segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Crise política dificulta planos de uma reestruturação fiscal – Editorial /Valor Econômico

É quase certo um novo déficit primário do setor público consolidado neste ano, dada a velocidade e intensidade da queda real da arrecadação e o fracasso das soluções paliativas produzidas pelo governo para tapar o buraco fiscal, como a busca de receitas extraordinárias. Por isso, são bem-vindos os esforços dentro do governo para promover uma ambiciosa "reestruturação fiscal" que enfrentaria alguns dos conhecidos problemas estruturais que colocam o Estado brasileiro na direção da insolvência. Resta saber, porém, se haverá vontade e, sobretudo, responsabilidade política para aprovar as propostas.

A questão entre os especialistas, hoje, não é se as contas vão fechar novamente no vermelho em 2015, mas se o déficit primário será maior ou menor do que os R$ 20,5 bilhões produzidos em 2014. Não se deve minimizar os progressos no ajuste das contas públicas ocorridos desde a posse do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, no começo deste ano. Quando ajustado pelo ciclo econômico, o resultado das contas públicas seguramente será bem mais favorável do que o apurado durante a chamada Era Mantega.

O governo fez cortes profundos nas despesas discricionárias, trazendo-as de volta aos níveis de 2013, apagando da história o triste ano de 2014. As subvenções para empresas estão diminuindo e foram estancados os aportes de recursos em bancos públicos. A adoção de uma política mais realista de reajustes de tarifas de energia elétrica também tapou outro ralo por onde escorria os recursos públicos. Impostos subiram, a folha de pagamentos sofreu uma rodada de reoneração e houve algumas reformas, ainda que incipientes, em benefícios sociais como seguro desemprego e pagamento de pensões por morte.

Nada disso está sendo suficiente, porém, para fazer frente à queda da arrecadação federal provocada pela desaceleração econômica - que, por sua vez, foi originada muito menos pelo próprio ajuste fiscal do que pela queda da confiança e aumento dos riscos provocados pela crise política. Ainda mais porque as despesas obrigatórias seguem crescendo sem nenhum vínculo com o ciclo da economia.

Uma das poucas alternativas para fechar as contas no azul em 2015 são as receitas extraordinárias. Mas, essas também estão sendo frustradas, pelo menos neste ano. Um exemplo disso são as receitas esperadas com a repatriação de recursos enviados ao exterior, calculadas em dezenas de bilhões de reais. Mesmo que o projeto seja aprovado rapidamente no Congresso, os recursos só entrariam no próximo ano, pois haverá um prazo de 120 dias para a adesão ao programa.

É nesse contexto que, nas discussões da Junta Orçamentária, o governo tem desenhado o que chama de forma ambiciosa de "reestruturação fiscal", conforme antecipou o Valor na última semana, dentro do Orçamento de 2016 e do Plano Plurianual (PPA), a ser divulgado até o dia 31. Um dos requisitos básicos é aumentar de 20% para 30% a Desvinculação de Receitas Orçamentárias (DRU), que permite a utilização mais racional dos hoje mais escassos recursos arrecadados.

Mas a intenção é ir bem além disso, mudando, por exemplo, as regras de vários programas sociais, a revisão de metas de ações do governo (como o Ciências Sem Fronteiras e o Pronatec), venda de ativos da União e novas rodadas de reoneração das folhas de pagamento. Entre as ideias, está sendo contemplado inclusive estabelecer uma idade mínima para aposentadoria no regime Geral de Previdência Social (RGPS), na linha do que já havia sido proposto na "Agenda Brasil" divulgada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

São medidas que procuram enfrentar algumas questões estruturais que levaram ao perigoso ciclo de alta de gastos públicos e da carga tributária das últimas décadas. Também representam sair da armadilha de tentar fazer um ajuste fiscal paliativo com os ventos desfavoráveis do ciclo econômico, com eficácia duvidosa, já que contribuiria para aprofundar a recessão.

Uma restruturação fiscal bem desenhada, ao lado de reformas econômicas que ampliem a eficiência da economia, seriam suficientes para recuperar a confiança de firmas e consumidores e retomar o crescimento da economia. Parece pouco provável, infelizmente, sua aprovação em meio ao clima de conflagração política do Congresso Nacional.

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