O Brasil está deprimido depois de um ano eleitoral com um debate raso e radicalizado. A superficialidade das ideias é responsabilidade de toda a sociedade e nenhum partido político escapa, ainda hoje, desse deserto de reflexões mais aprofundadas. Mas a radicalização decorreu da tática eleitoral do PT, que substituiu, há muito, o confronto de ideias por um "nós contra eles" sem qualquer sustentação programática.
A mudança de rumo radical na política econômica, sem qualquer explicação, mesmo que a posteriori, gerou mais do que perplexidade entre os que votaram na continuidade: fez surgir um sentimento de ruptura de contrato, manipulação eleitoral ou, em carioquês castiço, "trairagem".
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passou por processo análogo quando de sua reeleição, em decorrência da desvalorização cambial pós-pleito eleitoral. Mas a perda de popularidade e o descontentamento não geraram, como agora, um clima depressivo, apesar do racionamento de energia elétrica. Qual a diferença?
Claro que a queda da renda das famílias, a insegurança provocada pela inflação e pelo aumento do desemprego e o fato de toda uma geração passar por uma crise profunda pela primeira vez em suas vidas é parte significativa da explicação. Mas, falta algo.
Na "Revista O GLOBO" de domingo o psicanalista Alberto Goldin escreveu sua coluna em resposta à carta da leitora Luisa, que, entre outros temas, envolvia a depressão do ex-marido. Aproprio-me, em contexto totalmente diferente, de parte de suas palavras: "A depressão opera sobre duas plataformas: culpa e hostilidade... Não existe depressão sem culpa."
A hostilidade, que se expressa nos índices recordes de desaprovação do governo, me parece possível compreender a partir do quadro acima descrito. Mas, e a culpa? Seria fácil atribuir esse sentimento a uma percepção de que "votamos errado" ou às trapalhadas incompetentes da política praticada pelo Planalto após a posse. Mas uma culpa que leve a uma depressão tão generalizada não se instala sobre causas tão simplórias.
O clima atual parece mais com o pós- cruzado, na segunda metade da década de oitenta. Naquela época a sociedade, para além da raiva com o governo Sarney, se sentia culpada de ter acreditado que a vitória sobre a inflação poderia vir por mágica, sem esforço e sacrifício. Essa aceitação progressiva ajudou muito no futuro êxito do Plano Real.
Na superfície a disputa política pelo poder. Nas profundezas do oceano Brasil quem sabe a culpa da sociedade na depressão atual não decorra, finalmente, do início da aceitação de que, para combater estruturalmente a pobreza e a desigualdade e gerar crescimento econômico sustentável, é preciso mais do que "nós contra eles", é preciso trabalho eficiente, menos consumo e mais poupança e investimento, competitividade global, aumento permanente de produtividade como modo de ser da sociedade?
-----------------
Sérgio Besserman Vianna é economista
Nenhum comentário:
Postar um comentário