segunda-feira, 28 de abril de 2014

Petrobras ignorou restrições da refinaria de Okinawa

André Borges e Fábio Brandt – Valor Econômico

BRASÍLIA - A aquisição da refinaria americana de Pasadena não foi o único negócio polêmico feito pela Petrobras em sua incursão internacional. A compra da refinaria de Okinawa, no Japão, em 2007, um ano após a negociação de Pasadena, também é dona de um histórico de resultados frustrados e, principalmente, de promessas de produção que hoje, como admite a estatal, não tinham como serem cumpridas, por conta de restrições técnicas e imposições ambientais feitas pelo próprio governo japonês.

A Petrobras comprou uma fatia de 87,5% na refinaria japonesa Nansei Sekiyu Kabushiki Kaisha (NSS), localizada na ilha de Okinawa, ao custo de US$ 52 milhões. A transação foi fechada com a Tonen General Sekiyu, uma subsidiária da ExxonMobil. A refinaria - como informou à época da aquisição e sustentou até hoje - teria capacidade de produção de 100 mil barris por dia, a mesma capacidade de Pasadena, do Texas. Era essa capacidade de refino que, teoricamente, justificava os investimentos da Petrobras na região. Em abril de 2008, a estatal, então presidida por José Sergio Gabrielli, chegou a anunciar que a planta estava produzindo 35 mil barris por dia, mas que iria "aumentar gradativamente a produção até a carga máxima, visando, além do mercado japonês, chegar a Cingapura, Vietnã e Malásia, entre outros".

O fato é que, por restrições ambientais e técnicas da refinaria e regras de segurança impostas pelo Japão, a Petrobras já sabia que Okinawa não tinha como atingir a capacidade de 100 mil barris. Essa condição limitada, nunca declarada pela estatal, acaba de ser reconhecida pela Petrobras. Questionada sobre o assunto, a companhia informou ao Valor que, "apesar da capacidade nominal da refinaria ser de 100 mil barris por dia (bpd), o processamento máximo é de 53 mil bpd, em obediência aos limites definidos por lei local relacionada a impactos ambientais".

O histórico da carga efetivamente processada pela refinaria desde que a Petrobras entrou na operação confirma essas limitações. Em 2009, a produção de Okinawa foi de apenas 45 mil barris por dia. Em 2010, esse volume caiu para 41 mil barris. Nos três anos seguintes, registrou resultados de 47,5 mil, 50 mil e 39 mil bpd, respectivamente.

Apesar de sempre ter divulgado a informação de que havia adquirido uma refinaria com capacidade de refinar 100 mil barris por dia - conforme pode ser constatado em todos os relatórios anuais publicados pela estatal desde a aquisição - a Petrobras afirmou, por meio de nota, que "a valoração para compra desta refinaria" teria se baseado no processamento máximo de 50 mil barris por dia. O Valor procurou o Palácio do Planalto, que não quis comentar o assunto.

A negociação de Okinawa passou pelo crivo dos mesmos executivos e conselheiros que aprovaram a compra de Pasadena: Gabrielli era o presidente da estatal, enquanto Dilma Rousseff, à época na Casa Civil, respondia pela presidência do Conselho de Administração da Petrobras. Nestor Cerveró, acusado pela presidente Dilma e por Graça Foster, atual presidente da empresa, de ter omitido cláusulas importantes no negócio de Pasadena, também respondia pela diretoria internacional. A diretoria executiva contava ainda com Graça Foster na divisão de gás e energia e, à frente da diretoria de abastecimento, o ex-executivo Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal na operação que investiga lavagem de dinheiro na estatal.

Assim como ocorreu em Pasadena, o contrato de Okinawa continha a cláusula "put option", que prevê regras de saída de um sócio de um negócio. A sócia da Petrobras na refinaria, a trading Sumitomo, que tinha 12,5% da operação, exerceu a cláusula put, assim como fez a belga Astra Oil em Pasadena. Em abril de 2010, a Petrobras adquiriu a participação da Sumitomo na refinaria. A transação foi concluída em outubro daquele ano pelo custo de US$ 29 milhões, valor que, até agora, não tinha sido revelado pela estatal.

Depois de gastar US$ 81 milhões em Okinawa, a Petrobras ainda investiu mais US$ 111 milhões na planta. Foram gastos, portanto, pelo menos US$ 192 milhões em operação que nunca realizou aquilo que prometia a compra da refinaria: a ampliação da capacidade até 100 mil barris por dia.

Em 2010, a estatal chegou a contratar plano de readequação de Okinawa que ajudaria a refinaria a se preparar para o processamento do petróleo pesado extraído no Brasil. O projeto seria executado pela Odebrecht. Pelo contrato, seriam desembolsados mais US$ 91,3 milhões na refinaria. O plano acabou abortado em 2012 pela presidente da Petrobras, Graça Foster, que decidiu excluir o Japão do contrato com a construtora.

As ambições da Petrobras previam a popularização do etanol na Ásia. Em 2009, a estatal chegou a iniciar a produção da gasolina com 3% de etanol no Japão, em parceria com a Japan Alcohol Trading. O plano não prosperou.

A Petrobras já teve oportunidade de se desfazer de Okinawa, intenção que chegou a tornar pública, mas acabou decidindo por permanecer com a operação. Além da refinaria, Okinawa possui terminal de tancagem de petróleo e derivados com capacidade de armazenamento de 9,6 milhões de barris, três píeres com potencial para receber navios de produtos de até 97 mil toneladas e monoboia para navios de até 280 mil toneladas.

Em março do ano passado, reportagem do Valor revelou que a Petrobras tinha recebido uma proposta de US$ 650 milhões pela venda da refinaria. O interessado era uma companhia de Cingapura. A oferta incluía US$ 80 milhões pela refinaria e US$ 570 milhões pelo estoque de produtos. A Petrobras não fechou negócio. As intenções de se desfazer do negócio, no entanto, permanecem. A Petrobras informou que a refinaria não é mais considerada "ativo estratégico" e que analisa "alternativas".

Nenhum comentário: