De todo o conjunto de premiações da noite de terça-feira na festa anual do GLOBO do Faz Diferença, ficou a percepção de um país que vai para a frente, apesar de todos os percalços, e que pelo menos já identificou que sem investir em educação no seu sentido mais amplo - aí incluídas ciência e tecnologia - não realizará seu destino de grande Nação.
O melhor exemplo de mobilidade social se deu na pessoa de Getúlio Fidélis, coordenador do Invest, curso de preparação para o vestibular para alunos carentes do qual fez parte.
Vindo da Rocinha, ele hoje faz mestrado em Ciências Sociais e estava pisando no Copacabana Palace, local da festa, pela segunda vez na vida.
Na primeira, na qualidade de office-boy, para entregar uma correspondência a um hóspede. Ontem, para receber seu prêmio, nove anos depois, "de terno e gravata", como fez questão de frisar.
O fato de que nada menos que três cientistas tenham sido agraciados, inclusive com o prêmio principal dado ao neurocientista Miguel Nicolelis, foi comemorado pela comunidade científica como um reconhecimento da importância fundamental do setor para o desenvolvimento do país.
Um país que Nicolelis descreveu como "radiante", que afinal encontrou seu futuro no presente. O país tropical louvado por Nicolelis teve na premiação de Carlos Saldanha, autor do filme "Rio", seu intérprete, com a arara-azul protagonista do filme surgindo no telão reclamando um prêmio só para ela.
A percepção de que vivemos um momento especial no país, aliás, foi ressaltada em diversas oportunidades durante a cerimônia.
O empresário Eike Batista, premiado na categoria Economia, desenhou uma linha do tempo unindo os governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma como uma continuidade virtuosa que está levando o país a realizar seu destino de grande potência. Sexto homem mais rico do mundo, Eike se disse disposto a financiar projetos na área de ciência e tecnologia.
Essa continuidade de linhas de ação governamental, mesmo que separadas por práticas políticas distintas, era ressaltada nas conversas de bastidores, marcadas pelo acontecimento daquele dia, a visita do ex-presidente Fernando Henrique ao também ex-presidente Lula no Hospital Sírio-Libanês em São Paulo.
A imagem dos dois sorridentes refletia uma possibilidade de distensão política cujo caminho havia sido aberto pela presidente Dilma logo no início do seu governo, quando chamou o ex-presidente tucano para participar de cerimônias oficiais e reconheceu sua importância para o atual estágio de desenvolvimento do país.
A importância dada à educação e à ciência na premiação certamente não foi um acaso. Os diversos júris formados por jornalistas, e reforçados pelos votos dos leitores pela internet, estavam conectados com os anseios do país.
E não se diga que foi uma noite alienada da realidade, pois os temas tratados tinham a ver com o dia a dia da sociedade, desde os policiais que recusaram suborno para não prender o traficante Nem da Rocinha até Tião Santos, presidente da associação de catadores do lixão de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, principal personagem do documentário "Lixo extraordinário", de Vik Muniz, que também estava presente.
Mas o clima de felicidade e emoção não impediu que a realidade se impusesse. O neurocientista Stevens Rehen, coordenador do Laboratório Nacional de Células-Tronco (Lance) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde é feita grande parte das pesquisas sobre células-tronco embrionárias no país, registrou a necessidade de maior financiamento para as pesquisas e criticou os cortes sofridos no orçamento do setor, apesar de ressaltar que nunca se sentiu tão feliz profissionalmente.
A noção de que setores estratégicos como a pesquisa científica e a educação são fundamentais para "a hegemonia" do país perpassou diversos discursos, inclusive os referentes ao Rio de Janeiro, cujos problemas centrais, segurança e educação, foram destacados na premiação.
Os representantes do curso Invest, por exemplo, basearam seu agradecimento na certeza de que, através da educação em comunidades carentes, ajudarão a "mudar a História desse estado".
Um aspecto paralelo da festa que este ano se manifestou com mais intensidade foi o espírito familiar que dominou boa parte dos discursos de agradecimento.
O quilombola Damião Santos, que recebeu o prêmio de Educação, chamou a mulher e os pais ao palco para dividir a honraria com ele. "Não conseguiria nada sem a ajuda da minha família."
Também o catador Tião Santos chamou toda a família para o palco e ressaltou que viera de roupa esporte porque queria que seus irmãos "brilhassem muito mais" do que ele. "Eles trabalharam muito para fazer do lixo um luxo."
Tião e sua família, aliás, foram responsáveis pelas melhores frases da noite. Tião, entre lágrimas, disse que "reciclagem não é coisa de pessoa pobre, é de gente inteligente".
E um irmão seu, que estava de smoking, deixou um texto com o colunista Ancelmo Gois, que apresentou a cerimônia junto com Míriam Leitão. Ancelmo leu a primeira frase: "Difícil não foi viver no lixo. Difícil foi não virar lixo."
Os tenentes da PM Ronaldo Cadar e Disraeli Gomes, que recusaram suborno de R$ 1 milhão para que não revistassem o carro em cuja mala se escondia o traficante Nem da Rocinha, também colocaram a família em primeiro plano.
O tenente Disraeli disse: "Recebemos o prêmio pela moral, que não é a moral ensinada pela polícia, mas por nossos familiares."
Os pais do rapper Criolo receberam o prêmio por ele, assim como o representante de Neymar foi seu pai, e o de Carlos Saldanha, sua irmã.
FONTE: O GLOBO
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