terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Rubens Barbosa*: Prioridades da diplomacia nos primeiros cem dias

- O Estado de S.Paulo

Repetindo promessas de campanha, medidas de política externa não surgem como surpresa

De acordo com o texto que teria sido apresentado em reunião ministerial, as propostas feitas pelo ministro Ernesto Araújo para os primeiros cem dias do governo Bolsonaro foram:

1) Visita do presidente Bolsonaro aos EUA e lançamento das bases de Acordo de Parceria Brasil-EUA ou instrumento similar, que incluirá o lançamento de um acordo comercial, bem como entendimentos em segurança, tecnologia e defesa;

2) visita do presidente Bolsonaro a Israel, com a criação de parcerias em segurança, tecnologia e defesa;

3) início do processo e revisão do Mercosul para aperfeiçoamento de instrumentos favoráveis ao setor produtivo, redução tarifária e dinamização da agenda externa;

4) retorno ao modelo de passaporte com o Brasão da República;

5) implementar a isenção unilateral de vistos para cidadãos norte-americanos e canadenses;

6) realização de auditorias nas embaixadas brasileiras que possam ter sido instrumentos de desvios durante os governos do PT.

Repetindo promessas de campanha e declarações depois das eleições, as medidas não surgem como uma surpresa. São prioridades genéricas que precisam ser trabalhadas para que se transformem em diretrizes para a ação diplomática.

Andrea Jubé: O comandante na tropa de choque do Planalto

- Valor Econômico

Villas Bôas estará um lance de escadas acima de Bolsonaro

Num momento em que o presidente Jair Bolsonaro atravessa uma turbulência mais persistente do que o esperado para 22 dias de governo - a crise envolvendo as movimentações atípicas do primogênito Flávio Bolsonaro, o iminente envio da reforma da Previdência ao Congresso, a terceira cirurgia - uma das principais lideranças políticas chega ao Planalto para reforçar o seu time de conselheiros. Um líder político que, por ironia, veste farda.

O general Eduardo Villas Bôas transmitiu o comando do Exército há dez dias para o general Edson Pujol. Perdeu o posto, mas não a liderança. O gaúcho de Cruz Alta assume nos próximos dias um gabinete no quarto andar do Palácio do Planalto, um lance de escadas acima do gabinete presidencial. Longe do quartel, estará mais próximo do que nunca de Bolsonaro.

Os laços de confiança e lealdade entre ambos ficaram evidentes no dia 2, na posse do general Fernando Azevedo e Silva no Ministério da Defesa. Diante de uma plateia de oficiais das três Forças, Bolsonaro atribuiu sua vitória nas urnas ao general, e em tom solene, disse que levarão para o túmulo os segredos que trocaram: "o que nós já conversamos morrerá entre nós, o senhor é um dos responsáveis por eu estar aqui".

A leitura automática dessa declaração remonta à polêmica postagem de Villas Bôas em sua conta no Twitter, que constrangeu os ministros do Supremo Tribunal Federal na véspera do julgamento do "habeas corpus" do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Asseguro à Nação que o Exército Brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais". A mensagem mobilizou os mais de 400 mil seguidores na rede social e estremeceu os pilares da República.

Ranier Bragon: Só não vê quem não quer

- Folha de S. Paulo

É preciso muita candura para aceitar a tática do avestruz adotada pelo presidente

Todo governo em seu início é beneficiado pela chamada “lua de mel” de que fala a surrada metáfora conjugal. Mas é preciso muito amor no coração, muita candura de espírito para considerar plausíveis as (não) explicações dadas até agora por Jair Bolsonaro sobre o suspeitíssimo caso de seu filho Flávio e do ex-motorista deste, Fabrício Queiroz.

Adota-se até aqui a covarde estratégia de cortes dessa e de todas as épocas de empurrar para auxiliares em desgraça —incluindo filhos— a responsabilidade exclusiva por desatinos. A velha tática do avestruz, a de “eu não tenho nada a ver com isso”.

Perdoem-me os embevecidos pela lua de mel, mas infelizmente Jair tem muita coisa a ver com isso.

O presidente recebeu na conta da mulher, Michelle, R$ 24 mil de Queiroz. Também empregou no gabinete em Brasília uma filha desse motorista, que repassava quase todo o salário ao pai e cuja atividade identificável era a de personal trainer no Rio.

Alvaro Costa e Silva: Rachadinha

- Folha de S. Paulo

A operação política dos velhos e dos novos tempos

Mesmo em recesso, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro recusa-se a perder o protagonismo que desfrutou nos últimos anos, quando pela presidência da casa passaram Sérgio Cabral e Jorge Picciani, ambos presos. As atenções no momento estão voltadas para a farra de saques e depósitos na agência bancária que serve ao Palácio Tiradentes.

