O fim do voto secreto em processos de cassação só deve ser aprovado pelo Congresso depois de decidido o destino dos deputados condenados pelo Supremo no julgamento da Ação Penal 470
Fim do voto secreto só se for na marra
Especialistas alertam: a aprovação da PEC sobre sigilo nas votações depende de negociação com maioria dos deputados, que são contra o texto
Paulo de Tarso Lyra, Renata Mariz e Adriana Caitano
Os discursos favoráveis de líderes partidários da Câmara e de parlamentares de diversas legendas pelo fim do voto secreto para os casos de cassação de mandatos não afastam a necessidade de uma negociação cuidadosa para que a matéria seja aprovada. Mesmo após a fatídica noite na qual o plenário manteve o mandato de Natan Donadon (sem partido-RO), apesar de estar preso por formação de quadrilha e peculato, lideranças políticas lembram que são necessários dois terços dos votos em plenário para acabar com o sigilo nas decisões. "A votação do Donadon mostrou que não somos nós que temos o quórum qualificado (maioria na Casa). São eles (os que defendem a manutenção das coisas como estão)", afirmou o líder do DEM, Ronaldo Caiado (GO).
A preocupação de Caiado procede. Donadon acabou absolvido após uma conjunção de fatores que envolveram o PMDB, o PT, os evangélicos e parlamentares do baixo clero, pouco dispostos a mudar qualquer situação que lhes seja desfavorável. A própria tramitação da proposta na Casa mostra a tendência à letargia. A proposta de emenda constitucional aprovada pelo Senado chegou à Câmara em julho do ano passado e foi encaminhada para a Comissão de Constituição e Justiça em 14 de agosto de 2012. Mesmo com um relatório elaborado pelo deputado Alessandro Molon (PT-RJ) em novembro do ano passado, o texto só foi aprovado pelos deputados na CCJ no final de junho, após a pressão das ruas.
"O espírito corporativo prevalece sobre a visão da sociedade e da Justiça", Ricardo Caldas, cientista político
"O voto secreto é uma ferramenta para garantir os benefícios a grupos econômicos, os interesses particulares e as negociações escusas", Pedro Abramovay, mestre em direito e professor da FGV Direito Rio
A etapa seguinte também emperrou. Era necessária a criação de uma comissão especial para analisar o texto. Durante reunião de líderes, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), pediu que os líderes partidários indicassem os nomes. "Henrique, você sabe o que eu penso sobre isso. Não vou indicar ninguém", teria dito o líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), segundo relato dos presentes. O PT acompanhou a movimentação e a comissão só foi instalada porque Henrique Alves, usando uma prerrogativa presidencial quando o prazo de indicações dos nomes expira, nomearia o próprio Cunha e o líder do PT, José Guimarães (CE), para compor o colegiado, o que forçou a indicação dos representantes do PT e do PMDB.
Mensaleiros
Um cacique político da Câmara, no entanto, acredita que exista uma maioria para aprovar o voto aberto nos casos de cassação. Mas que é fundamental uma margem mais segura para análise da matéria. Principalmente porque a nova regra valerá para a cassação dos quatro deputados mensaleiros — João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) —, além do senador Ivo Cassol (PP-RO), condenado pelo STF a quatro anos e oito meses de prisão por fraudes em licitações. "Os defensores do voto secreto se misturam e se protegem, eles estão espalhados por todos os partidos. Como o quórum é qualificado (308 votos em plenário), a situação não é tão simples", admitiu o experiente parlamentar.
Para o líder do PSDB na Câmara, Carlos Sampaio (SP), a votação do processo de Donadon derrubou os argumentos para a manutenção do voto secreto no caso de cassações. "Não há mais nenhum obstáculo para a aprovação da matéria. A votação de Donadon foi o nosso limite para a automutilação", disse o deputado tucano. Mais cauteloso, o cientista político Benício Schmidt, da Universidade de Brasília (UnB), acredita que o voto secreto seja um instrumento para viabilizar negociações entre os parlamentares. "Eles se protegem, trocam favores, acertam posições. Não há motivação para acabar com esse instituto entre eles", destaca.
Para o especialista, o caso do mensalão tende a aumentar ainda mais a resistência de deputados e senadores em abrir os seus votos. "Ficou todo mundo em alerta. Eles sabem que, com o voto secreto, podem fazer o jogo duplo: "vou lá, defendo punição, ética, mas voto conforme os meus interesses, sem que ninguém saiba disso"", diz Schmidt.
