quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Opinião do dia: Luiz Werneck Vianna

IHU On-Line – Nos resta aguardar, então?

Luiz Werneck Vianna – Aguardar com calma e com esperança. Sem esperança você não é capaz de agir de forma a despertar confiança no outro, e confiança é essencial. Sem confiança você não atravessa uma rua. Sinais vão parar. Um deles talvez não contenha um motorista desastrado que invada o sinal e atropele as pessoas. Mas com isso, ninguém atravessaria a rua. Espero que não. Confiança é tudo. Sem confiança não vou ao médico, não posso tomar um remédio. Está faltando isto: estimular a confiança, e o que estimula a confiança é a esperança. A esperança é um tema de fundo, que sempre bate na nossa história de maneira forte. Nós não desistimos do Brasil, não desistimos de um grande destino para o nosso país. Mas temos que ir tentando. Tem que ter calma e ter esperança e agir na boa direção. Os candidatos estão aí e quem ganhar, leva. Que Deus o tenha. E quem ganhar vai governar e todos estão interessados em cumprir o mandato. Que olhem o entorno.

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Luiz Werneck Vianna, sociólogo, PUC-Rio. Entrevista: ‘Depois do “teatro de sombras”, Brasil precisará se reinventar e sair do caminho da prancheta.’, Blog Democracia Política e novo Reformismo, 23/10/2018.

* Zander Navarro: Sinais, fortes sinais!

- O Estado de S.Paulo

O eleitorado parece ter acordado de um torpor de cinco séculos, os políticos se acautelem

Peço licença ao candidato Eymael para utilizar o seu bordão no título acima. Ele, Cabo Daciolo e Vera Lúcia, do PSTU, formaram o time simpático do pleito. Certamente porque foram minúsculos os seus tempos de exposição. Foi impossível não sorrir ao vê-los na propaganda, pois representaram a face sonhadora da disputa. Pareciam sinceros, talvez porque sem terem a chance de maiores explicações. Quem não se divertiu ao ouvir Vera Lúcia afirmar que iria estatizar as cem maiores empresas do País? Somos gratos ao trio, eles suavizaram com suas utopias a hipocrisia de quase todo o processo eleitoral, banhado em promessas absurdas, bravatas e inúmeras falsidades, à direita e à esquerda.

Uma eleição extraordinária, quase espetacular, um definitivo divisor de águas em nossa História. E sua marca principal é alvissareira, pois introduz, finalmente, os sinais de algum amadurecimento político dos eleitores. Esse otimismo tem explicação concreta e não se relaciona diretamente às escolhas realizadas, mas aos movimentos ocorridos.

Nos anos deste século, um silencioso processo vem mudando a amplitude das informações disponíveis e, assim, a capacidade dos eleitores de escaparem das armadilhas e da manipulação dos partidos. É o espantoso fenômeno das “redes sociais”, a grande mudança nos vetores da interação e da ação social, incluindo as preferências dos cidadãos. Some-se o fato à crescente escolarização e estaria dada a receita que explica, ao menos em parte, a essência da disputa eleitoral.

A eleição parece ter sepultado o papel da propaganda obrigatória na televisão. Esta teria tido reduzida influência nos resultados e não condicionou a decisão na boca da urna. Tudo se passou nas redes sociais, na grande conversa mantida entre os eleitores, em seus diferentes e amplíssimos espaços de convivência virtual. E em tempo real, permitindo decisões rapidíssimas. São espaços ainda animados por invencionices, é verdade, contudo a educação política, gradualmente, vai aperfeiçoar esses ambientes de diálogos sociais e, com o tempo, a capacidade de difundir mentiras acabará por diminuir drasticamente.

Vera Magalhães: Pobre paulista

- O Estado de S.Paulo

Uma campanha eleitoral cujo nível já era o mais baixo da redemocratização chegou ao fundo do poço nesta terça-feira, 23, com um capítulo deplorável da disputa pelo governo de São Paulo.

João Doria Jr. teve de gravar um depoimento ao lado da mulher, Bia Doria, em que nega ser o homem que aparece em um vídeo de sexo grupal que circulou freneticamente pelo WhatsApp, viralizou nas redes sociais e foi objeto de comentários até de um vereador cujo mandato já foi cassado pela Justiça Eleitoral, do PSB do governador Márcio França.
O tema foi parar no debate entre os candidatos no SBT e pode se transformar em ação judicial.

Até terça-feira, parecia que ser relegada a um apêndice e uma caricatura da disputa nacional entre petismo e antipetismo era o que de mais deprimente podia acontecer na eleição para o governo do Estado mais rico e populoso da Federação. Mas os políticos trataram de cavar um pouco mais o túnel que os leva para o inferno – como se o recado das urnas já não fosse suficientemente eloquente de que o eleitorado está enojado das velhas práticas.

A política paulista já foi marcada no passado por confrontos acirrados, como os realizados entre Mário Covas e Paulo Maluf, mas nunca de natureza tão vil. A possibilidade de que se tenha recorrido a uma montagem para comprometer Doria tornaria o que já é um expediente injustificável num crime ainda mais grave.

Os dois postulantes ao Palácio dos Bandeirantes não discutiram a sério até agora as principais demandas do Estado. Num momento em que o eixo de poder no Brasil é deslocado, São Paulo abdica de protagonismo político ao deixar que o debate eleitoral paulista transite entre o papo de boteco e o de bordel.

