• Em encontro com jornalistas no Planalto, presidente justifica redução de ministérios, diz que levou ‘susto’ com mudança no cenário da economia mundial, que não ‘imaginava’ o envolvimento de petistas na Lava Jato e elogia a ‘lealdade’ do vice Michel Temer
Marcelo de Moraes - O Estado de S. Paulo
BRASÍLIA - A presidente Dilma Rousseff deflagrou nesta segunda-feira, 24, a reforma administrativa de seu governo, anunciando a decisão de cortar dez ministérios, sem especificar quais, além de reduzir cerca de 1 mil dos 22,5 mil cargos comissionados e extinguir secretarias ministeriais que se sobreponham, entre outras propostas.
Em entrevista ao Estado e aos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, no Palácio do Planalto, a convite da própria presidente, Dilma justificou na tarde de ontem a decisão - proposta por seus adversários e criticada por ela durante a campanha - como parte dos movimentos para melhorar a gestão do País. “Vamos passar os ministérios a limpo”, disse ela.
Na entrevista, Dilma reconheceu que o governo demorou a perceber a gravidade da situação econômica, especialmente no exterior, e que, nesse processo, “levou muitos sustos”, citando a queda vertiginosa dos preços internacionais do barril de petróleo e das commodities. E avisou que não é possível evitar as discussões sobre reforma para racionalizar a Previdência Social do País. “Nós não queremos a Grécia. Queremos?”
A presidente saiu em defesa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e procurou rechaçar as especulações de que ele poderia deixar o governo. “Isso é mentira”, afirmou.
Em grande dificuldade na relação com sua base de apoio no Congresso, Dilma elogiou o vice-presidente Michel Temer, que vai diminuir sua participação na articulação política do governo. “Ele tem sido de extrema lealdade comigo. E o resultado da primeira fase de sua articulação foi um sucesso”, disse.
Governo errou sobre a crise. “Vocês sempre me perguntam: no que você errou? Eu fico pensando o que podia ser. Em ter demorado tanto para perceber que a situação poderia ser mais grave do que imaginávamos. E, portanto, tivéssemos que ter que começado a fazer uma inflexão antes.
Não dava para saber ainda em agosto (do ano passado). Porque não tinha indício de uma coisa dessa envergadura. A gente vê pelos dados. Setembro, outubro, novembro. Nós levamos muitos sustos. Nós não imaginávamos. Primeiro, que teria uma queda da arrecadação tão profunda.
Ninguém imaginava isso. Nós sustentamos o investimento. Nós mantivemos a desoneração da folha. Desoneramos a cesta básica. Tem coisas que não voltamos atrás, como cesta básica.
Poderíamos ter reajustado alguma dessas coisas. Cada vez que faço isso, diminuo a política de investimentos. Fizemos a política pró-cíclica. Para preservar emprego e renda. O que é possível considerar é que poderia ter começado uma escadinha. Agora, nunca imaginaria, ninguém imaginaria, que o preço do petróleo cairia de 105 em abril, 102 em agosto, para 43 hoje. A crise começa em agosto, mas só vai ficar grave mesmo entre novembro e dezembro. É quando todos os Estados percebem que a arrecadação caiu.”
Reforma administrativa. “Queremos melhorar gestão, detectar em quais pontos há sobreposição de função. Obviamente, você tem uma derivada por obter eficiência, que é resultar na redução de gastos. Se não fica demagógico. Você não faz só isso. Temos uma meta. Achamos, à primeira vista, porque precisamos fazer todos os cruzamentos, que conseguimos reduzir dez ministérios.
Mas não é só ministério que a gente quer reduzir. Em cada um dos ministérios, mesmo aqueles que, eventualmente, não serão objeto da reforma, teremos uma ação sobre eles. Queremos reduzir secretarias. Queremos reduzir sobreposição de órgãos nesses ministérios. Tem ministério com número de secretarias que foram sendo ampliadas ao longo dos anos. Então, agora, vamos passar todos os ministérios a limpo. Olhando, justamente a dimensão.
Pessimismo na economia. “Acho um perigo pessoas serem muito pessimistas em relação ao cenário. Uma das forças em relação à economia é a expectativa. Então, não dá para ficar plantando o quanto pior, melhor.”
