DEU NA FOLHA DE S. PAULO
Um imposto sobre transações financeiras não resolveria todos os problemas, mas teria ajudado a prevenir a atual crise
SERÁ QUE deveríamos usar impostos para reprimir a especulação financeira? Sim, dizem as principais autoridades encarregadas de fiscalizar a City de Londres. Outros governos europeus concordam -e eles estão certos.
Infelizmente, as autoridades econômicas dos EUA se opõem frontalmente à proposta. Seria de esperar que reconsiderem: um tributo sobre as transações financeiras é uma ideia cuja hora, enfim, chegou.
A disputa surgiu em agosto, quando Adair Turner, o principal encarregado da regulamentação financeira no Reino Unido, apelou por um imposto sobre transações financeiras de maneira a desencorajar atividades "socialmente inúteis". Gordon Brown, o premiê britânico, decidiu encampar a proposta.
Por que a ideia é boa? A proposta de Turner e Brown é uma versão moderna de um conceito proposto originalmente em 1972 por James Tobin, economista da Universidade Yale e ganhador do Nobel de Economia. Tobin argumentava que a especulação cambial -dinheiro movimentado internacionalmente para a realização de apostas quanto a taxas de câmbio- estava exercendo efeito perturbador sobre a economia mundial. Para reduzir as perturbações, ele apelou por um pequeno imposto sobre cada transação cambial.
Um tributo como esse representaria despesa trivial para as partes envolvidas em comércio internacional ou investimento em longo prazo, mas representaria forte desincentivo aos agentes que estivessem tentando ganhar dinheiro rápido ao adivinhar os movimentos do mercado em prazo de alguns dias ou semanas. O imposto, como afirmou Tobin, "jogaria areia no bem lubrificado mecanismo da especulação".
O principal argumento oferecido pelos oponentes de um imposto sobre transações financeiras é que ele seria impraticável, porque os operadores sempre encontrariam uma maneira de evitá-lo. Há quem alegue que o imposto tampouco faria muito para impedir o comportamento daninho que causou a atual crise.
Quanto à alegação de que é impossível tributar transações financeiras: os modernos mercados são instituições altamente centralizadas.
Embora os operadores possam estar espalhados, a maioria das transações é liquidada -ou seja, paga- em uma instituição em Londres. Essa centralização serve para manter baixo o custo das transações, exatamente o fator que torna a especulação pesada possível. Mas também tornaria mais fácil identificar e tributar as transações em questão.
E quanto à alegação de que um imposto sobre as transações financeiras não estaria resolvendo o verdadeiro problema? É verdade que não teria impedido as instituições financeiras de realizar maus empréstimos, ou os investidores crédulos, de adquirir lixo tóxico lastrado por eles.
Mas os maus investimentos não são toda a história, na atual crise. O que transformou esses maus investimentos em catástrofe foi a excessiva dependência do sistema financeiro quanto a dinheiro de curto prazo.
Por volta de 2007, o sistema bancário dos EUA havia se tornado dependente de transações conhecidas como "repo", sob as quais instituições financeiras vendem ativos a investidores, mas prometem recomprá-los em curto prazo. Os prejuízos com os empréstimos hipotecários de risco ("subprime") e outros ativos deflagraram uma crise bancária porque solaparam esse sistema -houve "corrida aos "repo"".
E o imposto sobre transações financeiras, ao desencorajar a dependência de financiamento em prazo ultracurto, teria tornado uma corrida como essa menos provável. Assim, um imposto como esse teria ajudado a prevenir a atual crise -e pode nos ajudar a impedir uma futura repetição.
Será que um imposto Tobin resolveria todos os nossos problemas? Não. Mas poderia ser parte do processo de encolhimento de nosso inchado sistema financeiro. Quanto a isso, o governo Obama precisa libertar sua mente do jugo de Wall Street.
Paul Krugman , economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
Um imposto sobre transações financeiras não resolveria todos os problemas, mas teria ajudado a prevenir a atual crise
SERÁ QUE deveríamos usar impostos para reprimir a especulação financeira? Sim, dizem as principais autoridades encarregadas de fiscalizar a City de Londres. Outros governos europeus concordam -e eles estão certos.
Infelizmente, as autoridades econômicas dos EUA se opõem frontalmente à proposta. Seria de esperar que reconsiderem: um tributo sobre as transações financeiras é uma ideia cuja hora, enfim, chegou.
A disputa surgiu em agosto, quando Adair Turner, o principal encarregado da regulamentação financeira no Reino Unido, apelou por um imposto sobre transações financeiras de maneira a desencorajar atividades "socialmente inúteis". Gordon Brown, o premiê britânico, decidiu encampar a proposta.
Por que a ideia é boa? A proposta de Turner e Brown é uma versão moderna de um conceito proposto originalmente em 1972 por James Tobin, economista da Universidade Yale e ganhador do Nobel de Economia. Tobin argumentava que a especulação cambial -dinheiro movimentado internacionalmente para a realização de apostas quanto a taxas de câmbio- estava exercendo efeito perturbador sobre a economia mundial. Para reduzir as perturbações, ele apelou por um pequeno imposto sobre cada transação cambial.
Um tributo como esse representaria despesa trivial para as partes envolvidas em comércio internacional ou investimento em longo prazo, mas representaria forte desincentivo aos agentes que estivessem tentando ganhar dinheiro rápido ao adivinhar os movimentos do mercado em prazo de alguns dias ou semanas. O imposto, como afirmou Tobin, "jogaria areia no bem lubrificado mecanismo da especulação".
O principal argumento oferecido pelos oponentes de um imposto sobre transações financeiras é que ele seria impraticável, porque os operadores sempre encontrariam uma maneira de evitá-lo. Há quem alegue que o imposto tampouco faria muito para impedir o comportamento daninho que causou a atual crise.
Quanto à alegação de que é impossível tributar transações financeiras: os modernos mercados são instituições altamente centralizadas.
Embora os operadores possam estar espalhados, a maioria das transações é liquidada -ou seja, paga- em uma instituição em Londres. Essa centralização serve para manter baixo o custo das transações, exatamente o fator que torna a especulação pesada possível. Mas também tornaria mais fácil identificar e tributar as transações em questão.
E quanto à alegação de que um imposto sobre as transações financeiras não estaria resolvendo o verdadeiro problema? É verdade que não teria impedido as instituições financeiras de realizar maus empréstimos, ou os investidores crédulos, de adquirir lixo tóxico lastrado por eles.
Mas os maus investimentos não são toda a história, na atual crise. O que transformou esses maus investimentos em catástrofe foi a excessiva dependência do sistema financeiro quanto a dinheiro de curto prazo.
Por volta de 2007, o sistema bancário dos EUA havia se tornado dependente de transações conhecidas como "repo", sob as quais instituições financeiras vendem ativos a investidores, mas prometem recomprá-los em curto prazo. Os prejuízos com os empréstimos hipotecários de risco ("subprime") e outros ativos deflagraram uma crise bancária porque solaparam esse sistema -houve "corrida aos "repo"".
E o imposto sobre transações financeiras, ao desencorajar a dependência de financiamento em prazo ultracurto, teria tornado uma corrida como essa menos provável. Assim, um imposto como esse teria ajudado a prevenir a atual crise -e pode nos ajudar a impedir uma futura repetição.
Será que um imposto Tobin resolveria todos os nossos problemas? Não. Mas poderia ser parte do processo de encolhimento de nosso inchado sistema financeiro. Quanto a isso, o governo Obama precisa libertar sua mente do jugo de Wall Street.
Paul Krugman , economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA).
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