Nem Doria, que deixou a Prefeitura depois de 15 meses de mandato, nem França, que desde que assumiu o lugar de Geraldo Alckmin se empenha única e exclusivamente em se reeleger, demonstram ter um projeto de desenvolvimento para São Paulo.

Até aqui vinham se dedicando a uma briga entre quem é de esquerda e de direita. Com o vídeo, aliados de França resolveram apelar ao tudo ou nada contra o tucano. O uso de baixaria, em política, pode ter efeito contrário ao pretendido. Basta lembrar do slogan “é casado, tem filhos?” que a campanha do PT lançou contra Gilberto Kassab em 2008 e que ajudou a reeleger o então prefeito.

Fábio Alves: O 1º grande teste de Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

O maior risco é Bolsonaro jogar o MDB e Centrão nos braços da oposição

Para o mercado financeiro, com impacto nos preços da Bolsa e do dólar, o primeiro grande teste de um eventual governo Jair Bolsonaro, caso as pesquisas de intenção de voto confirmem a vitória do candidato do PSL no segundo turno da eleição presidencial, será a escolha dos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. A eleição para a presidência das duas Casas ocorre em 1.º de fevereiro de 2019 e os investidores estão monitorando atentamente as movimentações e negociações em torno da escolha dos candidatos para as posições mais cobiçadas no Congresso.

Há muito tempo que a eleição dos presidentes da Câmara e do Senado não assumia uma importância tão grande como a do ano que vem, pois, ao longo do processo até o pleito, o otimismo do mercado sobre o sucesso em relação ao eventual governo Bolsonaro poderá se consolidar ou se erodir.

Na visão dos investidores, quem Bolsonaro escolher apoiar para presidentes da Câmara e do Senado será um termômetro importante para medir se a sua eventual gestão será pautada por uma habilidade política que ainda o mercado não lhe confere.

Mais ainda: se ele poderá repetir um padrão da ex-presidente Dilma Rousseff, cuja falta de flexibilidade e habilidade política não permitiu tornar fiel uma ampla base de apoio e transformar essa coalizão em votos necessários para aprovação de reformas ou de medidas econômicas urgentes.

Monica De Bolle: O que os perdedores revelam

- O Estado de S.Paulo

Os eleitores estão dispostos a votar naquilo que não mais representa o consenso liberal social-democrata

Como parte de um ambicioso projeto de pesquisa com colegas do Peterson Institute for International Economics, tenho lido os programas de governo dos principais partidos políticos dos países que compõem o G-20 antes e depois da crise de 2008. Nosso interesse é identificar nas propostas partidárias indícios de políticas e diretrizes com maior conteúdo nacionalista no âmbito da economia, sobretudo no período pós-crise. A análise dessas plataformas acabou revelando mais do que pretendíamos em alguns casos.

As duas maiores economias latino-americanas, Brasil e México, já tiveram ou estão tendo eleições gerais este ano, assim como no período que antecedeu a crise de 2008: esses mesmos países elegeram novos presidentes, congressistas e governadores em 2006. Curioso é que, em 2006, dois candidatos que concorreram à presidência no Brasil e no México também concorreram em 2018. São eles Geraldo Alckmin do PSDB e Andrés Manuel López Obrador (conhecido como AMLO) no México. Como sabemos, AMLO obteve expressiva vitória nas urnas, derrotando o candidato do PRI, partido de centro-direita ao qual pertence o atual presidente. Em 2006, AMLO foi derrotado por Felipe Calderón do também centro-direitista PAN por margem estreitíssima, de manos de 1% dos votos totais.

As plataformas de AMLO em 2006 pelo PRD – partido de centro-esquerda do qual saiu em 2012 para lançar seu atual partido, o MORENA – e de AMLO em 2018 não foram muito distintas: o componente nacionalista está presente nas propostas de uma política industrial com forte presença do Estado, nas políticas comerciais que priorizam a promoção das exportações e a proteção de setores considerados importantes para a criação de empregos, e uma forte crítica às políticas neoliberais que “buscaram a estabilidade dos preços” em detrimento do crescimento e do desenvolvimento.

Merval Pereira: Susto benéfico

- O Globo

A percepção de parte da sociedade de que seu filho não tirou da cabeça a ameaça de fechar o Supremo, mas retratou um pensamento do próprio Bolsonaro, deu ares de verdade à ideia

A manutenção de distância confortável do candidato Jair Bolsonaro a quatro dias da eleição presidencial mostra como os votos cristalizados dos dois concorrentes praticamente impedem uma reviravolta na reta final, a não ser que algo inacreditável aconteça. Em vez de uma bala de prata, o PT gastou várias, e nenhuma acertou o alvo.

Mas balançaram a antes inabalável situação de Bolsonaro: o número de pessoas que não votariam nele aumentou, superando os que votarão com certeza. E diminuiu a rejeição ao candidato petista. Embora a diferença esteja na margem de erro, é uma boa nova para Haddad, oferecida pelo próprio adversário e os seus, que continuam sendo os principais adversários deles mesmos.

O suposto escândalo das mensagens inverídicas de WhatsApp, baseado em uma denúncia jornalística inepta, acabou sendo soterrado pelo próprio candidato petista Fernando Haddad, que se precipitou em divulgar uma fake news de primeira grandeza: avalizar a denúncia de que o general Mourão foi um torturador.

