André Petry – Veja
• Depor um presidente eleito é uma arma que a Constituição oferece ao cidadão nas democracias. Mas acioná-la nunca é simples e as e as consequências são imprevisíveis
Aos 84 anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso ainda é a voz mais lúcida do PSDB e da oposição. Na convenção tucana da semana passada, Fernando Henrique falou da crise atual e disse que seu partido "não pode fugir da sua responsabilidade de, dentro da lei, levar até o fim". Não faltou quem interpretasse a expressão "levar até o fim" como senha para o impeachment da presidente Dilma Rousseff. Mais que qualquer outro líder em atividade, Fernando Henrique, que enfrentou a onda do "Fora FHC", sempre tratou o impeachment com a distância respeitosa com que se trata uma bomba atômica — é bom ter, mas melhor ainda é não usar. Recentemente, ao lembrar sua contrariedade à deposição de Lula no auge do mensalão, FHC escreveu: "Derrubar um presidente eleito pode fazer mal para a formação da cultura democrática".
O Brasil, com três décadas de liberdade, está formando sua cultura democrática. O impeachment de Dilma não é uma saída simples. No entanto, há políticos tratando do assunto com uma leveza incompatível com a sua gravidade. O Solidariedade, legenda de oposição, chegou ao ridículo de recolher assinaturas para pedir a abertura de impeachment contra Dilma apresentando uma justificativa que não fazia nem sequer menção à expressão "crime de responsabilidade", a única infração que pode levar ao impedimento do presidente. O Solidariedade justificava seu pedido com o prejuízo decorrente da compra da Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, Na semana passada, o líder do PPS, Rubens Bueno, achou que a entrevista da presidente ao jornal Folha de S.Paulo jogou água no moinho do impeachment por causa da "arrogância de Dilma".
O DEM achou que o impeachment estava crescendo diante do anúncio da nova inflação, de quase 9% ao ano.
Cogitar o impeachment por causa de um prejuízo, de uma entrevista arrogante ou da alta da inflação é perder de vista a gravidade desse recurso constitucional. Podem-se ler na imprensa frias análises táticas sobre o impeachment: se for curto, beneficiará Aécio Neves; se for mais demorado, bom para Geraldo Alckmin; mas, se for adotado o regime parlamentarista para tirar Dilma, melhor mesmo para José Serra. Do lado petista, aparecem simplificações semelhantes. Por exemplo: se novas eleições forem convocadas logo depois da deposição de Dilma, não será bom para Lula, que já disse a interlocutores próximos que não pretende ser candidato por achar que sua derrota nas urnas é certa. São cenários políticos desenhados com a tinta das coisas naturais. Mas impeachment, embora previsto na Constituição, está longe de ser natural. O próprio FHC, no mesmo texto em que mostrou seu zelo pela formação democrática do país, lembrou que impeachment só acontece quando há "razões políticas e criminais comprovadas". As razões podem até vir a existir, mas hoje não existem.
A oposição não é golpista. O problema é que vem se confundindo com o golpe por uma equivocada inversão dos eventos que podem conduzir ao impedimento de um presidente. A oposição está à procura de comprovar um crime de Dilma para recorrer ao impeachment, quando o crime comprovado é que deveria conduzir ao recurso extremo do impedimento do chefe da nação. Em 1992, Fernando Collor caiu porque se comprovou um crime que corroeu seu apoio político e resultou no impeachment.
Agora, a oposição bate em todas as portas em busca de um álibi jurídico: Supremo Tribunal Federal, Tribunal Superior Eleitoral, Tribunal de Contas. Não é golpe, está na lei. Mas são ações que traem um certo legalismo de oportunidade.
Collor foi alvo de um raro e bem-sucedido processo de impeachment. Talvez venha a ser o mesmo caso de Dilma. Mas o que haveria acontecido no Brasil na eventualidade de que Collor tivesse terminado seu mandato? Prever o futuro do pretérito é tão arriscado quanto prever o futuro. Mas não existe nenhuma evidência de que a permanência de Collor até o fim do mandato teria jogado o país em um turbilhão de caos. A deposição presidencial não pode ser o alfa e o ômega da oposição. Esse processo é um risco para a oposição e para o país. Logo depois da derrota no ano passado, os tucanos buscavam um meio legal para depor a presidente. Pediram ao STF auditoria no sistema eleitoral por suspeita de fraude. O impeachment que se pede nas ruas é, até aqui, expressão de mau humor e legítima decepção com Dilma. Isso não é golpe. Nem dos tucanos, nem dos manifestantes. A própria Dilma passou recibo de sua má situação na entrevista à Folha de S. Paulo. Mas suspeitas e impopularidade não são razões para a anulação de um mandato presidencial.
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