- O Estado de S. Paulo
Com tantos e tão graves problemas, ninguém está dando muita bola para as primárias da eleição dos Estados Unidos, mas elas estão desenhando um tsunami que vem se aproximando, aproximando, aproximando. A eterna polarização entre republicanos e democratas está chegando ao extremo, com o ameaçador Donald Trump à direita e o inacreditável Bernie Sanders à esquerda. Sem respaldo do respectivo establishment partidário, os dois empurram a eleição americana para uma incógnita preocupante.
Trump é um sujeito difícil de descrever, que só teria chance num ambiente como o republicano e num país como os EUA. Estridente, sem experiência política e com a superficialidade de quem sempre teve (ou comprou) tudo na vida sem esforço, é capaz de falar as maiores barbaridades. Muita gente ouve – e gosta.
Depois de perder para Ted Cruz em Iowa, Trump venceu as primárias em New Hampshire com 35,3% dos votos, contra 15,6% do segundo colocado, John Kasich. E chegou a isso não só pela campanha bilionária, mas por seguir a regra do “falem mal, mas falem de mim” e defender absurdos como a construção de um muro entre EUA e México, bloquear a entrada de muçulmanos no país e expulsar milhões de imigrantes sem documentação.
Isso é tudo o que os radicais republicanos e a banda reacionária da sociedade americana querem. E o que dá um frio na espinha é pensar que essas ideias podem se alastrar pelo país como o zika vírus está se disseminando pelo Brasil e pelo mundo. O vetor do zika é o Aedes aegypti; o da candidatura Trump é o terrorismo, que excita o que há de pior nas sociedades democráticas e plurais.
Os atuais seis oponentes de Trump (dois desistiram na quarta-feira) tendem a se matar num primeiro momento para depois compor em torno de um nome mais ao centro, ou moderado. O beneficiário pode ser, por exemplo, o governador de Ohio, John Kasich, de uma direita menos raivosa e mais assimilável dentro e fora dos EUA. Senão, é desastre à vista. E com a colaboração irresponsável do Partido Democrata.
Entre os democratas, Hillary Clinton vai repetindo a sua própria trajetória em 2008, quando disparou como favorita, perdeu terreno e acabou derrotada nas primárias para o azarão Barack Obama. Depois de ser secretária de Estado, rodar o mundo e continuar em campanha durante todo esse tempo, Hillary ganhou em Iowa por irrisórios 0,3 ponto porcentual e perdeu em New Hampshire com uma diferença avassaladora, de mais de 20 pontos. O sinal amarelo disparou em sua campanha.
O novo Obama no caminho de Hillary é também, como ele foi, totalmente inusitado. Trata-se de Bernie Sanders, um senador nova-iorquino que fez carreira política independente em Vermont, é recém-convertido ao Partido Democrata, tem incríveis 74 anos e, extrema ousadia, apresenta-se como socialista. Um socialista na meca do capitalismo?! O resultado é que ele faz campanha exatamente contra... tudo! Bonachão, com um ar confiável, aliciou uma multidão de fãs na seara democrata, particularmente entre jovens crédulos que adoram demonizar Wall Street, os bancos, as grandes corporações, ou seja, todos os pilares da potência. Até quando ele terá fôlego? That’s the question.
O processo eleitoral nos EUA é longo, complexo, e está apenas começando. Logo, tudo pode acontecer. Mas uma equação é fácil de responder: se Bernie Sanders for o candidato democrata, vai favorecer Trump enormemente nas eleições em si. Seu discurso é simpático, talvez educativo, mas inviável no mundo real em que se inserem os EUA. Entre ele e Trump, o abominável homem dos republicanos, adivinha com quem a maioria dos americanos vai ficar?
Coincidência? Ah! Vem aí, em março, a quarta temporada de House of Cards. Descontados os estereótipos e caricaturas, é deveras oportuna e didática.
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