A denúncia fake deveu-se ao cantor Geraldo Azevedo, que disse em público, irresponsavelmente, que o general Mourão, vice de Bolsonaro, fora um de seus torturadores em 1969. O fato de o general ter apenas 16 anos na ocasião desmontou a alegação, que depois foi corrigida pelo próprio cantor.

Elio Gaspari: ‘Não quero ter parte nisso’

- O Globo

Na noite de domingo o Brasil terá escolhido um novo presidente da República. O resultado virá da vontade dos eleitores e, seja qual for o voto que se tenha dado, cada um deles terá parte no que vier a acontecer. Milhões de pessoas que votaram em Dilma Rousseff ou em Aécio Neves tiveram motivos para se arrepender mas, como hoje, era um ou outro. O arrependimento acompanhou também os eleitores de Fernando Collor em 1989 e de Jânio Quadros em 1960. Nenhum deles elegeu-se sugerindo medidas que pudessem prenunciar uma ameaça às instituições democráticas.

O caso agora é outro. O deputado Eduardo Bolsonaro tratou de uma situação hipotética de conflito com o Supremo Tribunal Federal e disse que bastariam um cabo e um soldado para fechá-lo. Um general da reserva, eleito deputado federal pelo PSL depois de ocupar a Secretaria de Segurança de Natal, defendeu o impeachment e a prisão de ministros do Supremo: “Não tem negociação com quem se vendeu.” Antes dele, um general da reserva que disputaria sem sucesso um cargo eletivo disse que “Corte que muda de decisão para beneficiar criminoso não é Corte, é quadrilha”.

O general Hamilton Mourão, também da reserva e candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, elaborou sobre o mecanismo do “autogolpe”. Noutra digressão, mencionou as virtudes de uma Constituição redigida por sábios e ratificada num plebiscito. Jair Bolsonaro prometeu o fim do “ativismo” e anunciou que “os marginais vermelhos serão banidos da nossa pátria”. Como?

Essas foram afirmações de candidatos, feitas em diferentes contextos, às vezes partindo de situações hipotéticas. Não se deve esquecer que o deputado petista Wadih Damous, numa argumentação que nada teve a ver com a retórica bolsonarista, já sugeriu “fechar o Supremo Tribunal Federal” para criar uma Corte Constitucional. O doutor foi um dos marqueses da OAB.

Bernardo Mello Franco: A bancada da bala dá o primeiro tiro

- O Globo

Para se aproximar de Bolsonaro, o deputado Rodrigo Maia quer enfraquecer o Estatuto do Desarmamento. A medida pode elevar os homicídios no país

A bancada da bala não esperou o fim da campanha para dar o primeiro tiro. Ontem a tropa parlamentar selou um acordo com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Ele prometeu votar ainda neste ano um projeto que facilita a venda e a posse de armas no país.

Maia está em busca de apoio para continuar no cargo. Sua estratégia é agradar Jair Bolsonaro, favorito na corrida ao Planalto. O capitão tem uma ideia fixa: fuzilar o Estatuto do Desarmamento. Ele diz que a revogação da lei ajudaria a combater a violência.

“É um falso discurso”, contesta o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. Para o sociólogo, a ofensiva contra o Estatuto vai aumentar as mortes provocadas por armas de fogo. “É como jogar gasolina numa fogueira que já está muito alta”, alerta.

De acordo com o Atlas da Violência, 71% dos homicídios registrados no Brasil em 2016 foram causados por armas de fogo. Felipe Angeli, coordenador do Instituto Sou da Paz, sustenta que o debate sobre o assunto não deveria ser ideológico.

“Não se trata de ser de esquerda ou de direita. Há um consenso científico de que o aumento da circulação de armas eleva a taxa de homicídios”, afirma.

Míriam Leitão: Haddad em busca da identidade

- O Globo

Haddad se distancia de Lula e chega até a elogiar o sistema americano em que ex-presidentes se afastam da política

O candidato do PT, Fernando Haddad, chega nos dias finais da campanha mais Haddad e menos Lula. Na sabatina, ele elogiou o sistema americano em que o presidente ao fim do mandato sai da política para contribuir de outra forma. Essa não foi a escolha feita por Lula. Haddad fez gestos em direção aos adversários que não chegaram ao segundo turno, demonstrou segurança na sua linha de raciocínio que desenha um PT mais aberto na política. Na economia, contudo, ainda falta um longo caminho.

Haddad cometeu o erro de repetir a informação que recebera, sem fazer uma conta simples: em 1969, o general Hamilton Mourão era um adolescente, não podia, portanto, ser torturador. Para criticar Mourão, bastaria a Haddad lembrar a fala do próprio general, vice de Bolsonaro, que defendeu em entrevista à Globonews o coronel Brilhante Ustra, definido como seu herói, mesmo diante do fato de que 47 pessoas foram mortas dentro do DOI-Codi no período em que o coronel o comandava. “Heróis matam”, disse. Com essas palavras de Mourão, Haddad poderia ter defendido seu ponto de vista de que a chapa do seu oponente representa “o rebotalho da ditadura”, “os porões”. Usou adjetivos fortes para definir Jair Bolsonaro: “bárbaro”, “um bicho", “um tolo”, “uma pessoa vazia”, “soldadinho de araque”, “fascista”.

Na entrevista ao GLOBO, o candidato do PT disse que preparou pessoalmente a proposta da segurança. Ele propõe dobrar o efetivo da Polícia Federal, ampliar seu poder no combate ao crime, dar mais foco às polícias, liberar os estados de algumas funções e combater a violência usando dados:

— É a inteligência que vai vencer o crime. Tentar reduzir a violência armando as pessoas só vai aumentar as mortes.

