terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Flores do mal eleitoral - Tereza Cruvinel

Se o STF acolher amanhã a ação da OAB contra as doações de empresas às campanhas eleitorais, o Congresso terá mais uma vez sido atropelado, sem direito a reclamar

Sempre que o Congresso se omite na solução de um problema, ele acaba sendo resolvido de outro modo. Frequentemente, pelo Judiciário. Seguem-se as queixas de invasão da competência legislativa, mas, quando já é chegado o tempo de uma solução, os reclamos caem no vazio. É o que pode acontecer amanhã, com o julgamento pelo STF da ação direta de inconstitucionalidade (Adin) movida pela OAB contra os dispositivos legais que permitem as doações de empresas privadas a partidos e campanhas eleitorais. Os ministros da mais alta Corte devem saber que essas doações estão na origem da maior parte dos casos de corrupção ou delinquência política que acabam chegando lá. Os que, nas ruas, reclamam da qualidade da representação precisam saber que, enquanto os parlamentares deverem o mandato mais ao financiador do que ao eleitor, não haverá mudança nas práticas políticas.

A Adin 4650, da OAB, que tem como relator o ministro Luiz Fux, foi apresentada há mais de dois anos. Ela vai direto ao ponto, pedindo ao STF que declare inconstitucionais o artigo 24 da atual lei eleitoral (Lei nº 9.504/97), que permite a doação de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais, do artigo 31 da Lei nº 9.096/95, autorizando as mesmas doações aos partidos políticos, disciplinando ainda, temporariamente, com base em outros dispositivos, as doações de pessoas físicas e o uso de recursos próprios pelos candidatos (ambos limitados a 10% da renda anual), até que venha solução definitiva, devendo o Congresso ser "instado" pelo Supremo a editar legislação neste sentido.

O presidente da OAB, Marcus Vinicius Coêlho, fará amanhã perante a Corte a defesa oral da iniciativa patrocinada pela Ordem. "As pessoas jurídicas são entidades artificiais. Não são cidadãos e, por isso, não possuem a legítima pretensão de participarem do processo político-eleitoral", diz ele. O atual sistema de financiamento, acrescenta, "exacerba as desigualdades políticas e sociais ao permitir que os ricos, por si ou pelas empresas que controlam, tenham uma possibilidade muito maior de influírem nos resultados eleitorais. Na prática, são poucos os doadores e estes fazem contribuições expressivas, conseguindo manter relações muito próximas com os candidatos que patrocinam".

Pode-se acrescentar que, por causa de tais relações "muito próximas", os financiadores acabam capturando os mandatos e pedaços do próprio Estado. Pois há um pacto tácito nesse jogo, pelo qual toda doação acabará sendo retribuída por meio de contratos com o Estado para o fornecimento de bens ou execução de serviços. E isso não começou ontem nem anteontem. Assim vem sendo desde a República Velha.

É no modelo de financiamento de campanhas e no desenho do sistema eleitoral que surgem os impasses sempre que o Congresso tenta aprovar uma reforma política. Alguns partidos (como o PT) querem o financiamento exclusivamente público, outros alegam que isso não acabaria com o financiamento privado clandestino, o famoso caixa dois, outros defendem as doações privadas apenas para pessoas físicas, como parece estar implícito na proposta da OAB. Na ausência de acordo, a reforma nunca sai.

Pode ser que amanhã o STF não chegue a um decisão sobre o assunto, embora já tenha feito uma audiência pública meses atrás. A Corte que acaba de julgar o mensalão, reivindicando o julgamento como grande contribuição à moralização da política, sabe que tudo se repetirá se a legislação não mudar. Os ministros sabem que as transferências irregulares do valerioduto para os partidos aliados do PT não foram feitas para comprar o voto de sete deputados não petistas, pois não formariam a maioria. Sabem que aquilo tudo foi um grande e desastrado compartilhamento de caixa dois. Agora, podem dar uma contribuição mais perene ao sistema, que os dispensará de julgar novas ações penais. Mas aqui vamos conhecer os limites do Supremo. O artigo 16 da Constituição Federal estabelece que normas eleitorais só produzirão efeitos se aprovadas um ano antes do pleito. Se decretar agora a inconstitucionalidade dos dispositivos legais contestados pela OAB, isso valerá para 2014? É preciso que isso fique logo claro, pois havendo mudança de tal envergadura, os partidos precisam se preparar para disputar em uma situação inteiramente nova. Mais provável é que o STF adote uma solução gradualista, determinando mudanças no financiamento de campanhas para 2016. Talvez com isso o Congresso acorde e faça ele mesmo as reformas essenciais ao sistema político, que hoje são fundamentais à sua própria redenção como poder. E, com isso, teremos em 2014 uma disputa radicalizada sob as velhas regras no que diz respeito ao dinheiro. Passado o pleito, virão a vingança, as denúncias, os escândalos.

Milagre de Mandela
Não foi a primeira vez que a presidente Dilma Rousseff reuniu todos os ex-presidentes para um ato ou evento de Estado, para lá de governamental, como na instalação da Comissão da Verdade. Agora, entretanto, a campanha já está muito próxima e parecia pouco provável que todos aceitassem. Especialmente Fernando Henrique, que vem batendo muito duro no governo e no PT, em seus artigos na imprensa. Nesse caso, foi a dimensão de Mandela que prevaleceu sobre as razões de cada um para evitar o prolongado encontro no avião presidencial. Uma viagem que por si já é um fato político. Dilma deve ter lavrado um tento no imaginário popular com a fotografia de ontem, ao lado de todos eles antes do embarque, afora o fato de ser uma das oradoras nas exéquias de Madiba.

Fonte: Correio Braziliense

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