- O Globo
O juiz Sérgio Moro, que conduz o processo das petrorroubalheiras, fala pouco e não polemiza para fora. O que ele está fazendo, todo mundo sabe. O que ele quer fazer, e como quer fazer, parece uma questão aberta. Em 2004, Moro publicou um artigo intitulado “Considerações sobre a Operação Mani Pulite” na revista CEJ, do Conselho da Justiça Federal. Está tudo lá.
A Operação Mãos Limpas italiana foi uma das maiores faxinas ocorridas na Europa. Começou em 1992, com a investigação de um gatuno banal. A magistratura, o Ministério Público e a polícia puxaram os fios da meada, investigaram seis mil pessoas e expediram três mil mandados de prisão. Caíram na rede 872 empresários (muitos deles ligados à petroleira estatal) e 438 parlamentares.
O serviço provocou a queda e o exílio voluntário do primeiro-ministro Bettino Craxi. Ele dissera o seguinte: “Todo mundo sabe que a maior parte do financiamento da política é irregular ou ilegal” (Craxi morreu anos depois, na Tunísia). A faxina destruiu a mística dos dois grandes partidos do país, o Socialista e a Democracia Cristã. Eles dominavam a Itália desde o fim da Segunda Guerra. Passados dois anos, minguaram. O PS teve 2,2% dos votos, e a DC, 11,1%.
A corrupção política italiana assemelhava-se bastante à brasileira na amplitude, na naturalidade com que era praticada e até mesmo na aura protetora e fatalista que parecia torná-la invulnerável.
No seu artigo, Moro mostra como a implosão da máquina de políticos, administradores e empresários levou à “deslegitimação” de um sistema corrupto: “As investigações judiciais dos crimes contra a administração pública espalharam-se como fogo selvagem, desnudando inclusive a compra e venda de votos e as relações orgânicas entre certos políticos e o crime organizado”.
O Moro de 2004 diz mais:
• “É ingenuidade pensar que processos criminais eficazes contra figuras poderosas, como autoridades governamentais ou empresários, possam ser conduzidos normalmente, sem reações. Um Judiciário independente, tanto de pressões externas como internas, é condição necessária para suportar ações dessa espécie. Entretanto, a opinião pública, como ilustra o exemplo italiano, é também essencial para o êxito da ação judicial”.
• Os juízes:
“Uma nova geração dos assim chamados ‘giudici ragazzini’ (jovens juízes), sem qualquer senso de deferência em relação ao poder político (e, ao invés, consciente do nível de aliança entre os políticos e o crime organizado), iniciou uma série de investigações sobre a má conduta administrativa e política”.
• A rua:
“Assim como a educação de massa abriu o caminho às universidades para as classes baixas, o ciclo de protesto do final da década de 60 influenciou as atitudes políticas de uma geração”.
“Talvez a lição mais importante de todo o episódio seja a de que a ação judicial contra a corrupção só se mostra eficaz com o apoio da democracia. É esta quem define os limites e as possibilidades da ação judicial. Enquanto ela contar com o apoio da opinião pública, tem condições de avançar e apresentar bons resultados”.
• As malas:
“A corrupção envolve quem paga e quem recebe. Se eles se calarem, não vamos descobrir, jamais”
.
• As confissões:
“A estratégia de investigação adotada desde o início do inquérito submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva de permanência na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou, vice-versa, de soltura imediata no caso de uma confissão”.
• A imprensa:
“As prisões, confissões e a publicidade conferida às informações obtidas geraram um círculo virtuoso, consistindo na única explicação possível para a magnitude dos resultados obtidos pela Operação Mani Pulite”.
• Serviço: O artigo de Moro está na rede. Não tem juridiquês.
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