Roberto DaMatta: O meio e a mensagem

- O Globo

O último recurso é acusar a internet. Mas como impedir sua presença quando ela mal nasceu e já envelheceu?

Eis um par perturbador que vai do fuxico a como agir sobre o mundo, e ao modo pelo qual somos obrigados a nos dirigir ao rei, a Deus e aos mortos.

De que modo seremos mais bem ouvidos? Mas será que somos ouvidos quando sabemos que o sofrimento jaz no silêncio das perguntas sem resposta?

Se eu escrever “mão” é uma coisa, mas escrever “não” é outra muito diferente. Um mero som muda o significado; haja trabalho para entender o elo entre som e sentido. O pensamento é falado para dentro e só pode surgir por meio de algum meio. Falar, memorizar, escrever, gravar, arquivar e divulgar revelam e transformam o mundo que, por sua vez, retorna modificando tudo novamente.

A invenção da imprensa é um bom exemplo. Sabemos que ela produziu um imenso conhecimento e, dando a muitos aquilo que era de poucos, foi acusada de abuso. Como publicar protestos contra a religião dominante? Como satirizar a realeza e protestar contra o poder? Como contrariar a autoestima afirmando que não somos o centro do universo? Como estudar costumes primitivos? Ou escrever sobre os mais secretos desejos humanos? E, pior que tudo isso, como especular sobre a possibilidade de que nada — salvo a orgulhosa coragem humana —faz sentido?

Maria Herminia Tavares de Almeida: Na encruzilhada

- Folha de S. Paulo

Não se pode subestimar a erosão da democracia que um governo pode promover

Cientistas políticos chamam de "encruzilhadas críticas" as situações nas quais, em contexto de incerteza, a decisão de protagonistas relevantes define um caminho sem volta, em prejuízo de outros possíveis: uma vez tomado, o caminho limita, por um bom tempo, os passos possíveis dali em diante. Estamos em um desses momentos, e os protagonistas que farão essa escolha crucial são os milhões de eleitores brasileiros.

Por isso, é apropriado especular sobre o rumo que o país poderá tomar, caso se confirme o resultado que as pesquisas de opinião indicam. Ao fazê-lo, porém, toda cautela é pouca: analistas da sociedade e do comportamento humano são treinados para explicar o passado e não dispõem de instrumentos afiados para falar do futuro com segurança.

Colegas cuja integridade pessoal e competência profissional merecem respeito sustentam que a democracia não corre risco, mesmo que vença o candidato de extrema direita. Argumentam que não basta olhar para o discurso e o compromisso dos candidatos com os princípios democráticos; é preciso também levar em conta os antídotos institucionais contra possíveis tendências autoritárias.

Nessa ordem de ideias, supor que a eleição de políticos indiferentes ou avessos aos valores democráticos colocaria em xeque o regime de liberdades equivaleria a ignorar os freios que as instituições são capazes de impor à conduta dos políticos.

Hélio Schwartsman: O paradoxo da tolerância

- Folha de S. Paulo

Quando um discurso intolerante se torna uma ameaça à democracia?

Devemos ser tolerantes com os intolerantes? Foi o filósofo austríaco Karl Popper quem primeiro formulou o paradoxo:

“Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto com eles”.

Sim, Popper escreveu isso, mas convém contextualizar melhor a citação. Essas observações constam de uma nota de rodapé de “A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, um livro que enaltece a liberdade de expressão e a tolerância. Mais, a frase seguinte, raramente reproduzida, reza: “Com essa formulação, eu não insinuo, por exemplo, que devemos sempre suprimir o enunciado de filosofias intolerantes; contanto que possamos combatê-las por meio de argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública, a supressão seria certamente insensata”.

Bruno Boghossian: Sabotagem petista

- Folha de S. Paulo

Não bastasse o cenário adverso, petistas prejudicam a própria estratégia

Não bastasse o cenário já adverso, Fernando Haddad e sua campanha deram munição ao campo adversário na reta final do segundo turno. Atropelados por Jair Bolsonaro (PSL), os petistas entraram pela porta errada no embate decisivo da eleição e conseguiram sabotar suas próprias estratégias.

Em sabatina no jornal O Globo nesta terça (20), Haddad fez uma acusação infundada contra o vice de Bolsonaro. O candidato do PT disse que o general da reserva Hamilton Mourão havia sido “ele próprio torturador” na ditadura militar. E acrescentou: “Deveria estar em todas as primeiras páginas amanhã”.

Haddad reproduziu uma informação falsa —e de forma imprudente. O petista se baseou numa afirmação do cantor Geraldo Azevedo, que de fato foi barbaramente torturado, mas não por Mourão. O artista se retratou e pediu desculpas, embora tenha mantido suas críticas à candidatura de Bolsonaro.

A campanha petista aposta suas fichas no discurso de que o deputado do PSL se beneficiou de uma máquina de distribuição de mentiras —o que é verdade, em boa medida. O episódio prejudica essa tática.

Vinicius Torres Freire: Um presidente sem gracinhas em 2019

- Folha de S. Paulo

Emprego não melhora quase nada e economia se arrasta em ritmo pouco maior que 1% ao ano

Houve por aí uma animação artificial com a criação de emprego em setembro. Mas não aconteceu quase nada. Por toda parte, não acontece quase nada.