Ao mesmo tempo, o cientista político acredita que o desgaste causado pela manutenção do mandato de Donadon pode servir para pressionar o Congresso a votar a matéria. A cobrança popular deve se estender também ao Palácio do Planalto, observa Schmidt. "É bom lembrar que o governo se beneficia do voto secreto quando tem matérias de interesse na pauta."
Na avaliação de Ricardo Caldas, o resultado sobre o mandato de Donadon evidenciou, sem qualquer equívoco, o que vale mais para deputados e senadores. "O espírito corporativo prevalece sobre a visão da sociedade e da Justiça", resume o cientista político, ao lembrar que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela suspensão dos direitos políticos do deputado de Rondônia.
Para Pedro Abramovay, ex-assessor jurídico do Ministério da Justiça e professor da FGV Direito Rio, são muito claras as razões pelas quais não há vontade política para acabar com o segredo nas deliberações do Congresso. "O voto secreto é uma ferramenta para garantir os benefícios a grupos econômicos, os interesses particulares e as negociações escusas", critica.
Abramovay considera importante que a população cobre a votação do projeto que acaba com o voto secreto — já aprovado no Senado e atualmente na Câmara. "Todos os deputados que não se empenharem para aprovar essa proposta devem ser cobrados e responsabilizados pela decisão de manter o mandato do Donadon."
O caminho até a aprovaçãoConfira como é a lenta e árdua tramitação da PEC do Voto Secreto na Câmara
- A PEC do senador Álvaro Dias (PSDB-PR) que extingue o voto secreto nos casos de cassação de mandato chegou à Câmara em 10 de julho de 2012
- A proposta seguiu para a Comissão de Constituição e Justiça para análise em 14 de agosto de 2012
- O deputado Alessandro Molon (PT-RJ) apresentou o relatório em 8 de novembro de 2012
- O relatório foi aprovado em 26 de junho de 2013
Já a comissão especial para analisar a matéria foi criada em 20 de agosto de 2013
Pelo regimento, são necessárias 40 sessões de discussão o que, em tese, estende para o fim de novembro a previsão de votação. O relator da comissão especial, deputado Vanderlei Macris (PSDB-SP), avalia que é possível votar até o fim de setembro
Para aprovação do texto, são necessários pelo menos 11 votos (maioria simples dos 21 deputados que compõem o colegiado)
Caso seja aprovada, a proposta vai a plenário. A votação será feita em dois turnos e precisa de quórum qualificado (308 deputados favoráveis à aprovação).
Se não houver alterações, a PEC será promulgada. Caso seja aprovada qualquer emenda — por exemplo, estender o voto aberto para outras votações na Casa, com as eleições para a Mesa Diretora —, o texto voltará para o Senado
Suspensão de salário
O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), corroborou ontem, em resposta ao Supremo Tribunal Federal, a avaliação de que o deputado Natan Donadon (sem partido-RO) deve perder o salário e as verbas relativas ao cargo que ainda exerce. Na última quarta-feira, Donadon, que está preso após ser condenado a 13 anos e quatro meses por peculato e formação de quadrilha, manteve o mandato depois de o plenário rejeitar o pedido de cassação — foram 233 votos favoráveis à punição, mas eram necessários 257.
Para Henrique Alves, mesmo tendo mantido o mandato, Donadon perde direito aos benefícios por não estar no pleno exercício da função. "Efetivamente, o subsídio recebido pelo deputado federal, inclusive conforme já decidido nesse excelso pretório, é a justa contraprestação ao trabalho decorrente da atividade parlamentar. A dita verba de gabinete decorre da necessidade de dotar os senhores deputados se servidores que possam assessorar. Não é razoável e eficiente manter-se uma estrutura que só tem sentido ante a presença do titular."
Ontem, após evento na Associação Comercial do Rio de Janeiro, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, criticou a decisão da Câmara. "Lamento muito que estejamos diante desse impasse constitucional absurdo e incontornável", comentou, ao fazer referência ao debate em que se questiona se casos de perda de mandato após condenação devem ser submetidos ao plenário ou apenas referendados pelo Legislativo. Barbosa defendeu que o parlamento aprove a PEC que deve tornar automática a cassação de condenados criminalmente.
Fonte: Correio Braziliense