“O economicismo, ideologia reinante entre nós, fruto nativo do nosso longevo processo de modernização, retruca com acidez aos argumentos que lhe são estranhos com o bordão "é a economia, estúpido!", com o que filosofa sub-repticiamente, identificando o homem real com o consumidor, e não com o cidadão, a seu juízo uma simples abstração.
Nessa visão rústica da dimensão do interesse, somente o que importa é o bolso, o poder de compra, e as ideias e as crenças de nada valem, dando as costas a lições de clássicos como Marx e Weber, que estudaram seu papel na produção da vida material. Basta lembrar a análise do primeiro sobre a ética calvinista e a formação do espírito do capitalismo e a afirmação do segundo sobre como as ideias podem se tornar uma força material.
Alexis de Tocqueville, em sua obra-prima dedicada ao estudo da Revolução Francesa, O Antigo Regime e a Revolução, demonstrou não só a importância para a produção daquele evento, capital na passagem para o mundo moderno, do papel das ideias e dos intelectuais - os iluministas que forjaram o conceito de direito natural com base na Razão -, como expôs, com base em sólida empiria, o processo especificamente político com que a monarquia se teria isolado da sua sociedade, em particular do Terceiro Estado, a sociedade civil da época. E sem deixar de registrar que, às vésperas da revolução, a França estaria conhecendo um bom momento em sua economia, e que o campesinato - personagem decisivo naqueles acontecimentos - estaria experimentando um inédito movimento de acesso à terra.
Entre nós, desde que se fixou a hegemonia do viés economicista no senso comum, para o que a influência do marketing político tem sido considerável, toldando a percepção do que é próprio à política como o lugar da produção de consenso e de legitimação do poder incumbente, nada de surpreendente que ela venha sendo degradada a um mero registro desconexo de questões de bagatelas.”
Luiz Werneck Vianna é professor pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Está esquisito, O Estado de S. Paulo, 27 de abril de 2014
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