Se o próximo presidente vier com mirabolâncias, em vez de seguir o manual básico de primeiros socorros para a economia, não vai acontecer quase nada de novo em 2019. Dada a estupidez recorrente nos últimos 40 anos, pode ser ainda pior.

O Brasil cresce algo entre 1% e 1,5% ao ano, desde 2017. Ainda está perto do fundo do buraco da grande recessão. Não se trata de um país que cresce pouco depois de recuperar o terreno perdido. É uma economia que se arrasta no atoleiro.

Em setembro, o emprego formal crescia 1,2% ao ano. Nesse ritmo, vamos levar mais seis anos apenas para voltarmos ao nível de emprego de 2014. O número de trabalhadores com carteira assinada ainda é 2,74 milhões menor do que em setembro daquele ano.

A desgraça é maior na construção civil e na indústria. Os dois setores empregam 26% de todos os trabalhadores formais, mas neles desapareceram quase 76% dos empregos perdidos desde 2014.

Há várias doenças crônicas e agudas na economia, mas um mapa dos sintomas indica como a encrenca se manifesta.

Luiz Carlos Azedo: Supremo manda investigar ameaças

- Correio Braziliense

Bolsonaro e Haddad contribuíram para o clima de desestabilização do processo eleitoral, que agora o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu combater

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, aprovou requerimento para que a Procuradoria-Geral da República (PGR) investigue vídeo publicado na internet com ofensas à presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, e a outros ministros do tribunal. O alvo da decisão é o coronel da reserva Carlos Alves, que gravou vídeo no qual reitera as mesmas ameaças que já haviam sido feitas pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), eleito com mais de 1,8 milhão de votos, que depois pediu desculpas pelas declarações.

Segundo o Exército, trata-se de um coronel engenheiro militar da reserva, que já está sob investigação do Ministério Público Militar pela mesma razão. O ministro Celso de Mello fez um duro discurso em defesa da presidente do TSE, ministra Rosa Weber, que foi ofendida pelo coronel com “palavras grosseiras e boçais”. Para o ministro, é um “ultraje inaceitável”. A decisão da Segunda Turma é uma espécie de freio de arrumação na campanha eleitoral, cuja radicalização descambou para ataques ao Tribunal Regional Eleitoral (TSE).

Ontem, com base em declarações do compositor e cantor Geraldo Azevedo, o candidato do PT, Fernando Haddad, acusou o general Hamilton Mourão, vice de Bolsonaro, de ter torturado o artista. O general repeliu a acusação com um argumento incontestável: tinha apenas 16 anos à época em que Geraldo Azevedo foi preso. O cantor pediu desculpas, e quem ficou com o mico na mão foi Haddad, que Mourão ameaça processar por fake news.

Tanto Bolsonaro como Haddad contribuíram para o clima de desestabilização do processo eleitoral, que agora o Supremo Tribunal Federal (STF) resolveu combater. O primeiro, ao afirmar que somente perderá as eleições se houver fraude nas urnas eletrônicas; o segundo, ao pedir a impugnação da candidatura do adversário, com argumento de que houve abuso de poder econômico e caixa dois no primeiro turno. A partir daí, a campanha esquentou ainda mais, com a ministra Rosa Weber no olho do furacão dos radicais das duas campanhas.

A solidariedade dos ministros do Supremo vai além desse gesto: é uma afirmação de poder do próprio Supremo. O ministro Luiz Barroso, em Salvador, reiterou: “quem ganha tem o direito de governar, mas tem também o dever de respeitar as regras do jogo e os direitos de todos”. O ministro do STF defendeu o pluralismo político e disse que só não há espaço na democracia para “projetos desonestos e autoritários”. Entretanto, fez críticas ao atual sistema político: “Precisamos de uma reforma política capaz de baratear os custos das eleições no país, aumentar a representatividade dos parlamentares e facilitar a governabilidade”.

Rosângela Bittar: Oposição sem adjetivo

- Valor Econômico

PT e PSDB não têm ideia sobre o que fazer ano que vem

Enquanto Jair Bolsonaro vai dando forma à concepção política do seu governo, procurando identificar uma maioria de centro-direita que chega ao Congresso e que possa aprovar seus principais projetos, a oposição sofre para chegar ao fim da campanha eleitoral e vai penar mais ainda para definir uma forma eficiente e inovadora de atuação, que reconquiste o eleitorado perdido.

É impossível, dado o avanço tecnológico demonstrado pela campanha deste ano e a clareza do eleitorado ao não se deixar engabelar por nenhum tipo de propaganda falsa, que se fará uma oposição apenas inventando adjetivos. Antigamente a oposição e o apoio se davam em torno dos adjetivos "sistemático" e, principalmente, "construtivo"; hoje, surgiram novos para a oposição e o apoio: "seletivo" e, principalmente, "crítico". Terá que ter uma tecla na urna eletrônica de confirme o voto crítico.

Com o fim a campanha eleitoral vão ter que correr com as definições, não vai dar para continuar com uma sustentação política baseada na retórica. E não será ao estilo Gleisi Hoffmann, ou Geraldo Alckmin, que o PT e o PSDB vão retomar sua supremacia política.

O PT, se perder no domingo, sairá da disputa de 2018 com uma vitória, elegeu a maior bancada da Câmara, o que é um desempenho admirável para um partido na sua situação. Mas sem força, sem credibilidade e, principalmente, sem um líder que possa substituir Lula, arrastar o que sobrou montanha acima e criar um discurso, o que sempre cobrou da oposição quando virou governo.

