As críticas do relator Joaquim Barbosa ao sistema penal brasileiro, feitas
no ardor de uma das muitas discussões com o revisor Ricardo Lewandowski,
explicam seu empenho em dar penas mais pesadas aos réus, tratando cada crime
separadamente, sem a preocupação de calcular a pena como um todo, no dizer do
revisor.
Lewandowski alega que vê "a floresta inteira" enquanto Barbosa
"olha apenas uma árvore", dizendo que o relator não tem uma visão
holística das condenações. Ao contrário, tudo indica que é a preocupação com a
pena total que leva o ministro Barbosa a ter o máximo rigor com cada um dos
crimes. Ele estaria, ao cuidar de cada árvore separadamente, querendo preservar
a floresta como objetivo final.
Quando Barbosa disse que, ao dar uma pena mínima para Marcos Valério em
certo crime, o revisor estava "barateando" a punição, pois o réu não
passaria mais que seis meses na cadeia, estava sofismando, como afirmou
Lewandowski, mas tinha o objetivo de manter Valério o maior tempo possível na
cadeia em regime fechado, evitando as brechas que o sistema penal brasileiro,
que ele, o "New York Times" e boa parte da opinião pública brasileira
consideram "risível", proporciona aos condenados.
A mesma coisa pode-se dizer quando Barbosa ironizou o pedido do advogado de
Ramon Hollerbach, sócio de Valério, para que fosse levado em conta o voto do
ex-ministro Cezar Peluso, que dera pena mínima a ele na lavagem de dinheiro.
Barbosa sugeriu que a pena mínima faria com que o crime prescrevesse, e vários
ministros reagiram afirmando que esse fato não tinha a menor importância e não
deveria ser levado em conta na hora de determinar a duração da pena.
Acontece que pela legislação brasileira, após o cumprimento de 1/6 da pena,
o condenado a mais de oito anos pode pedir a passagem do regime fechado para o
semiaberto. Embora a pena máxima a ser cumprida seja de 30 anos, o que conta
para o cálculo da progressão é o somatório (e não somatória como muitos juízes
dizem e eu escrevi aqui outro dia) das penas. Logo, se a pena de Valério for de
40 anos, somente depois de cumprir a pena em regime fechado por seis anos e
seis meses, ele poderá tentar a mudança para o regime semiaberto. No raciocínio
de Barbosa, se os ministros levarem em conta a pena máxima de 30 anos e
passarem a condenar os réus a penas mais baixas para não ultrapassar esse teto,
na prática estarão permitindo que condenados por crimes gravíssimos sejam
postos fora da cadeia em pouco tempo.
Na sua luta contra a impunidade, é certo, porém, que Barbosa, ao declarar-se
contrário ao sistema penal brasileiro em fala que sabia estar sendo transmitida
pela TV, não contribuiu para o fortalecimento institucional do país. Ao
contrário, pôs a opinião pública mais insegura diante da ordem jurídica, logo
ele, que hoje é tido como referência ética da nação e em breve estará
presidindo o STF, justamente a mais alta instância dessa Justiça que ele
critica.
Quando fez essa crítica, Barbosa citou o "New York Times" e deu-se
conta de que mexera com "os brios ultranacionalistas" de alguns
colegas, que na mesma hora disseram que vivemos no Brasil, temos que nos ater
às nossas leis. Dias Toffolli ressaltou que nos Estados Unidos há pena de
morte, o que não ocorre no Brasil. E Celso de Mello lembrou que a Noruega
condenara a apenas 20 anos o homem que assassinara várias pessoas recentemente.
Barbosa teve que explicitar seu ponto de vista, dizendo que era brasileiro,
gostava do Brasil e que estava lutando justamente para melhorar a legislação.
Mas não vai se livrar de críticas a seu voluntarismo por parte dos advogados
dos reús, que se preparam para, nos embargos, acusá-lo de ter atuado com o
intuito de condenar os réus. Quando ele critica nosso sistema penal e se põe
claramente a favor de penas mais duras, dá margem a que acusados vejam nele um
carrasco e não um juiz. Paralelamente, cresce na opinião pública a percepção de
que Barbosa é um juiz em busca da Justiça.
Resta acompanhar para ver qual será a influência da presidência de Barbosa
sobre o STF, pois, ao contrário dos Estados Unidos, onde o presidente da
Suprema Corte atua como mediador entre as correntes e tem cargo vitalício, o
presidente do STF tem o poder de induzir a pauta, lá e no Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), que preside também.
Fonte: O Globo
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