quarta-feira, 18 de setembro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Fernando Henrique Cardoso: as fragilidades da República

"Até pouco essas fragilidades da República, das instituições, embora percebidas, não encontravam contestação mais ampla. Os setores politizados da sociedade criticavam-nas, mas na medida em que os governos ampliavam os mecanismos de integração social e que os interesses organizados conseguiam ser corporativamente atendidos, a crise institucional limitava-se aos círculos do poder. A própria dinâmica da sociedade, a urbanização abrangente, o aumento no fluxo de rendas e a mobilidade social por ele gerada e, principalmente, as novas tecnologias de comunicação que conectam as pessoas dispensando organizações e lideranças formais, estão dando os primeiros sinais de que há algo mais grave do que as crises habituais entre Congresso, Executivo e sociedade. Essas até agora eram circunscritas ao que chamamos de “opinião pública”, que desde o Império funcionava separada da “opinião nacional”. Estamos assistindo aos primórdios da fusão entre uma e outra opinião. A ampliação da democracia e da liberdade de informação choca-se com as insuficiências da República. À inadequação das instituições acrescenta-se sua desmoralização, agravada por episódios de corrupção. Produz-se assim uma conjuntura em que demos e res publica se desencontram. Não se vê lideranças que falem forte e sejam ouvidas para evitar recaídas nos tormentos da incerteza quanto a nosso destino nacional.

Dito noutras palavras, esboça-se entre nós, como em outros países, uma crise da democracia representativa. Não faltarão forças que desejem dela se aproveitar para proclamar a morte de Locke, de Montesquieu, dos Federalistas e de todos os que sonharam em buscar caminhos de maior igualdade sem matar as liberdades nem compactuar com formas plebiscitárias de mando que, sob o pretexto de voltarem a Rousseau, se esquecem das recomendações de Marx que desejava o socialismo como herdeiro das conquistas liberais do Século das Luzes e não como seu coveiro."

Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e ex-presidente da República. Extraído do discurso de posse de FHC na Academia Brasileira de Letras, em 10/09/2013.

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