Haja digitação no caixa eletrônico. Os “rolos” de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro, começaram com R$ 1,2 milhão, movimentado entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017, mas podem chegar a R$ 7 milhões em três anos. No período de um mês, em 2017, 48 depósitos, todos de R$ 2.000, em dinheiro, foram parar na conta de Flávio, na época deputado estadual. Segundo o relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras, não foi possível identificar o autor dos depósitos, mas estes foram realizados no autoatendimento da agência da Alerj. Bingo!

Outros 22 deputados chamaram a atenção do Coaf devido a atípicas movimentações de dinheiro envolvendo 74 servidores.

Hélio Schwartsman: O enigma venezuelano

- Folha de S. Paulo

Teoria do seletorado é um bom modelo para entender a persistência do ditador Nicolás Maduro

Por que Nicolás Maduro ainda não caiu? Motivos para defenestrá-lo é o que não falta. Nos últimos cinco anos, o PIB da Venezuela caiu 50%. Milhões de cidadãos já fugiram do país, que experimenta retrocesso em praticamente todos os indicadores sociais.

Um bom modelo para entender a persistência do ditador é a teoria do seletorado, proposta pelos cientistas políticos americanos Bruce Bueno de Mesquita, Alastair Smith, Randolph Siverson e James Morrow no início dos anos 2000.

O quarteto, nos passos de Maquiavel, recomenda que esqueçamos todo o blá-blá-blá em torno de interesse público, vontade geral etc. Do pior tirano ao mais convicto democrata, o objetivo principal de quem chega ao poder é manter-se no poder.

Para fazê-lo, precisa lidar com três grupos distintos: o seletorado nominal (cidadãos aptos a participar da escolha do dirigente), o seletorado real (os que de fato participam) e a coalizão vencedora (os que asseguram a vitória). Uma vez entronizado, o líder precisa pagar a coalizão para não ser derrubado.

Joel Pinheiro da Fonseca: O bicho-papão marxista

- Folha de S. Paulo

O marxismo cultural vai além da mera constatação da predominância da esquerda

“Marxismo cultural” é uma teoria da conspiração que visa a explicar e dar um sentido a um fato que, esse sim, existe e é problemático: o predomínio intolerante da esquerda em diversos âmbitos da cultura nacional.

Um ponto de partida de que poucos discordariam: em certos âmbitos da cultural —como universidades, órgãos de imprensa, artistas— há mais gente com visões que podem ser classificadas no amplo balaio de gatos da “esquerda”. Em muitas redações ou faculdades, os votos foram muito mais para políticos de esquerda.

O marxismo cultural vai além da mera constatação da predominância da esquerda: ele dá a ela o sentido de um projeto.

Ele postula que essa realidade é produto da ação concertada de alguns indivíduos que planejam, infiltrando-se nessas instituições, dominar o país e instaurar o comunismo ou algum outro regime que conjure imagens de pesadelo. Recupera o medo dos “bolcheviques” que estariam prestes a dominar a sociedade (tão bem manuseado pelo nazismo alemão).

Assim, um professor universitário que defenda o Acordo de Paris ou um jornalista que votou no PSOL não são pessoas —assim como você— navegando um oceano de opiniões e atitudes, mas agentes de uma agenda em comum que visa a destruição da família, da religião e da propriedade.

E mais: de uma agenda dotada do poder de moldar a cultura. Esse projeto é tramado nas mais altas esferas do poder e controla os rumos da sociedade, e portanto é maléfico por definição.

Quando vai para o terreno da história, a teoria é risível. Os autores da Escola de Frankfurt, que passaram suas vidas tentando ler um mundo que parecia esmagar suas crenças e seus ideais, sendo hostilizados inclusive por grande parte da esquerda de sua época, foram transformados em grandes engenheiros por trás da transformação da cultura.

Bernardo Mello Franco: Tal pai, tais filhos

- O Globo

Bolsonaro já foi aconselhado a manter os filhos longe do palácio. A ideia era evitar que as confusões do trio causassem desgaste para o governo

O vice-presidente Hamilton Mourão disse que os rolos do primeiro-filho geram “algum problema familiar, mas não para o governo”. Será mesmo?

Mourão não é o único aliado que gostaria de ver os herdeiros de Bolsonaro longe do palácio. O desejo é compartilhado por outros integrantes do núcleo militar do governo. Os generais temem que confusões envolvendo Flávio, Carlos e Eduardo contaminem a administração de Jair. Por enquanto, não conseguiram ser ouvidos.

No desfile da posse, o vereador Carlos posou de guarda-costas do pai na garupa do Rolls-Royce presidencial. Não foi só um ato de exibicionismo. Para políticos que esperavam Bolsonaro no Congresso, o “02” quis mostrar que será uma eminência parda do novo governo.

Pelo que se viu até aqui, ele tinha razão. Na sexta passada, o UOL informou que Carlos já teve mais audiências com o presidente do que 18 dos 22 ministros. Embora não ocupe cargo em Brasília, ele participou da primeira reunião ministerial da “nova era”. Passou o encontro tuitando, enquanto os titulares de pastas tiveram que deixar os celulares fora da sala.