Reforma da Previdência. “A pergunta é a seguinte: nós vamos ter que fazer reformas? Vamos. Reforma do PIS-Cofins, a reforma do ICMS e vamos ter que enfrentar a questão dos gastos obrigatórios do governo. O governo tem gastos obrigatórios. 55% desses gastos são com a Previdência Social. Esses gastos com a Previdência são frutos do fato que nos últimos 13 anos tivemos uma ótima evolução. Primeiro, aumentou a expectativa de vida em quatro anos e meio. Segundo, as pessoas hoje têm uma taxa de mortalidade menor. Temos uma situação etária que mudou. Teremos que encarar, mais cedo ou mais tarde, essa situação. Quanto mais tarde, pior para o País. O padrão de crescimento que teve até aqui não vai durar. Não é aquele mais. Não é aquele para a China, para os Estados Unidos. Não é para ninguém. E vamos ter que nos adaptar nessa travessia. Nós não queremos a Grécia, queremos?”.
Emprego e inflação. “Nos preocupamos com esse quadro de aumento do desemprego e da inflação. A inflação estamos vendo, e o mercado também fala isso, que apresenta uma trajetória de queda. E todo nosso esforço, junto com o reequilíbrio das contas públicas, foi sinalizar que o País não estava parado, dando incentivos ao investimento.”
Baixo crescimento econômico. “Vamos nos esforçar para que ele não ocorra. Mas não sabemos como fica o mercado internacional também.”
Crise da China. “O governo tem sido prudente e tem tomado as medidas necessárias para o País enfrentar essa situação. E isso significa equilíbrio das contas públicas. Esse esforço vai ter que fazer sistematicamente considerando a situação do mercado internacional. Só levantei a China como exemplo. Não estou levantando a China para falar que amanhã tem uma catástrofe. Não estou dizendo isso. Estou dizendo que tem uma situação de desaceleração internacional e vamos ter que saber lidar com ela. Não atinge só nós. Até eu voltar dos Brics, achava que essa situação era superável. Só não contava com essa queda sistemática. Estava achando que era superada por tudo o que eu sabia, por tudo o que eu escutei. Ia ter dificuldades, mas você não ia ter uma situação muito difícil. A partir de hoje, eu não sei. Ninguém sabe. Se você perguntar isso para alguém, a resposta será: eu não sei. Nós temos o interesse de voltar a crescer. Não estou fazendo o reequilíbrio das contas públicas em si.”
Michel Temer. “No dia em que ele fez aquela declaração, alertando para o problema da votação, estava estressado porque percebeu que o governo e o País teriam a aprovação de uma medida provisória que impactaria em bilhões e bilhões e ninguém seguraria. Estava eu dentro do avião e ele liga para mim e descreve a situação. E diz: vou dar uma declaração para a imprensa. E eu digo: dê Temer. Então, me desculpem, não acho que o Temer falou aquilo com a intenção que atribuíram a ele. O Temer tem sido de imensa lealdade comigo. Nós tivemos uma primeira fase da articulação política coordenada pelo Temer. Qual é o resultado dessa fase? É um sucesso. Conseguimos aprovar as medidas do reequilíbrio fiscal. E estabelecemos uma relação com o Congresso. A gente perde e a gente ganha no Congresso. Cada vez que a gente perde é uma crise? Não é.”
Corrupção. “Não imaginava (pessoas ligadas ao PT envolvidas com irregularidades na Petrobrás). Fui surpreendida. Lamento profundamente. Sou a favor de uma coisa que Márcio Thomaz Bastos (advogado e ex-ministro morto no ano passado) dizia. Não espere que sejam as pessoas a fonte da virtude. Tem que ser as instituições. Elas é que precisam ter mecanismos de controle. Quem pode colocar luz sobre um processo de corrupção, é a maturidade institucional do País. Acho que somos uma democracia forte. Porque as instituições não são vulneráveis aos desígnios pessoais de quem quer que seja. Ninguém pode chegar à Presidência e olhar para processos de corrupção como uma coisa pessoal. Só pode olhar e ver que o País deu um passo e foi para frente. Agora, sou a favor, em qualquer circunstância, do direito de defesa. É isso que torna a democracia forte.
Sérgio Moro. “Me desculpe, mas não vou dar opinião sobre qualquer pessoa.”
Lula. “Minhas relações com Lula são as mais próximas. Quem tentar me afastar dele não conseguirá. Mas botar bomba no Instituto Lula, fazer aquele boneco (Lula vestido de presidiário) é um desserviço para o País.”
Sugestão de renúncia por FHC. “É uma sugestão fácil. Não vou discutir isso.”
Lava Jato. “Ninguém hoje pode interromper esse processo. Ele se dá na relação do Judiciário e com os órgãos de investigação. Acho que é uma questão que tem que ser resolvida nesse âmbito. Acho que todas as investigações, quanto mais rápidas, mais efetivas, melhor.”
Eduardo Cunha. “Prefiro não falar sobre pessoas. Eu estou budista. Hoje sou Dilminha paz e amor.”
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