• Nada indica que a pressão sobre Dilma vá arrefecer
- Valor Econômico
Apresentada como algo quase impossível, devido principalmente à forte personalidade da presidente da República, a renúncia de Dilma Rousseff é algo mais no tabuleiro político que uma incontinência verbal do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Ninguém, nem mesmo Dilma, aguenta pressão por mais de três anos, principalmente se vier a ser convencido de que sua teimosia pode levar o país à bancarrota.
Nada indica que a pressão sobre a presidente Dilma Rousseff vá arrefecer. Ao contrário, o cenário político e econômico só leva a crer que deve aumentar. Agora sim Dilma tem uma crise internacional capaz de jogar por terra planos - até agora não mostrados - de recuperação econômica. Uma crise que também traz incertezas para a aposta do governo numa parceria com a China para salvar o modelo que desenhou para a indústria do petróleo. É a pressão política local que mantém o governo na defensiva e ameaçado o mandato de Dilma.
É provável que o PMDB tenha saído menor que entrou na coordenação política do governo, da qual se afastou formalmente ontem. Os profissionais tiveram seu dia de amador, demoraram demais a devolver o que de fato nunca lhes foi dado e Michel Temer sai desgastado tanto com um lado (o Palácio do Planalto e o PT) como com o outro (o PMDB). Antes, Temer era o alguém na hipótese do impeachment. No momento é apenas o vice, o primeiro na linha de sucessão. O que não melhora em nada a situação de Dilma, uma presidente sem maioria no Congresso e com a popularidade no chão. O PMDB até diz que saiu sem pirotecnia para não parecer que abandonou o barco.
O aumento da pressão sobre Dilma tem cronograma. Na ordem do dia está o pedido de investigação feito pelo ministro Gilmar Mendes nas contas de campanha da presidente nas eleições de 2014. O PT anunciou que vai recorrer da decisão, mas é difícil crer que Gilmar, um dos mais antigos e experientes ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), tenha dado um tiro no escuro. Primeiro porque as contas de Dilma foram aprovadas com ressalvas ou pedidos de esclarecimentos e ainda estão sub-judice, o que o PT contesta. Depois porque a simples investigação pode enveredar pela contabilidade mais recôndita da campanha e causar ainda mais danos políticos à presidente.
Pior que a propina disfarçada de doação legal, o que a Operação Lava-Jato desenha em todos os seus contornos seria a contratação de duas gráficas fantasmas para o pagamento de despesas eleitorais. Quem já foi candidato e prestou contas à Justiça Eleitoral diz que é normal a contratação de empresas legalmente constituídas para simplificar a prestação de contas de um sem número de serviços. Uma gráfica normal poderia ter sido usada pelo comitê. O erro do PT teria sido contratar empresas fantasmas e exagerar na quantia declarada por cada uma. A campanha terá dificuldades para se explicar quando o Ministério Público Federal e a Polícia Federal entrarem para investigar e detalhar cada recibo emitido.
Em outra frente, Dilma ganhou um tempo extra do Tribunal de Contas da União (TCU) para explicar as supostas irregularidades na prestação de contas do exercício de 2014 do governo federal. O Palácio do Planalto queria 30 dias, houve no TCU quem defendesse dez. A atuação do presidente do Senado, Renan Calheiros, foi fundamental para a dilatação do prazo. Isso também não significa que o tribunal vai aprovar as contas da presidente. A tendência ainda é a rejeição.
Circulou que os ministros do TCU fizeram um acordo para tomar uma decisão por unanimidade. É mais ou menos isso. Na realidade, é um desejo dos ministros do tribunal que a decisão seja unânime, mas isso somente será possível se o veredito do TCU for a rejeição das contas. O relator Augusto Nardes já votou contra a aprovação e está muito à vontade com a notoriedade que adquiriu, reconhecido nos lugares e chamado para palestras. A tecedura, então, é no cuidado com os adjetivos, o que pode tornar mais ou menos forte a decisão de rejeitar. Renan Calheiros, de fato, tem influência entre alguns ministros do tribunal. Mas nem ele pode vir a fazer muito para uma presidente enfraquecida.
A pergunta que se faz no Congresso, tanto no governo como na oposição, é quem se beneficiaria da saída - por impedimento ou renúncia - de Dilma, neste momento. A resposta que perpassa as siglas partidárias atende pelo nome de Luiz Inácio Lula da Silva. Instalado um novo governo no Palácio do Planalto, seja quem for, no dia seguinte Lula seria oposição, papel que sabe desempenhar como poucos. Como não existe no horizonte a expectativa de recuperação da economia no curto e médio prazos, o ex-presidente, hoje em baixa nas pesquisas, chegaria em 2018, ano da sucessão presidencial, no papel de algoz do governo de plantão. A menos que seja atropelado pela Lava-Jato com a força de um caminho ladeira abaixo. Lula pode até ser chamado para depoimentos, mas ninguém espera vê-lo de algemas num camburão.
O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, terá de se explicar no Supremo Tribunal Federal sobre a acusação de que recebeu propina de empresas envolvidas na Operação Lava-Jato, conforme denúncia do Ministério Público Federal. Mas o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, candidato à recondução, também deve respostas mais convincentes ao Senado sobre suas conversas com autoridades do governo que não sejam as de coincidência de agenda ou encontro pessoal. Janot esteve com o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em Buenos Aires, ano passado, e na véspera de acusar Cunha, para citar apenas dois exemplos.
O que mais intriga senadores e deputados é o fato de Janot ter alterado a ordem das denúncias ao STF. A principal acusação contra Eduardo Cunha surgiu aos 45 minutos do segundo tempo, na versão ampliada da delação de Julio Camargo. No entanto Cunha e o senador Fernando Collor tiveram a primazia na lista do procurador. Sem uma razão bem explicada, pelo menos até agora. A oportunidade é a sabatina do Senado, marcada para amanhã.
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