José Casado: Preso no labirinto

- O Globo

Aos 69 anos, Paulo Guedes, ministro da Economia, começa a desvelar na mesa do jogo de poder a sua maior aposta como ativista do liberalismo. Na gélida Davos, Suíça, apresentará o projeto de uma “frente única” de conservadores e liberais-democratas para um programa liberal no Brasil.

Num dos textos publicados no GLOBO no final de 2017, sugeriu o desmonte do “Leviatã moldado pelo nacionalismo estatizante do regime militar”. Na travessia do tempo, ressaltou, ele “acabou —quem diria —aparelhado pelos petistas”.

“Esse aparelho de Estado”, prosseguiu, “antes dirigido por uma tecnoburocracia administrativa de comando central com foco em infraestrutura, foi saqueado por grupos de interesse corporativo e partidos políticos desidratados pela concentração de recursos no governo central. O capitalismo de Estado dos militares tornou-se o capitalismo de quadrilhas dos social-democratas.”

Guedes seduziu um de seus leitores, Jair Bolsonaro, na época candidato à procura de uma ideia.

A eficácia política dessa ideia de uma “frente” de conservadores e liberais-democratas será testada em temas como a reforma da Previdência, a partir da segunda-feira, 4 de fevereiro. É quando o Congresso começa a decidir sobre os limites da ação governamental na desmontagem desse “legado” do regime militar.

Merval Pereira: Plebiscitário e minoritário

- O Globo

Governos minoritários e plebiscitários, como se desenha este, tendem a ter fôlego curto, alerta cientista político

A propósito da coluna de domingo, em que analiso a correlação de forças entre Executivo e Legislativo, com base em um pronunciamento do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Antonin Scalia, o professor Walter Costa Porto, ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral, um dos melhores especialistas em legislação eleitoral, autor do livro “O Voto no Brasil”, relembrou um diálogo tirado de Saul K. Padover em “A Constituição Viva dos Estados Unidos”, entre George Washington e Thomas Jefferson, dois dos “pais fundadores” dos Estados Unidos.

Jefferson voltara de Paris quando, em uma manhã, à mesa com Washington, lhe perguntou por que havia favorecido o Senado na convenção.

- Por que, rebateu Washington, derramaste esse café no pires?

- Para esfriá-lo, explicou Jefferson.

- Muito bem, prosseguiu Washington, nós derramamos a legislação no pires senatorial para esfriá-lo.

Também o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas no Rio, analisou a fala de Scalia e considera que ela não pode ser usada em relação à situação brasileira, já que, diferentemente dos EUA, o presidencialismo brasileiro opera em um ambiente multipartidário e, nos últimos anos, hiper-fragmentado. Embora tenha, como elogia Scalia em relação aos Estados Unidos, duas Casas Legislativas fortes.

Além disso, ressalta Pereira, “com um Executivo extremamente poderoso, também diferente do caso americano, onde o presidente é constitucionalmente fraco”. Quando o presidente americano tem a sorte de sair das urnas com seu partido ocupando a maioria de cadeiras nas duas casas legislativas, o sistema opera de forma muito similar ao parlamentarismo europeu, sem separação de poderes e, portanto, sem gridlocks (impasses).

Os “problemas” (ou virtudes, para Scalia) aconteceriam apenas nas situações de governo dividido, quando o partido do presidente não desfruta de maioria em uma (situação atual) ou nas duas casas legislativas. Para Carlos Pereira, o multipartidarismo opera como um controle endógeno de um Executivo constitucionalmente forte, mas ao mesmo tempo minoritário no Legislativo, o que o obriga a montar e a gerenciar coalizões multipartidárias pós-eleitorais se quiser governar.

Daí porque, sem “moedas-de-troca” capazes de gerar ganhos mútuos para o Executivo e o Legislativo, os riscos de gridlocks (impasse) quase que seriam permanentes, inviabilizando assim o funcionamento virtuoso do jogo.

Luiz Carlos Azedo: A confiança no Brasil

- Correio Braziliense / Estado de Minas

“Bolsonaro procura reposicionar o governo brasileiro no exterior. Não é uma tarefa fácil”

O presidente Jair Bolsonaro, ontem, em Davos, numa entrevista quebra-queixo para jornalistas brasileiros, disse que sua passagem pelo Fórum Econômico Mundial tem objetivo de restabelecer a confiança dos agentes econômicos no Brasil. “Queremos mostrar, via nossos ministros, que o Brasil está tomando medidas para que o mundo restabeleça a confiança em nós, que os negócios voltem a florescer entre o Brasil e o mundo, sem o viés ideológico, que nós podemos ser um país seguro para investimentos. E, em especial, a questão do agronegócio, que é muito importante para nós, é a nossa commodity mais cara. Queremos ampliar esse tipo de comércio.”