Não se pode imaginar que será feita uma oposição de grito, à moda Gleisi. Uma possibilidade de nova liderança no PT seria, tendo se tornado conhecido em todos os Estados e os milhões de votos que vai conquistar, Fernando Haddad. A ver se terá força para construir tão complexa obra de engenharia.

Cristiano Romero: A soberania do eleitor

- Valor Econômico

O axioma de Pelé, mostram eleições, carece de fundamento

Análise das eleições desde a redemocratização mostra que nenhum resultado surpreendeu a lógica. Esta é dada pela economia, a sensação de bem-estar da população, a popularidade do governante da hora, a memória histórica (a influência de fenômenos como o getulismo e o lulismo). Cada um desses aspectos tem um peso, que varia de acordo com as circunstâncias, principalmente, as econômicas.

A máxima "brasileiro não sabe votar" é perversa e equivocada. O axioma, atribuído a Pelé, parte da ideia de que a baixa escolaridade faz as pessoas votarem erradamente. A escolaridade restrita é observada mais entre os pobres, logo, diz a doutrina, pobre não sabe votar. Por esse raciocínio, os remediados e ricos, por serem instruídos, sabem escolher seus representantes.

Durante muito tempo, seguindo o axioma de Pelé, os eleitores nordestinos, entre os quais é maior o analfabetismo e o semianalfabetismo, elegeram políticos de direita ("coronéis", "oligarcas" etc.). Já os eleitores do Sudeste e do Sul optaram, majoritariamente, pela esquerda. Depois de uma ditadura que nos impediu de votar para presidente por 25 anos (29, uma vez que o último pleito ocorrera em outubro de 1960), o caminho pela esquerda seria o mais óbvio no retorno da eleição direta, como percebeu Lula ao fundar o PT, em fevereiro de 1980.

Na primeira década e meia desde 1989, eleger políticos de esquerda era, considerando o axioma de Pelé, o certo a fazer, porque apenas o povo pobre e sem estudo votava na direita. Como o PT desejava ser a nova esquerda - mantendo distância do getulismo, dos comunistas, dos democratas-cristãos e dos sociais-democratas -, foi fundado por sindicalistas do ABC, intelectuais da USP, setores da Igreja Católica identificada com a Teologia da Libertação e por remanescentes da guerrilha que lutou contra o regime militar. Depois, o funcionalismo aderiu como força relevante.

Ricardo Noblat: A intervenção desarmada

- Blog do Noblat | Veja

O risco de tutelar o governo

Celebrem os comandantes militares se suas fardas saírem apenas levemente manchadas das eleições prestes a terminar. E se acautelem para que o pior não esteja por vir.

Pode ter colado até um dia desses a história de que o entusiasmo pela candidatura do capitão Jair Bolsonaro era coisa da tropa rude e ignara, jamais de oficiais com patente elevada.

Não cola mais. Oficiais da reserva de alto coturno assessoram Bolsonaro e participarão do governo caso ele se eleja. E às sombras, oficiais da ativa colaboraram com o candidato e torcem pelo seu sucesso.

O bolsonarismo infiltrou-se nas Forças Armadas como se fosse um vírus poderoso, e é. O sonho de um governo tutelado discretamente pela farda deixou de ser um sonho e está à vista de quem sabe enxergar.

Relatórios de inteligência produzidos por órgãos do governo e das três armas ajudam Bolsonaro a planejar seus movimentos de campanha e a selecionar futuros auxiliares. Nada de parecido havia acontecido até hoje.

A intervenção desarmada só servirá para enfraquecer a democracia submetida por aqui a estresses tão duros desde que foi restaurada há somente 33 anos.

Mesmo que ela resista a mais um teste, o eventual fracasso de um governo como o que se anuncia poderá causar estragos à imagem dos seus patrocinadores ocultos, dissimulados ou assumidos.

As Forças Armadas são a instituição de maior prestígio no país ao lado de outras poucas. Não há por que correr o risco de jogar fora o que conquistou com tanto empenho e sacrifício.

Os Bolsonaro atacam a imprensa e a democracia: Editorial | Valor Econômico

Sinais ruins para a democracia continuam sendo emitidos pelo staff de campanha de Jair Bolsonaro (PSL), que, a uma semana do segundo turno, exibe uma dianteira confortável em relação a seu rival, o petista Fernando Haddad. Se o eixo das eleições se deslocou para a disputa radicalizada nos extremos, o próximo presidente deveria, até por necessidade política, deslocar-se para a moderação e o apaziguamento, contemporizando com os 40 milhões de eleitores que se abstiveram de votar ou preferiram votar nulo ou em branco, e os 25 milhões que escolheram outros candidatos que não os do PSL e PT - uma massa maior do que Bolsonaro obteve no primeiro turno, de 49,2 milhões de votos.

Após quase liquidar a fatura já no primeiro turno, Bolsonaro seguiu pondo em suspeição as urnas eletrônicas - e, portanto, o Tribunal encarregado de zelar por sua integridade. Nisso foi coerente com sua pregação anterior mesmo aos embates eleitorais, de que seria o vencedor e de que não aceitaria outro resultado. Esse destino, para ele, só seria frustrado por meio de fraudes.

