A mensagem é bem clara e provém do
próprio secretário geral do Partido Democrático italiano, Pier Luigi Bersani.
Em nome desse partido, num vídeo de pouco mais de um minuto, Bersani apoia – de
modo “firme e forte” – a candidatura de Fernando Haddad à prefeitura de São
Paulo, “a cidade mais italiana do mundo”. Antes de mais nada, uma manifestação
desse tipo é um bem-vindo sinal dos tempos. A política agora tem um horizonte
cosmopolita, e é por todos os aspectos saudável que o representante de um importante
partido progressista, como o PD italiano, se manifeste a propósito de uma
eleição municipal, e mesmo de um município específico, num país geograficamente
distante, como o nosso. Não é preciso mencionar os laços entre Brasil e Itália
para justificar a intervenção de Bersani – ela vale por si mesma, encontra em
si o próprio motivo de justificação.
Menos compreensível é uma tomada de
posição dessa natureza, abertamente a favor de um dos candidatos, certamente o
favorito. Não que a manifestação do PD possa decidir definitivamente o
resultado e definir o vencedor de uma vez por todas. É difícil até imaginar um
cenário em que isso pudesse acontecer. No entanto, a manifestação de Bersani
tem alto valor simbólico, pelo respeito que nutrimos à trajetória que conduziu
do PCI ao atual PD, uma experiência singular de partido pós-comunista, no qual
programaticamente se reúnem diferentes forças do moderno reformismo, de
inspiração socialista e de inspiração católica. Este partido não nos é
indiferente e é ainda nele que buscamos alguns instrumentos para pensar esta
nova etapa do mundo, sem abdicar da reflexão original sobre as coisas
brasileiras e sua projeção cada vez maior no mundo globalizado.
Bersani, sem dúvida, exagera ao tomar
partido. Em São Paulo, assim como em várias outras cidades, não se tem o
clássico conflito entre direita e esquerda, mas entre duas almas da
social-democracia. Uma, a que se reúne em torno da candidatura Serra, enfrenta
dificuldades de inserção social orgânica, mas mantém intacto o compromisso com
os valores republicanos e democráticos que nos são essenciais; a outra, que não
se reconhece como tal, mesmo tendo a hegemonia na vida política brasileira
desde 2002, costuma conceber esta mesma hegemonia de um modo organicista, dando
espaço a algumas das piores tendências autoritárias da esquerda: exatamente
aquelas que, com o auxílio do PCI e agora do PD, aprendemos em grande parte a
detestar e a combater, porque nocivas à causa da democratização das nossas
sociedades.
Bersani é um político de respeito,
cultor das liberdades e do Estado democrático. Sabe avaliar bem o peso de
decisões recentes do governo brasileiro, como a de acolher um terrorista “de
esquerda” dos anos de chumbo italiano. A nosso ver, esta não foi uma atitude
isolada, mas expressão de um modo de ser e de enxergar as coisas e os homens.
Uma desautorização póstuma da política dos últimos grandes líderes do comunismo
do século XX, como Togliatti e Berlinguer. Bersani também não ignora o peso das
recentes condenações, por parte do STF, de parte conspícua do grupo dirigente
do PT, bem como não desconhece a reação estridente do petismo ao funcionamento
absolutamente regular de uma das instâncias de poder em qualquer democracia
digna do nome. É uma pena que não tenha considerado todos estes aspectos, que,
sem dúvida, o teriam levado a matizar o apoio drástico a um dos candidatos,
assumindo suas razões de modo integral.
A conjuntura era outra e muito mais
grave, de modo que comparações são sempre complicadas e só podem ser feitas
obedecendo-se a todas as ressalvas. Dito isso, não custa lembrar que, nos anos
1970, o PCI apoiava forças e personalidades da luta armada contra o regime
ditatorial no Brasil, prejudicando, mesmo que só simbolicamente, a dura luta de
resistência democrática levada a cabo, entre outros, pelo velho PCB. Era,
repetimos uma conjuntura terrivelmente pior, sem comparação com o regime de
liberdades que vigora desde a Carta de 1988, mas de certa forma há aqui um
parentesco a ser assinalado: nem sempre a sabedoria da esquerda italiana é
suficiente para compreender, na sua totalidade, as vicissitudes da política
brasileira. Esta é uma lacuna que deveríamos nos preocupar em reduzir nos
próximos anos, para o bem da Itália e do Brasil.
Luiz Sérgio Henriques, ensaísta, tradutor, editor do site
Gramsci e o Brasil e vice-presidente da Fundação Astrojildo Pereira.
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