O discurso de Bolsonaro foi discutido por sua equipe de governo, representada em Davos pelos ministros Sérgio Moro (Justiça e Segurança Pública), Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral da Presidência) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, também integra a comitiva para Davos, enquanto o irmão senador, Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), continua ardendo na fogueira do caso Queiroz aqui no Brasil. O Fórum Econômico Mundial começa hoje e vai até sexta-feira, com previsão de uma redução de crescimento mundial, segundo anunciou a diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.

Os indicadores de crescimento de 2018 apontam para uma retração da economia mundial, que pode resultar numa grande recessão se suas causas não forem revertidas. Disputas comerciais entre as maiores economias do mundo, dívidas e eventos climáticos extremos (olha o aquecimento global aí, gente!) são alguns dos principais riscos previstos. A China teve seu pior índice de crescimento em 28 anos: no ano passado, a expansão do PIB chinês foi de apenas 6,6%; em 2019, será de 6,3%. A expansão induzida pelos incentivos fiscais nos Estados Unidos está se esgotando: a taxa de crescimento do PIB será de 2,5% em 2019 e apenas 2%, em 2020. Na Europa, a projeção é de uma expansão de 2% em 2019. Para 2019 e 2020, o crescimento global previsto pela ONU é de 3%, abaixo da taxa de 3,1% em 2018.

Ana Carla Abrão: A roda que gira

- O Estado de S. Paulo

Fronteiras antes tão bem definidas desaparecem em produtos e serviços financeiros

Regulação financeira era, até outro dia, sinônimo de imposição de requerimentos de capital e de controles de liquidez e solvência. Além disso, compunham o pacote tradicional, autorizações de funcionamento com critérios mínimos rigorosos; regras estritas de atuação para grandes conglomerados financeiros; e controles e colchões contra riscos operacionais, de crédito, ou de mercado. Recentemente, evoluiu-se para adicionar planos e fundos de resolução bancária, dando um passo adiante em relação aos sistemas de seguro-depósito, por definição mais limitados na contenção de crises financeiras sistêmicas.

Agora a regulação financeira enfrenta novos desafios e busca se adaptar aos novos tempos. Enquanto a crise de 2008 foi esvanecendo – e preenchendo todo o foco regulatório –, outros modelos de negócio surgiram, definindo um novo ecossistema financeiro. Padrões foram mudados, novos serviços e produtos passaram a ser ofertados e novas expectativas passaram a ditar as regras, numa disrupção que tem na relação com o consumidor o seu principal ponto de quebra.

Novas tecnologias abriram espaço para que as Bigtechs, como Amazon e Google, ou empresas como a Apple, alterassem padrões e impulsionassem mudanças de comportamento nas pessoas. Mas, acima de tudo, determinaram uma nova forma de se relacionar com um consumidor cada vez mais independente, exigente e muito ciente de suas escolhas.

Daniela Chiaretti: Clima: governo tem poucas ideias. E confusas

- Valor Econômico

Nenhum país pode sair do Acordo de Paris antes de 2020

Há 30 anos um amigo jornalista ouviu de seu primeiro editor, ao entregar o primeiro texto de sua vida profissional, a seguinte avaliação: "Suas ideias são poucas, porém confusas". A frase cômica se aplica tristemente ao reordenamento feito pelo governo do presidente Jair Bolsonaro no tópico "mudança do clima" nos ministérios pertinentes. Se há algum clima (com o perdão do trocadilho) nas pastas que eram protagonistas do assunto, a de Meio Ambiente (MMA) e a das Relações Exteriores, é o de "barata-voa". São só 22 dias de governo, é verdade, mas por enquanto reina o caos.

Caso esses ministérios tenham agora alguma atribuição verdadeira em termos de mudança climática, o tópico foi bem escondido no organograma que reestruturou o governo. O que era uma forte prioridade nas duas pastas foi enxugado, disperso e relegado a um plano indefinido. A Secretaria de Mudança do Clima e Florestas era a maior do MMA, com 140 pessoas. Produziu planos nacionais de adaptação aos impactos climáticos e levava adiante políticas de combate ao desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Agora, ninguém sabe, ninguém viu. No Itamaraty, que tinha um formidável time de negociadores climáticos e uma subsecretaria para lidar com o tema, o assunto foi pendurado em algum lugar da recém-criada Secretaria de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania. Imagina-se que esteja em "proteção da atmosfera".

Esse redesenho traduz desinformação, ideologia e uma inevitável dose de risco à economia e à segurança do país. As declarações de "saio-e-fico" do presidente Jair Bolsonaro sobre a permanência ou não do país no Acordo de Paris, iniciadas durante a campanha e repetidas por integrantes do governo, ilustram esses equívocos.