Não é muito distinto, embora muito mais grave, o espírito do vídeo divulgado no fim de semana, em que o filho de Bolsonaro, Eduardo, quatro meses depois sagrado o deputado federal mais votado na história do país, especula sobre uma eventual intervenção do Supremo Tribunal Federal para impugnar a vitória de seu pai. Eduardo disse que para fechar o Supremo bastariam um soldado e um cabo e que a prisão de um ministro do STF não motivaria reação alguma da população.

No domingo, após a divulgação do vídeo do filho, Bolsonaro gravara outro, exibido durante manifestação de seus apoiadores em São Paulo, em que, além de afirmar que Lula e seu rival Haddad "apodrecerão na cadeia", prometeu uma "faxina muito mais ampla", em que "esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria". A linguagem de guerra lembra a utilizada pela ditadura militar, defendida pelo candidato do PSL ao longo de seus obscuros 27 anos de mandato como deputado federal.

Encruzilhada petista: Editorial | Folha de S. Paulo

Partido está longe de dispor de um programa de governo realista, que demonstre um aprendizado

A campanha de Fernando Haddad (PT) “mantém o jogo do faz de conta do desespero eleitoral, segue firme no universo do marketing, sem que o candidato inspire-se na gravidade do momento para virar a própria mesa, fazer uma autocrítica corajosa e tentar ser o eixo de uma alternativa democrática verdadeira”.

O que vai acima, por menos que pareça, é parte de uma declaração pública de apoio ao presidenciável do PT —vinda de Marina Silva, concorrente da Rede, a poucos dias da votação no segundo turno.

Trata-se, provavelmente, da segunda adesão mais importante à campanha de Haddad, embora a votação da ex-candidata, como ela própria aponta no texto, tenha sido insignificante na primeira rodada.

Nem há necessidade de recordar em que termos se deu o endosso do PDT de Ciro Gomes —cujo irmão, Cid Gomes, senador eleito pelo Ceará, discursou a petistas prevendo derrota ampla e merecida.

Ainda que se devam descontar das declarações ressentimentos comuns nas batalhas políticas, cumpre apontar que Marina e Gomes fazem críticas das mais pertinentes em seu apoio relutante.

O autoritarismo surge no combate às fake News: Editorial | O Globo

Qualquer ação que invada o conteúdo do que é transmitido pelas redes descumpre a Carta

O uso do WhatsApp para distribuição em massa de mensagens contra o candidato do PT, Fernando Haddad, e favoráveis ao adversário, Jair Bolsonaro (PSL), parece ser o marco da inclusão das eleições brasileiras de 2018 entre os casos ocorridos no mundo, nos últimos anos, de tentativas de interferência na decisão do eleitor, por meio de ferramentas eletrônicas. O fato, noticiado pela “Folha de S. Paulo”, reativou o ânimo aguerrido do PT, que passou atentar configurara existência de uma “fraude” na eleição. Bem como do uso de caixa 2, acionamento debaterias de mensagens fakes seria financiado por empresas. Por sua vez, alijadas das campanhas por veredicto do Supremo.

Não será fácil, porque o Ministério Público Eleitoral precisará reunir provas cabais de que pessoas e/ou empresas ligadas de fato a Bolsonaro estariam nos bastidores dos chamados disparos de milhares de mensagens destinadas a atingir Haddad.

A Procuradoria-Geral da República, de forma correta, abriu inquéritos para investigar os dois lados que se enfrentam no segundo turno, porque não se deve esquecer o pioneirismo do PT no manejo agressivo de robôs e outras internet, para caluniar adversários e promover candidatos.

O preocupante é que, na esteira das repercussões dessa onda de conteúdos de propaganda eleitoral desfechada por meio do WhatsApp, ressurgem propostas que até podem ser bem-intencionadas, mas são inconstitucionais, por invadiremos direitos à privacidade e à liberdade de expressão. Nenhuma ação que viole os arquivos que transitam nas redes é legal.

Reforma inevitável: Editorial | O Estado de S. Paulo

O mais recente relatório sobre a Situação da População Mundial, feito anualmente desde 1978 pelo Fundo de População das Nações Unidas (Unpfa), indica que as famílias brasileiras têm, em média, 1,7 filho, uma redução notável em relação aos anos 60, quando a média era de 6 filhos. Tal fenômenos se explica, diz o estudo, pelo maior acesso das mulheres às informações sobre contracepção e planejamento familiar, colocando o Brasil entre os países com as menores taxas de fecundidade do mundo - a média latino-americana é de 2 filhos, e a mundial, de 2,5.

Conquanto inegavelmente contribua para “melhorar o bem-estar de mulheres e meninas, transformar famílias e sociedades e acelerar o desenvolvimento global”, como diz o relatório, essa diminuição do número de filhos por família apresenta importante desafio para os formuladores de políticas públicas, em especial aquelas voltadas para o mercado de trabalho e para a Previdência Social.

Com seu 1,7 filho por mulher, a taxa de fecundidade brasileira está abaixo da taxa de reposição populacional, que é de 2,1 filhos. Ou seja, o País experimentará em poucos anos um declínio da população, a exemplo do que já acontece no Japão e na Rússia. Se por um lado isso representará menor demanda por serviços públicos básicos, como educação e transportes, e menor busca por empregos, por outro implicará um número decrescente de jovens disponíveis no mercado de trabalho.

Segundo o estudo da Unpfa, isso terá um duplo impacto. Primeiro, haverá menos trabalhadores qualificados para desenvolver novas tecnologias, tarefa que em geral é assumida pelos jovens; segundo, haverá menos jovens para sustentar o sistema previdenciário.

