Moro denuncia 'interferência'
• Juiz da Lava-Jato diz que é "intolerável" advogados de empreiteiras se reunirem com Ministro da Justiça
Cleide Carvalho e Renato Onofre – O Globo
SÃO PAULO - Em despacho divulgado ontem, o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal em Curitiba, classificou de "intolerável" o fato de advogados das empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato terem se reunido com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em Brasília. O magistrado considerou a postura uma tentativa de "obter interferência política" no processo judicial. No mesmo despacho, ele negou o pedido de habeas corpus para quatro executivos das empreiteiras - três da Camargo Corrêa e um da UTC - presos desde novembro.
Segundo Moro, a decisão de mantê-los na cadeia é para "preservar a integridade da Justiça contra a interferência do poder econômico".
No despacho, o juiz foi duro ao criticar a postura dos advogados: "Intolerável, porém, que emissários dos dirigentes presos e das empreiteiras pretendam discutir o processo judicial e as decisões judiciais com autoridades políticas, em total desvirtuamento do devido processo legal e com risco à integridade da Justiça e à aplicação da lei penal".
"Investigação não cabe ao ministro"
O magistrado ressaltou que a investigação não cabe ao ministro da Justiça, mas, sim, à Polícia Federal, mesmo que a PF seja subordinada à pasta: "Não socorre os acusados e as empreiteiras o fato de a autoridade política em questão ser o ministro da Justiça. Apesar de a Polícia Federal, órgão responsável pela investigação, estar vinculada ao ministério, o ministro da Justiça não é o responsável pelas ações de investigações".
"Trata-se, a ver deste juízo, de uma indevida, embora malsucedida, tentativa dos acusados e das empreiteiras de obter uma interferência política em seu favor no processo judicial", escreveu Moro.
O juiz, no entanto, procurou dirigir suas baterias aos advogados e evitou criticar o ministro: "Não censuro, porém, a autoridade política em questão, nem seria apropriado que o fizesse, já que não sujeita a minha jurisdição", disse o juiz.
Mesmo assim, Moro endossou as críticas de Joaquim Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), à atitude de Cardozo. "O eminente ministro Joaquim Barbosa bem definiu a questão em comentário também divulgado na imprensa: "Se você é advogado num processo criminal e entende que a polícia cometeu excessos/deslizes, você recorre ao juiz. Nunca a políticos"", escreveu Moro. No sábado, pelo Twitter, Barbosa chegou a defender a demissão de Cardozo.
Na semana passada, encontros de representantes de três empreiteiras com Cardozo vieram à tona. Em 5 de fevereiro, o ministro se reuniu, em seu gabinete, com três advogados da Odebrecht em um encontro oficial. Ele ainda teria se encontrado informalmente com defensores de UTC e Camargo Corrêa.
Cardozo contesta juiz
Ontem à noite, em nota, Cardozo rebateu as críticas de Moro e afirmou que, em nenhum momento, tratou com advogados sobre decisões da Justiça relacionadas às investigações da Lava-Jato. "Em nenhum momento (o ministro) recebeu qualquer solicitação de advogados de investigados na Lava-Jato para que atuasse no sentido de criar qualquer obstáculo ao curso das investigações ou para atuar em seu favor em relação a medidas judiciais decididas pelos órgãos jurisdicionais competentes. Caso tivesse recebido qualquer solicitação a respeito, em face da sua imoralidade e manifesta ilegalidade, teria tomado de pronto as medidas apropriadas para punição de tais condutas indevidas", diz o texto.
Cardozo diz ainda que "é dever do ministro da Justiça e de quaisquer servidores públicos receber advogados no regular exercício da profissão conforme determina o Estatuto da Advocacia".
Ontem, Moro negou liberdade a Ricardo Pessoa, presidente da UTC, acusado de ser o coordenador do "clube das empreiteiras", e outros três acusados: Eduardo Hermelino Leite, Dalton Avancini e João Auler, todos da Camargo Corrêa. No despacho, o juiz reafirmou a existência de "prática sistemática de crimes de cartel, de fraude à licitação, de corrupção e de lavagem de dinheiro" por parte das empreiteiras e lembrou que, a cada grande contrato da Petrobras, eram pagas propinas a diretores e empregados da estatal, políticos e partidos, corrompendo o regime democrático. "Não se trata de um ou dois parlamentares, mas de mais de uma dezena", disse.
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