Especialistas avaliam que mobilização não foi acompanhada pela atenção à burocracia
Paulo Celso Pereira, Carolina Brígido e Isabel Braga
BRASÍLIA - Enquanto os criadores do PROS e do Partido Solidariedade esqueceram a ideologia e, agindo com o regulamento debaixo do braço, garantiram a oficialização de suas legendas nesta semana, a ex-senadora Marina Silva passou os dois últimos anos rodando o país, mobilizando milhares de apoiadores em amplos debates sobre a política nacional e o meio ambiente, mas corre o risco de ficar sem sua Rede Sustentabilidade a tempo de disputar as eleições de 2014. O motivo, segundo vários juristas e até um ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é a demora em iniciar a coleta de assinaturas.
Para dimensionar, o obscuro PROS iniciou a coleta de assinaturas ainda em 2010 e chegou ao TSE com mais de meio milhão delas validadas. Idealizado por um grupo de deputados e capitaneado pelo presidente da Força Sindical, deputado Paulo Pereira da Silva, o Solidariedade busca assinaturas de apoio desde outubro do ano passado. Para garantir as mais de 495.000 assinaturas validadas entregues ao TSE há um mês, contou com a coordenação de um advogado que já tinha criado outros seis partidos e a ajuda de integrantes da Força – segunda maior central sindical do país. Após mais de um ano envolvida no Movimento por uma Nova Política, Marina e seus seguidores começaram de fato a coletar apoios à Rede Sustentabilidade apenas em fevereiro deste ano.
- Talvez tenha ficado um pouco em cima do laço. Agora, ela está correndo contra o relógio - avalia o ministro Marco Aurélio Mello.
Em caráter reservado, a demora no início da coleta de assinaturas é apontada por outros ministros do TSE como razão da dificuldade que encontra agora para cumprir o número mínimo previsto em lei Para alguns, não seria o caso de culpar os cartórios eleitorais que não validaram parte dos apoiadores.
- É função do cartório eleitoral conferir as assinaturas, e assim fizeram para todos os partidos - disse um ministro do TSE.
Outro ministro acrescentou:
- Tentar correr para obter as assinaturas é difícil. Existe uma burocracia, que tem que ser corrigida, mas todos enfrentaram.
Aos seis dos sete ministros do TSE que visitou nos últimos dias, Marina disse que os cartórios não justificaram a recusa de 95 mil assinaturas. No tribunal, não há consenso sobre a necessidade da justificativa dos cartórios. Marco Aurélio Mello, por exemplo, acha que, se os cartórios fossem explicar os motivos de cada recusa, as listas de assinaturas demorariam muito para ser liberadas. Outro ministro que não quis se identificar considera obrigatória a justificativa por parte dos cartórios eleitorais. Esse, inclusive, deverá ser o debate que norteará a discussão da criação da Rede Sustentabilidade na próxima semana.
A contabilidade final, com os números de assinaturas certificadas da Rede Sustentabilidade serão apresentados, no início da próxima semana, para secretaria judiciária do TSE. Pela regra, as fichas coletadas pelos que querem criar um partido são levadas aos cartórios eleitorais, que conferem os dados, dizendo quantas estão válidas entre o total apresentado.
Alguns ministros, em conversar reservas, rechaçam o peso de estar tirando de Marina Silva o direito de concorrer em 2014. Lembram que se a Rede não puder ser criada agora, ela poderá concorrer por um dos 32 partidos existentes. Marina terá até a próxima sexta-feira para escolher uma outra legenda.
A ex-senadora esteve com a ministra Luciana Lóssio, completando assim o périplo pelos gabinetes de todos os integrantes da corte que devem participar do julgamento do partido na próxima semana. Afirmou que a Rede não está em busca de uma diminuição no rigor do tribunal
- Não nos preocupamos com aqueles que estão dizendo que são rigorosos. Isso é inteiramente compatível e vem ao encontro do mesmo rigor que tivemos. Descartamos 220.000 assinaturas e encaminhamos o nome de todas as pessoas que apoiaram a Rede Sustentabilidade para evitar a duplicidade - disse Marina:
- O rigor que os ministros têm, e não pode ser diferente, nós também o tivemos exatamente porque queremos que os fins estejam inteiramente alinhados com os meios.
Miro Teixeira critica cartórios
O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) comprou a causa de Marina e defende, com veemência, o direito da Rede de obter o registro. Para ele, quem não cumpriu com o dever foram parte dos 1,8 mil cartórios eleitorais que demoraram a certificar as assinaturas e não apresentaram justificativas para rejeitar 95 mil delas.
Ele enfatiza que, com a ajudar de milhares de jovens que acreditam na Rede, mais de 900 mil assinaturas foram coletadas em todo o país e o caráter nacional da nova legenda está demonstrado.
- Não é jeitinho que se pede, é justiça. Marina fez quase um milhão de assinaturas em 7 meses. Fez a triagem e entregou 680 mil assinaturas. É impressionante o volume de provas que ela tem das assinaturas.O inadimplente dos prazos são os cartórios, que são órgãos da Justiça eleitoral. Acima da lei está a Constituição do país - disse Miro, acrescentando:
- Como o tribunal vai decidir, não sei, mas a certeza do direito me leva a lutar pela Marina, ao lado de outros como Simon e Freire.
Em 2011, logo depois de anunciar sua saída do PV, Marina passou a rodar construindo o autointitulado Movimento por uma Nova Política, em entrevista chegou a dizer que o importante não era criar o partido para concorrer à eleição. “Partido se cria quando existe um projeto, uma visão política e princípios comuns. Eleição é apenas um dos aspectos da política, que deveria ser exercida, inclusive com mais intensidade, nos intervalos entre os pleitos. É neste momento em se adensam as propostas e os compromissos. No futuro, se parte desse movimento que criamos tiver densidade e profundidade para virar um partido, as pessoas que quiserem poderão até fazê-lo. Será interessante, porque inverterá uma lógica bastante comum hoje: em vez de um partido vampirizando os movimentos, será um partido fortalecendo as causas de um movimento: sustentabilidade e ética na política”, disse Marina em 2011, ao site da Revista Veja.
Fonte: O Globo
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