Míriam Leitão: Sem os estados, reforma ineficaz

- O Globo

Por Alvaro Gribel
(*A colunista está de férias)

Quem alerta é o economista Paulo Tafner, autor de uma das propostas de reforma que está sobre a mesa do governo Bolsonaro. Sem equacionar a previdência dos estados e municípios, uma reforma dura da União será praticamente inócua. Apesar da romaria de governadores com pires na mão a Brasília, Tafner avalia que o problema está tendo a abordagem errada: “Só elevar alíquota de contribuição de 11% para 14%, como fez a prefeitura de São Paulo, é pouco, não resolve. É preciso tirar a previdência do Orçamento, fazer cálculos atuariais e permitir a cobrança extra para ativos e inativos. É muito mais amplo e profundo”, explicou.

Risco não precificado
Tafner diz que até mesmo na conversa com economistas do mercado financeiro a gravidade do problema não está inteiramente precificada. “Não adianta somente resolver a crise fiscal da União, porque os principais serviços públicos são oferecidos pelas prefeituras e pelos estados. E não existe cenário de a União ir bem e o resto ir mal. É preciso que isso esteja no projeto do governo”, afirmou. O economista já alertou a equipe de Paulo Guedes, mas quem vai definir a abrangência final da reforma será o presidente Jair Bolsonaro. Ontem, Goiás foi o sétimo estado a decretar calamidade financeira.

Davos ajuda Guedes
Na queda de braço interna pela reforma da Previdência, a ida de Bolsonaro a Davos vem em boa hora para o ministro da Economia, Paulo Guedes. Isso porque o presidente fará um discurso para impressionar investidores internacionais e pegará mal chegar ao Brasil e desidratar a proposta da equipe econômica. Dentro do governo, Guedes quer uma reforma mais forte e rápida, enquanto o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, e o próprio presidente entendem que um texto mais leve terá mais chance de aprovação.

Governo sem coalizão
O desgaste sobre o governo provocado pela movimentação financeira de Flávio Bolsonaro ainda é incerto, mas o cientista político Carlos Pereira, professor titular da FGV no Rio, avalia que a estratégia de demonizar as coalizões terá um custo político elevado para o presidente agora: “A coalizão serve não só para você aprovar, mas também para vetar agendas que vão trazer desgaste. Vai ser muito difícil ele impedir investigação sobre o seu filho. Bolsonaro pode se tornar vulnerável mais cedo, por não ter negociado apoio formal no Congresso”, disse.

Huck diz que aceita dialogar com Bolsonaro

Por Assis Moreira | Valor Econômico

DAVOS - "Se for convidado, lógico que vou conversar com Bolsonaro, o momento é para dialogar", diz o apresentador e empresário Luciano Huck. Ele considera necessário fazer o máximo para "cicatrizar as feridas abertas, porque o país saiu machucado" da campanha eleitoral do ano passado.

Em entrevista ao Valor, antes de chegar a Davos, Huck deixou claro que está decidido a participar mais ativamente do processo político daqui para a frente. "Se não construirmos pontes, vamos continuar com um país dividido, polarizado, nervoso, não aberto ao diálogo, e isso é ruim", diz. Para ele, o governo Bolsonaro está aberto ao diálogo.

A vinda de Huck a Davos ocorre no rastro da criação pelo fórum de um grupo de novas lideranças latino-americanas comprometidas com ética, eficiência e redução das desigualdades.

Huck vê país 'machucado' e afirma estar aberto a diálogo com presidente
"Se for convidado, lógico que vou conversar com Bolsonaro, o momento é para dialogar." É o que afirma o apresentador e empresário Luciano Huck, estimando ser necessário se fazer o máximo para "cicatrizar as feridas abertas, porque o país saiu machucado" da campanha eleitoral.

Em entrevista ao Valor, antes de chegar a Davos para participar pela primeira vez do Fórum Econômico Mundial, Huck deixou claro que está decidido a participar do processo político mais ativamente daqui para a frente.

"Se não construirmos pontes, vamos continuar com um país dividido, polarizado, nervoso, não aberto ao diálogo, e isso é ruim para o país como um todo", diz ele. "Temos que parar de reclamar e começar a apontar caminhos, discutir, colocar a mão na massa, e isso exige descer do palco e dialogar."

Davos e a sustentabilidade

Por Marina Grossi* | Valor Econômico

A sustentabilidade é importante para os países obterem melhores posições na nova geopolítica global

O ano de 2019 chegou com vários desafios, inúmeros questionamentos e uma certeza: chegaram ao fim os dias em que as empresas e governos poderiam pensar apenas em termos de seus resultados, sem avaliar causas e consequências socioambientais. Mais que isso, os próprios resultados agora dependem diretamente dessa variável. E a situação não é diferente para o poder público ou para a sociedade civil. A questão da sustentabilidade transcende o mundo acadêmico, invade sem cerimônia as principais salas de reunião de executivos, além de ser uma variável competitiva para os países conquistarem melhores posições na nova geopolítica global.

