gênero.
O ministro garantiu que não está "inventando novos impostos" e explicou que "o plano para os próximos meses é simplificar alguns e renovar outros". Afirmou, porém, que o governo vai tomar novas medidas para atingir a meta fiscal.
- Estamos trabalhando para conseguir (atingir a meta) nos próximos dez meses. Esse é o compromisso da presidente e nossa responsabilidade no Planejamento e na Fazenda. Já adotamos medidas, vamos adotar outras.
Já a projeção do Focus para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação oficial, subiu pela sétima vez consecutiva, a 7,27%, contra 7,15% na semana anterior - ou seja, estourando o teto da meta, de 6,5%.
Em relação à Petrobras - tema que junto com câmbio foi a principal curiosidade dos investidores quando o ministro abriu para (poucas) perguntas da plateia -, Levy ressaltou que a empresa vem aumentando a produção de petróleo desde 2012 e que o pré-sal "é uma realidade". Em referência aos escândalos, afirmou que a estatal está focada em virar a página e que acredita que isso será feito "nos próximos meses".
- Estamos de volta a dois milhões de barris por dia. O pré-sal é uma realidade e é muito mais produtivo do que o imaginado. Isso é importante num mercado em que os preços caíram drasticamente. E mostra que, ao menos no lado da produção, a empresa encontrou o seu caminho.
O ministro ainda defendeu a estatal das críticas geradas pelo atraso de cerca de dois meses na divulgação do balanço do terceiro trimestre de 2014, que acabou publicado sem o aval da auditora da empresa, a PwC.
- Os números estão ali, o mercado pode avaliar se o dinheiro foi mal gasto ou bem gasto, mas a Petrobras sempre divulgou todos os seus gastos, não há real surpresa para o mercado. Tudo foi liberado para analistas do mundo todo, tudo era público. Não há surpresa, nunca o mercado foi deixado sem saber o que estava acontecendo na companhia - argumentou.
Crise energética
Já a crise no setor de energia foi atribuída por Levy ao aumento do consumo, e a solução, segundo ele, passa pela busca de energias alternativas.
- A demanda (por eletricidade) cresceu, especialmente a residencial e a do terceiro setor. O consumo de energia por domicílio este ano será 23% maior do que há cinco anos. Então, o consumo cresceu quase 25% em apenas cinco anos, enquanto na maioria dos países, diminuiu. Com algum esforço e alguma economia, podemos estabilizar esse consumo.
O ministro terminou o pronunciamento em tom otimista, citando as Olimpíadas como instrumento que ajudará a melhorar o astral do país em 2016.
- Sei que 2015 será um ano de desafios, mas podemos chegar à meta e temos que trabalhar para que 2016 seja um ano de crescimento, de otimismo. Será um ano importante para o Brasil, vamos sediar as Olimpíadas. A preparação está indo bem, há muito comprometimento dos governos federal e local. Será um bom clima depois de passarmos pelos ajustes que precisamos fazer agora e estabelecer fundações para um novo ciclo de crescimento.
Após o encontro, Levy se reuniu a portas fechadas com representantes da agência e classificação de risco Moody"s, que no fim do ano passado revisou a perspectiva do Rating (a nota) do país para negativa, e saiu sem falar com a imprensa. Entre os investidores presentes, as impressões foram variadas.
- Achei ridículo. Ele mudou de tom desde que assumiu, agora está repetindo o discurso da Dilma - reclamou um investidor brasileiro radicado em Nova York que preferiu o anonimato.
- Achei interessante. Realista. Não teve nenhuma novidade, mas foi bom ouvir da boca dele, e não por terceiros ou por jornais - concluiu um advogado americano, com vários clientes brasileiros na carteira.
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