- O Estado de S. Paulo
É aquela velha história: a queda de Dilma continua sendo improvável, ou até muito improvável, mas o ambiente político só piora, o econômico segue esfarelando e, pelo sim, pelo não, diferentes forças políticas decidiram deixar o planejamento do “day after” engatilhado para não serem surpreendidas com o fato consumado. Trabalha-se ostensivamente a opção mais natural: a posse do vice-presidente Michel Temer. Além de tudo, ele é um homem talhado para esse tipo, digamos, de eventualidade.
“Temer não é temerário”, resumiu um experiente político, num jogo inconsciente de palavras que diz tudo da avaliação e das articulações que correm soltas em Brasília, mas não só em Brasília, para uma solução “à la Itamar Franco”. Obviamente, em caso de absoluta necessidade.
Investido da legitimidade inquestionável da Vice-Presidência, Temer carrega as condições intrínsecas: professor de Direito Constitucional, é presidente de um dos maiores partidos do País e tem enorme vivência política e interlocução com todas as forças políticas.
Sua personalidade privada e pública ajuda, porque tem a marca do equilíbrio, desses onde nada falta, nada transborda: nem omisso nem verborrágico; nem covarde nem valentão; nem ignorante nem gênio; nem muito à esquerda nem muito à direita; nem tão anti-PT nem tão anti-PSDB; um pouco Lula, um pouco Fernando Henrique. E ninguém pode dizer um “A” sobre sua conduta. Até por pragmatismo, ele tem sido impecável com a presidente Dilma Rousseff.
Dilma não é um Fernando Collor e não há Fiats Elba e fontes nababescas ilustrando a atual crise, mas nem o mais cauteloso líder político pode ficar alheio à realidade. Além do imbróglio de campanha, há as “pedaladas fiscais”, a popularidade abaixo de dois dígitos, o Planalto desautorizado diariamente pelo Congresso e... a falta de apoio consistente do próprio PT e do próprio PMDB de Temer. A economia, que seria a solução para todos os males, não dá sinal de melhora e os indicadores de crescimento, inflação, emprego e renda podem chegar ao fundo do poço entre setembro e outubro.
Até lá estão previstos justamente os dois julgamentos-chave de Dilma, o das contas de campanha no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que pode levar de roldão a chapa Dilma e Temer, e o das “pedaladas” no Tribunal de Contas da União (TCU), que arrastaria Dilma, mas preservaria Temer. Pode acontecer tudo, pode não acontecer nada.
A saída de Dilma via TSE é considerada altamente explosiva. São só sete ministros, quórum muito pequeno para uma decisão tão grande, a transição seria com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (precisa dizer alguma coisa?), e as regras não são claras: como se trata de algo excepcional, valem ou não os prazos de desincompatibilização e de filiação partidária? Pior: a versão de “golpe” ganharia muita estridência, com boas chances até de confrontos de rua.
Já a “saída TCU” teria quórum, processo e “timing” mais digeríveis. Se as contas de Dilma forem reprovadas, isso sugere processo por crime de responsabilidade a ser votado pelo Congresso, um campo político e investido de legitimidade. Com um detalhe: poderia ser uma saída honrosa para o próprio ex-presidente Lula. Sem Dilma e com Temer, as atenções seriam concentradas na recuperação da economia e na rearrumação das forças políticas. Mesmo com a Lava Jato seguindo seu rumo, Lula, o PT e a própria Dilma sairiam da linha de fogo.
Não custa repetir que são conversações sobre cenários possíveis e nada disso significa a iminente queda de Dilma, que vestiu a indumentária de “caixeiro viajante” mundo afora e “vai lutar com unhas e dentes pelo mandato”. Mas, com a economia como está, com a popularidade dela como está e com Lula e o PT como estão, seu risco é virar para um lado, virar para o outro e se ver sozinha. A questão não é moral, é jurídica e política.
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