As empresas já perceberam valor nisso e investem. Estudo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) lançado no final de 2018, apontou que suas empresas associadas investiram US$ 85,8 bilhões nos últimos dois anos em medidas que contribuem para a redução de emissões de suas unidades de produção. A maior parte envolveu o uso de tecnologias de eficiência energética, otimização de processos e busca por fontes energéticas de baixo carbono. Juntos, esses projetos foram responsáveis pela redução de 212,1 milhões de tCO2 e no período, o que corresponde a um volume equivalente a 27% da meta total de redução assumida pelo Brasil no Acordo de Paris até 2025.

Sustentabilidade é hoje sinônimo de bons negócios no mundo empresarial e também no político. A boa notícia é que no caso do Brasil já saímos na frente em relação aos outros países. Não só temos ativos ambientais ímpares, como podemos utilizar a própria preservação das nossas florestas como variável de competitividade, tornando-as modelos para o mundo todo, com técnicas avançadas de manejo, já comuns por aqui e pouco conhecidas lá fora. Além disso, temos energias renováveis em abundância e cada vez com custo menor e mais competitivo, sem exigir subsídios e oferecendo oportunidades inúmeras de investimentos.

Por isso mesmo há uma atenção especial à primeira viagem e primeiro pronunciamento internacional do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, durante a reunião anual do Fórum Econômico Mundial (WEF) em Davos, na Suíça. Ele estará entre três mil tomadores de decisões da política, negócios e ciência. Ao lado do seu superministro da economia, Paulo Guedes, desperta curiosidade sobre o que terá a dizer em relação a políticas de desenvolvimento sustentável do país, cumprimento do Acordo de Paris, combate ao desmatamento e ampliação da exploração da rica biodiversidade nacional.

Roberto Freire: Levante contra Maduro é sinal de que ruptura na base militar do regime tende a crescer

-Portal do PPS

O presidente do PPS, Roberto Freire, disse em sua conta no microblog Twitter que a prisão de militares venezuelanos que se sublevaram contra o presidente Nicolás Maduro, nesta segunda-feira (21), na região de Cotiza, é sinal da crescente dificuldade política do regime ditatorial chavista.

“Apesar da prisão dos militares sublevados venezuelanos contra a ditadura de Maduro, o fato de ter ocorrido o levante é sinal de que a fratura que começa a surgir na base militar do regime ditatorial tenderá a crescer”, avaliou.

Freire disse não ser possível imaginar uma solução para o impasse na Venezuela com intervenção internacional. Para o presidente do PPS, a superação da grave crise enfrentada pelo País deve ser encontrada pelo próprios venezuelanos, diante do conflito da “dualidade de poder” no País.

“Conflito aberto na dualidade de poder na Venezuela. De um lado a ditadura de Maduro ainda forte mas em processo de isolamento. De outro a AN [Assembleia Nacional] forte no exterior e num crescente apoio interno”, escreveu Freire em outro post na rede social, ao comentar decisão do TSJ (Tribunal Supremo de Justiça), nesta segunda-feira (21), de considerar inconstitucional a cerimônia de posse do novo Conselho de Administração da AN.

The Economist: Lutas internas do chavismo ameaçam Maduro

- The Economist | O Estado de S.Paulo

Presidente da Venezuela se manterá no cargo mesmo diante da pressão internacional e das crescentes defecções dentro do partido?

Pela Constituição da Venezuela, presidentes têm de prestar juramento ante a Assembleia Nacional, o Poder Legislativo do país. Mas a cerimônia com a qual Nicolás Maduroiniciou seu segundo mandato de seis anos, em 10 de janeiro, teve lugar na Suprema Corte. A Assembleia Nacional, controlada pela oposição vê como farsa a eleição de Maduro, realizada em maio último, e seu segundo mandato, como ilegítimo. Já a supostamente independente Suprema Corte continua sendo uma serva obediente do regime. A mudança de local é uma característica m manobra de Maduro, que vem se mantendo no poder por meios cada vez mais ditatoriais.

Esse é seu único talento. Após um catastrófico primeiro mandato, Maduro é, presumivelmente, o presidente mais mal sucedido do mundo. As sementes do desastre, porém foram plantadas por seu predecessor, Hugo Chávez, morto em 2013. Populista eloquente, Chávez achava que o melhor meio de ajudar os pobres era aumentar os gastos públicos enquanto sufocava o mercado. Ele expropriou empresas privadas, impôs controle de preços, tomou empréstimos a rodo e demitiu administradores competentes da PDVSA, a estatal petrolífera que é a principal ponte de divisas da Venezuela, por se recusarem a apoiá-lo politicamente.

Apesar disso tudo, Chávez deu sorte. Os preços do petróleo estiveram em alta durante quase todo seu governo de 14 anos. Isso mantinha as prateleiras dos supermercados abastecidas e os déficits orçamentários sob controle. Quando ele morreu, a economia já embicava numa queda acentuada, mas o fato ainda não era aparente.

Maduro se declarou “filho” de Chávez, que até hoje inspira devoção entre venezuelanos pobres e esquerdistas crédulos de todo o mundo. Ele venceu uma disputada eleição presidencial contra Henrique Capriles, governador estatal de centro-esquerda. Em 2014, os preços do petróleo começaram a desabar.

