Por Raquel Ulhôa e Vandson Lima - Valor Econômico
BRASÍLIA - O vice-presidente, Michel Temer, formalizou ontem seu afastamento do chamado "varejo" da articulação política do governo - as negociações por liberação de recursos do governo para pagamento de emendas parlamentares e por preenchimento dos cargos federais nos Estados. A repercussão entre os aliados foi imediata, com rumores de rompimento do PMDB com o governo. O Palácio do Planalto deflagrou estratégia de comunicação para evitar que essa notícia agravasse a crise política enfrentada pela presidente Dilma Rousseff, em um dia de especulações sobre eventual saída do ministro Joaquim Levy (Fazenda) do cargo. Em busca de agenda positiva, foi divulgada a intenção de realizar uma reforma administrativa.
Em conversa com a presidente ontem, Temer demonstrou não ter superado a "decepção" por ter sido acusado de "golpismo" e de estar conspirando contra ela, quando pregou união do país neste momento de crise. Essa teria sido a razão apresentada para afastar-se da parte da articulação política referente a cargos e emendas. Segundo relator, Temer já havia dito à presidente que não suportava "olhares enviesados" e "cochichos".
Os pemedebistas identificam no PT uma articulação para reduzir a influência do vice, presidente nacional do PMDB, no governo. Além disso, Temer e Padilha enxergam claro boicote de setores do governo contrários aos acordos feitos por eles. É o caso do Ministério da Fazenda na questão das emendas e da Casa Civil, na ocupação dos cargos.
Temer vai se dedicar às questões "maiores", à "macro-política", como a relação do governo com os presidentes e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e com o Tribunal de Contas da União (TCU), por exemplo, e com os presidentes da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
O ministro Eliseu Padilha (Secretaria de Aviação Civil), aliado de Temer que toca o chamado "varejo" da articulação política continuará tratando das emendas e dos cargos, mas deixará a atribuição aos poucos. Pemedebistas dizem que os dois ainda têm credibilidade, mas o desgaste seria inevitável, diante do "boicote" do envolvimento de petistas na articulação, como os ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Edinho Silva (Secretaria de Comunicação Social) e Ricardo Berzoini (Comunicações), além de Giles Azevedo, assessor especial de Dilma.
Padilha acertou com Temer que a partir de 1º de setembro, reduzirá a dedicação à articulação política. Ficará na Secretaria de Relações Institucionais (SRI) apenas meio expediente, tentando liquidar os casos pendentes. Não receberá demandas novas. Na outra parte do dia, despachará na Secretaria de Aviação Civil (SAC). Hoje, ele cuida das questões da SAC no gabinete da SRI.
Apesar da decisão de Temer, ontem, ao final da tarde, líderes da base aliada na Câmara receberam convite dele para reunião na Vice-Presidência da República nesta terça-feira para discutir a pauta da semana.
Para reverter a tese de que Temer se distancia do governo ao deixar a negociação de cargos e emendas, o vice-presidente do Senado, Jorge Viana (PT-AC), defende que o governo use o rearranjo ministerial para contemplá-lo, ampliando seu espaço de atuação no governo. "É preciso buscar uma solução em que Temer assuma funções maiores do que as que já tinha. Sua atuação tem de ir além da vice-presidência, não há como abrir mão da presença dele", defende.
Um dos senadores mais próximos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Viana avalia que Temer foi bem sucedido na articulação para aprovar as medidas do ajuste fiscal e teve contribuição decisiva na reaproximação de Renan com o governo. Com o corte de dez ministérios, que deve ocorrer na reforma, algumas pastas devem agregar novas funções. "Apenas digo que é uma oportunidade para que Temer tenha um papel ainda mais ativo. Qualquer movimento em outro sentido mais atrapalha do que ajuda", disse Viana.
Um dirigentes do PMDB que falou ao Valor sob reserva disse que a votação no Senado do projeto da reoneração da folha de pagamentos, na semana passada, foi uma mostra definitiva das dificuldades que Temer enfrentou na negociação política. Em especial, no trato com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que costumava barrar negociações acertadas pelo vice para a liberação de recursos com vistas a convencer os parlamentares a aprovar projetos. Levy teria irritado o PMDB e por pouco a proposta não foi rejeitada. Líder do PMDB no Senado e relator da matéria, Eunício Oliveira (CE) foi de mesa em mesa pedir aos senadores para "não desprestigiá-lo", conta um aliado. O projeto foi aprovado com 45 votos favoráveis (eram necessários 41) e 27 contrários.
Pemedebistas reclamam que a presidente é inábil para atenuar o conflito por "não enquadrar" Levy no tocante à liberação de dinheiro, por exemplo. Além das dificuldades com a Fazenda, relatam problemas na atuação do líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), considerado pouco efetivo em manter coesa a base para votações estratégicas. Outro foco de dificuldades se dá com o ministro Arthur Chioro (Saúde), que estaria disputando com o PMDB postos nas agências reguladoras.
Para o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o vice continuará ajudando "em questões gerais", apesar de deixar a articulação política, mas sentirá falta do pemedebista no dia a dia das negociações com congressistas. Temer estava insatisfeito com o alijamento imposto à sua atuação por parte da cúpula ao redor da presidente. "Não há estremecimento nenhum", afirmou, ressaltando ainda que Dilma e Temer estão "em perfeita sintonia" e que a decisão do pemedebista não terá efeitos na articulação política. "Continua tudo do mesmo jeito. Dilma dará retoques."
Sobre a redução de ministérios, Guimarães disse que o Executivo tem de fazer "sua parte" no ajuste das contas públicas. Ele se recusou a responder se o PT abriria mão de ministérios nessa reforma. Disse que isso é assunto da liderança do partido na Câmara. "O que está em jogo é o país, não é partido A ou partido B", afirmou.
Pemedebistas do grupo de Temer e Padilha dizem que "uma minoria" do PMDB está aproveitando o gesto de Temer "quer ver o circo pegar fogo" e, por isso, prega rompimento do partido com o governo neste momento. Mas dizem que o assunto só será tratado no congresso do PMDB, em 15 de novembro. E que o calendário será negociado com Dilma. (Colaboraram Thiago Resende e Raphael Di Cunto)
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