Volta e meia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugere deter informação de cocheira capaz de jogar por terra a tese do mensalão, reconhecida no Supremo Tribunal Federal como um esquema de compra de votos em troca de apoio político no Congresso. Lula faria um favor aos camaradas condenados à cadeia se procurasse a Justiça e contasse o que sabe e que lhe dá tanta certeza para afirmar que o mensalão nunca existiu, ou parar de fazer insinuações como fez no último domingo, inclusive em relação a ministros do STF, em entrevista aos Diários Associados.
Como sempre, Lula sugeriu que a verdade sobre o mensalão um dia será revelada. "A história não é contada no dia seguinte, a história é contada 50 anos depois", disse o ex-presidente aos repórteres Tereza Cruvinel e Leonardo Cavalcanti. "E eu acho que a história vai mostrar que mais do que um julgamento, o que nós tivemos foi um linchamento, por uma parte da imprensa brasileira, no julgamento". Ato seguinte, o próprio Lula toma a iniciativa de trazer o Supremo à colação: "Eu tenho me recusado a falar disso porque sou ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento acabar".
Pode ser, mas boa parte do PT duvida. Nas bolas divididas entre o PT e Lula, sempre sobrou para a companheirada. Se alguém não se lembra, foi Lula quem batizou de "aloprados" os autores de um dossiê falso contra integrantes do PSDB, às vésperas das eleições de 2006. Entre os "aloprados" havia gente da copa e cozinha do ex-presidente. Na mesma entrevista, Lula refere-se ao episódio como vítima e não como uma tentativa desastrada do PT de incriminar os adversários. "Todo o mundo sabe o que aconteceu na véspera da eleição, quando o delegado da Polícia Federal mentiu que tinham roubado a fita, sendo que ele mesmo fez entrega para quatro jornalistas".
Lula é metamorfose ambulante quando assunto é mensalão
Lula refere-se ao CD com as fotos do dinheiro que seria usado para a compra do falso dossiê, pelos "aloprados", que supostamente incriminaria os então candidatos do PSDB José Serra (ao governo de São Paulo) e Geraldo Alckmin (a presidente da República) num esquema de desvio de verbas do Ministério da Saúde. É verdade que o CD vazou para jornalistas, às vésperas do primeiro turno da eleição. Certamente por motivação política. Mas o fato é que havia gente próxima de Lula armando contra o PSDB.
Lula diz que pretende ser uma "metamorfose ambulante" na campanha de Dilma à reeleição. Mas o ex-presidente sempre é um camaleão, quando trata de mensalão. Desde que o esquema de compra de votos da Câmara foi denunciado pelo ex-deputado Roberto Jefferson, em 2005, Lula tem uma versão do escândalo para cada circunstância. Um ou dois meses depois da entrevista de Jefferson, quando ficou patente que uma dinheirama rolara entre o PT e os partidos aliados, Lula tratou de transferir a responsabilidade para o PT.
Numa entrevista concedida em Paris, o ex-presidente falou pela primeira vez da denúncia. "O que o PT fez do ponto de vista eleitoral é o que é feito no Brasil sistematicamente", afirmou. Ou seja, caixa 2 de campanha. "Não é por causa do erro de um dirigente ou de outro que você pode dizer que o PT está envolvido em corrupção", arrematou Lula.
Antes de melhorar, as coisas piorariam para o governo Lula da Silva, depois da declaração de Paris. O ex-presidente então deu outra declaração na qual dizia ter sido traído em sua confiança. Compungido, um Lula da Silva chegou a pedir desculpas aos brasileiros. No ar ficou - e ainda está - a pergunta: de quem o ex-presidente Lula falava ao dizer que fora traído.
Lula, como é de domínio público, deu a volta por cima, se reelegeu em 2006 e deixou o Palácio do Planalto, em 2010, com impressionantes 83% de aprovação da opinião pública, segundo os institutos de pesquisa. Bem visto no Brasil e no exterior, mas com a mancha do mensalão marcada feito tatuagem em seu governo, próximo de sair avisou que não iria descansar até mostrar a verdade sobre a denúncia, que iria dedicar todo seu tempo a essa empreitada. Dedicou nada. É bem verdade que esteve doente. Pouco antes do início do julgamento foi a uma reunião com o ministro do STF Gilmar Mendes. Conversa que o juiz interpretou como pressão para votar a favor dos mensaleiros.
Lula voltou a tratar do assunto em agosto de 2012, com o julgamento já em andamento no Supremo. Em entrevista ao jornal New York Times disse acreditar que "o mensalão nunca existiu", pois seu governo não precisaria comprar votos em troca de apoio porque possuía maioria parlamentar no Congresso. Mas disse que respeitaria a decisão do Supremo e demonstrou grandeza em relação ao veredito a ser dado pelo STF: "Caso alguém seja culpado, deverá ser punido e se alguém for inocente, deverá ser absolvido", afirmou.
No lançamento da candidatura do deputado Rui Falcão a presidente do PT, em agosto último, voltou à cena o Lula que se declarou traído, logo após a denúncia de Jefferson, quando também falava em "cortar na própria carne". Num pronunciamento de pouco mais de 20 minutos, Lula disse: "Nós petistas conquistamos o direito de andar de cabeça erguida nesse país, de ter orgulho da nossa camisa vermelha, da nossa estrela".
Os principais implicados do PT no mensalão, como José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, foram excluídos da chapa de Falcão. Não é à toa que se reconheceram no trecho seguinte da fala do ex-presidente: "E quando alguém nosso errar, nós mesmos punimos. Nós não precisamos que os outros venham dar lições na gente. Não precisamos que formadores de opinião pública fiquem ditando regra daquilo que a gente sabe fazer e muito bem".
Lula diz agora que teria "mais critério" na indicação dos ministros do STF. O que Lula afinal esperava dos ministros que indicou para o Supremo Tribunal Federal, como o ministro Joaquim Barbosa, seu atual presidente e relator da Ação Penal 470, que condenou os réus do mensalão? Como sempre, Lula insinua, tenta ficar bem com os companheiros e não diz nada. Se é que há algo a dizer.
Fonte: Valor Econômico
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