A Revisão 2018 da Projeção da População divulgada recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) já mostrava que o Brasil desperdiçou seu chamado “bônus demográfico”, situação em que o número de habitantes em idade ativa supera o total de dependentes, isto é, idosos e crianças. A partir deste ano, conforme essas estatísticas, o crescimento da população em idade ativa começou a ser menor do que o crescimento da população. Isso significa que a população brasileira começou a apresentar um perfil demográfico semelhante ao dos países desenvolvidos - isto é, com envelhecimento acelerado - sem, contudo, ter o mesmo nível de renda. Aliás, muito pelo contrário - a recessão de 3,8% em 2015 e de 3,6% em 2016 foi apenas o sintoma mais doloroso da atávica incapacidade da economia brasileira de crescer a taxas compatíveis com seu imenso potencial.

Tal como o filho, Bolsonaro atacou Supremo na pré-campanha eleitoral

Candidato à Presidência também afirmou que ministros do tribunal legitimam a corrupção

Rubens Valente | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Apenas quatro meses antes de mandar uma carta ao STF nesta segunda-feira (22) pedindo desculpas a respeito de declarações de seu filho contra a corte, o próprio candidato Jair Bolsonaro (PSL-RJ) disse que os ministros do tribunal estão "legitimando a corrupção", que suas decisões têm "envergonhado a todos" e sugeriu que não há isenção, mas sim um "péssimo exemplo", no tribunal.

Afirmou ainda que iria ampliar o número de ministros, de 11 para 21, como forma de "dar um recado" ao Supremo.

As declarações do candidato contra os ministros do STF ocorreram em pelo menos dois momentos na pré-campanha eleitoral deste ano, em junho e julho passados, mesma época das declarações de seu filho. Em julho, durante uma palestra em um cursinho para candidatos a concursos públicos no Paraná, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) atacou o STF e disse que apenas um soldado e um cabo conseguiriam fechar o tribunal.

O Painel da Folha revelou que, dez dias antes da palestra, Eduardo proferiu um discurso de enfrentamento à corte em uma audiência pública sobre a importância do voto impresso. "Quero ver alguém reclamar quando estiver num momento de ruptura mais doloroso do que colocar dez ministros a mais na Suprema Corte. Se esse momento chegar, quero ver quem vai pra rua fazer manifestação pelo STF", concluiu.

Após o vídeo com seu filho ter viralizado neste domingo (21), Bolsonaro desautorizou Eduardo, dizendo que a fala dele era um absurdo, e enviou uma carta de desculpas ao STF. Contudo, entrevistas anteriores concedidas por Bolsonaro mostram que Eduardo apenas radicalizou a imagem negativa que seu pai fez dos ministros do STF.

Apenas dez dias antes da fala do seu filho, durante entrevista ao programa Cidade 190, da TV Cidade de Fortaleza, em 30 de junho, Jair Bolsonaro foi indagado pelo apresentador se convidaria o juiz federal da Operação Lava Jato em Curitiba, Sergio Moro, para ocupar vaga no STF.

"Da minha parte, tudo bem, não sei se ele aceitaria integrar essa corte, mas com pessoas do perfil dele a gente muda com toda certeza as decisões do Supremo Tribunal Federal, que lamentavelmente têm envergonhado a todos nós."

Nem ditadura fechou o STF, diz Gilmar Mendes sobre fala de filho de Bolsonaro

Ministro foi citado ironicamente pelo deputado federal, mas não comentou a menção

Reynaldo Turollo Jr.| Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - As declarações do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL), de que bastariam um soldado e um cabo para fechar o STF (Supremo Tribunal Federal) continuaram a repercutir na corte nesta terça-feira (23). Perguntado por jornalistas, o ministro Gilmar Mendes disse que a manifestação é imprópria e que nem a ditadura militar fechou o STF.

“Ali se fala que com um cabo e um soldado fecha o tribunal. Quando se faz isso, você já fechou alguma coisa mais importante, que é a própria Constituição. É bom lembrar que nem os militares fecharam o Supremo Tribunal Federal. Houve cassação de mandatos de três ministros em 1969, mas não houve fechamento de tribunal, de modo que esse tipo de referência é absolutamente impróprio, inadequado, precisa ser repudiado e acho que o país tem que voltar a respirar ares democráticos, independente de resultado eleitoral”, disse Gilmar.

O vídeo de Eduardo Bolsonaro foi gravado em julho, durante uma aula em um cursinho no Paraná, mas só chamou a atenção no último fim de semana. O decano do STF, Celso de Mello, emitiu nota ainda no domingo (21) afirmando que a declaração é “golpista”. O presidente da corte, Dias Toffoli, afirmou, também em nota, que atacar o Judiciário é atacar a democracia.

Nesta terça, Gilmar disse que as Forças Armadas servem ao país, e não a um ou outro partido.

“As instituições têm que zelar para que não haja esse acirramento de ânimo. A própria referência a um cabo e um soldado é imprópria, porque as Forças Armadas são instituição do Brasil, do Estado, não de um partido político”, declarou.

Coral Edgard Moraes e Getúlio Cavalcanti - Risos de Mandarim

João Cabral de Melo Neto: Para a feira do livro

A Ángel Crespo

Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido vegetal de folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que o vento em folha de livro.
Todavia, a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania, varrendo o podre a zero.

Silencioso: quer fechado ou aberto,
Incluso o que grita dentro, anônimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam as suas redes.
Mas apesar disso e apesar do paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.