Maduro aderiu obstinadamente ao chavismo, mesmo com as condições começando a se voltar contra o regime. Para poder pagar os credores internacionais da Venezuela, ele cortou violentamente as importações, o que levou a racionamento e fome. Para financiar os enormes déficits orçamentários, passou a imprimir dinheiro. As duas medidas alimentaram a inflação, que no ano passado foi provavelmente superior a 1.000.000%. Manteve a cotação do bolívar artificialmente alta, ostensivamente para deixar as importações essenciais suportáveis.

Flávio Bolsonaro precisa esclarecer tudo com rapidez: Editorial | O Globo

Senador não dá explicações detalhadas sobre fluxo bancário e fragiliza imagem do governo

À medida que o tempo foi passando, o chamado caso Queiroz, com muitos indícios de ser um golpe da “rachadinha”, típico do baixo clero parlamentar, cresceu e, como era previsto, atingiu o titular do escritório em que assessores cediam parte de seus salários, sendo o ex-policial militar o arrecadador do dinheiro.

E assim, o deputado estadual Flávio Bolsonaro, enquanto se preparava para trocar o escritório na Assembleia fluminense (Alerj) por um gabinete no Senado, foi surpreendido pela notícia, de “O Estado de S.Paulo”, de que Fabrício Queiroz, seu assessor, e vários outros de mais de 20 deputados da Alerj caíram na malha do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), por realizarem operações bancárias atípicas. Relatórios do Coaf fazem parte das investigações conduzidas pela Operação Furna da Onça, da PF e do Ministério Público estadual, sobre corrupção na Assembleia.

A história não parou de ganhar importância, aponto de passara serreal ameaça à imagem do governo do pai de Flávio, eleito pelo voto do cansaço com as traficâncias do PT e aliado sede esperança nas promessas de combate firme à corrupção feitas por Jair Bolsonaro. Inclusive de não pactuar com delitos cometidos em seu entorno.

Esconde-esconde: Editorial | Folha de S. Paulo

Flávio Bolsonaro traz explicações inconsistentes e amplia desgaste do governo

Ganharam corpo nos últimos dias as suspeitas em torno da movimentação financeira do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e de Fabrício Queiroz, que era seu motorista até outubro passado.

O primeiro relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) sobre as contas de Queiroz, que veio à tona em dezembro, apontou R$ 1,2 milhão em saques e depósitos incompatíveis com suas atividades conhecidas.

Na última sexta-feira (18), soube-se que o Coaf também tem razões para desconfiar de Flávio. Segundo o órgão, o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro (PSL) recebeu R$ 96 mil em dinheiro em junho e julho de 2017. Foram 48 depósitos de R$ 2.000, em cinco dias, num caixa eletrônico.

No fim de semana, o jornal O Globo noticiou que o Coaf encontrou R$ 7 milhões nas contas de Queiroz, entre 2014 e 2016.

A maneira como Flávio e seu ex-assessor reagiram a essas revelações contribuiu pouco para esclarecer a origem dos recursos que movimentaram, mas serviu para aumentar a estranheza do caso.

Chamado pelo Ministério Público do Rio para depor, Queiroz faltou em duas ocasiões, citando a necessidade de tratar um câncer. Antes de se internar, concedeu breve entrevista em que deixou a maioria das perguntas sem resposta.

Sem solução à vista, a crise dos Estados pode se alastrar: Editorial | Valor Econômico

Nem bem o ano começou e uma romaria de governadores foi a Brasília buscar ajuda federal para equilibrar suas contas. Os recém empossados governantes de Goiás, Mato Grosso e Pará estiveram pessoalmente no Ministério da Economia e Tesouro para negociar. Mato Grosso decretou estado de calamidade financeira na expectativa de conseguir parcelamento para pagar suas dívidas. Anteriormente neste ano, Roraima e Rio Grande do Norte haviam feito o mesmo. Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais declararam estado de calamidade há quase três anos, em 2016. A dívida dos seis Estados soma R$ 247,9 bilhões, segundo informações do Tesouro Nacional.

Quem acompanhou as reportagens publicadas pelo Valor ao longo de 2018 não se surpreende. O crescimento dos gastos em ritmo superior à expansão das receitas é o principal problema, alimentado principalmente pelas folhas de salários inchadas. A recessão econômica brecou a arrecadação ao mesmo tempo em que ampliou a demanda por serviços públicos, especialmente de saúde e educação. Agravou o quadro o aumento dos empréstimos entre 2011 e 2014, muitos garantidos pelo Tesouro, por conta dos preparativos para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos.

Desde dezembro de 2014, em 15 dos 26 Estados a despesa total do governo com pessoal cresceu mais do que as receitas e ameaça romper as barreiras regulatórias. Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o limite prudencial é de 46,55% de despesa de pessoal em relação à Receita Corrente Líquida (RCL) e o teto é de 49%. Já ultrapassaram o limite prudencial 16 Estados, mais do que o dobro dos sete nessa situação em 2014, e dois estouraram o teto. Uma conta especialmente explosiva é a das previdências estaduais, que passou de 17,1% para 22% da RCL entre 2015 e 2017. Em casos mais graves, como o de Minas Gerais, chegou a 38,3% (Valor 15/10/18).

O destino da Justiça do Trabalho: Editorial | O Estado de S. Paulo

Em mais uma demonstração da politização do Poder Judiciário, juízes trabalhistas promoveram ontem, em dez Estados, atos de protesto contra a sugestão do presidente Jair Bolsonaro de extinguir a Justiça do Trabalho e transferir as ações trabalhistas para a Justiça Federal. Com apoio de advogados e procuradores trabalhistas, os manifestantes impediram o tráfego de veículos em frente a tribunais, durante algumas horas, e lançaram manifestos para “demonstrar a relevância da instituição”.

A proposta de extinção da Justiça do Trabalho foi apresentada por Bolsonaro em entrevista que concedeu dois dias após sua posse. Ele a justificou em nome da supressão de “entraves que dificultam a vida de quem produz”. Segundo o presidente, o Brasil tem um excesso de leis trabalhistas, o que encarece os custos dos empregadores sem que isso resulte em salários mais altos para os empregados. “É pouco para quem recebe e muito para quem paga. Alguém ganha R$ 1 mil e o patrão gasta na verdade R$ 2 mil. Algo está errado. Nos Estados Unidos quase não tem direito trabalhista. Até um ano e meio atrás no Brasil eram em torno de 4 milhões de ações trabalhistas por ano. Temos mais ações do que o mundo todo junto. Não adianta ter direito e não ter emprego. Qual país do mundo que tem Justiça do Trabalho?”, disse Bolsonaro.

Acesso mais fácil a armas pode ampliara já alta taxa de homicídios: Editorial | O Globo

Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada 14 minutos uma pessoa é morta a tiros no Brasil

Sob qualquer ângulo, os números são estarrecedores. Dados do Datasus (Ministério da Saúde) mostram que, entre 2001 e 2016,595.672 pessoas foram assassinadas por armas de fogo no Brasil. Significa que, a cada 14 minutos, uma pessoa é morta a tiros em algum lugar do país. Por ano, são 37.229. Cenário de guerra. Essa matança representa hoje cerca de 70% do total de homicídios, percentual que vem aumentando desde 1980, quando equivalia apouco menos da metade de todos os assassinatos (44%).

Impossível não relacionar essa escalada ao aumento do número de armas em circulação, especialmente quando se sabe que é a partir dos anos 80 que o tráfico se instala nas principais cidades do Brasil, trazendo com ele um arsenal que faria explodir os índices de criminalidade nas décadas seguintes. Em quase 40 anos, essa catástrofe que teve início nos municípios mais industrializados do Sudeste se espalhou para outras regiões. No Norte/Nordeste, a situação é alarmante. Em 2001, as duas regiões respondiam por 26% de todas as mortes por armas de fogo, enquanto o Sudeste concentrava 57%. Quinze anos depois, houve uma inversão. No Norte/Nordeste, o percentual saltou para 55%, ao passo que, no Sudeste, caiu a 25%.

Teresa Cristina - Lavoura

Carlos Pena Filho: A palavra

Navegador de bruma e de incerteza,
Humilde me convoco e visto audácia
E te procuro em mares de silêncio
Onde, precisa e límpida, resides.

Frágil, sempre me perco, pois retenho
Em minhas mãos desconcertados rumos
E vagos instrumentos de procura
Que, de longínquos, pouco me auxiliam.

Por ver que és claridade e superfície,
Desprendo-me do ouro do meu sangue
E da ferrugem simples dos meus ossos,
E te aguardo com loucos estandartes
Coloridos por festas e batalhas.

Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
E a precisão astuta dos meus olhos
E fabrico estas rosas de alumínio
Que, por serem metal, negam-se flores
Mas, por não serem rosas, são mais belas
Por conta do artifício que as inventa.

Às vezes permaneces insolúvel
Além da chuva que reveste o tempo
E que alimenta o musgo das paredes
Onde, serena e lúcida, te inscreves.

Inútil procurar-te neste instante,
Pois muito mais que um peixe és arredia
Em cardumes escapas pelos dedos
Deixando apenas uma promessa leve
De que a manhã não tarda e que na vida
Vale mais o sabor de reconquista.

Então, te vejo como sempre foste,
Além de peixe e mais que saltimbanco,
Forma imprecisa que ninguém distingue
Mas que a tudo resiste e se apresenta
Tanto mais pura quanto mais esquiva.

De longe, olho teu sonho inusitado
E dividido em faces, mais te cerco
E se não te domino então contemplo
Teus pés de visgo, tua vogal de espuma,
E sei que és mais que astúcia e movimento,
Aérea estátua de silêncio e bruma