Finda a era do crescimento da arrecadação fiscal a dois dígitos, o governo terá de fazer a dieta do emagrecimento das despesas, sem que a carga de tributos aumente permanentemente. A soma dos gastos obrigatórios, incluindo renúncias fiscais, mais despesas com pessoal ultrapassam os recursos existentes, hoje correspondentes a 19,1% do PIB. O governo interino de Michel Temer resolveu, como primeiro passo, impedir que os gastos cresçam mais do que a inflação do ano anterior, ou seja, impedir que as despesas tenham crescimento real. É uma medida de emergência defensável no médio prazo, diante da trajetória insustentável da dívida pública. Não se sabe como serão as regras do jogo, que terá perdedores e ganhadores. Análise superficial da evolução das despesas ao longo do tempo pode dar pistas do que fazer e o que evitar.
Dois estudos recentes, um do Ipea sobre o comportamento dos gastos com saúde de 2002 a 2013, e outro, mais abrangente, do Tesouro, sobre todos gastos sociais de 2002 a 2015, trazem uma radiografia dos setores que possivelmente verão suas despesas minguar no futuro e outros que deveriam ser poupados. Um alvo certo de mudança é a indexação pelo salário mínimo do piso previdenciário, benefícios sociais (como o Loas) e alguns programas. A fórmula do salário mínimo pressupõe aumento real em épocas de crescimento, já que além da inflação (INPC) a compõem a evolução do PIB de dois anos antes. Pelas contas do Tesouro, o governo central gastou R$ 47,5 bilhões a mais em decorrência dessa fórmula. O custo não é desprezível - em 2015, foi o equivalente a 7,41% da receita corrente líquida e a 0,92% do PIB. A conta saiu em R$ 27,5 bilhões para os cofres da Previdência e R$ 7,5 bilhões nos pagamentos de abono salarial e auxílio-desemprego.
A Previdência é de longe o maior problema. O gasto total previdenciário em 2015 somou 9,3% do PIB, nível superior ao de várias economias desenvolvidas com população de idosos superior à do Brasil. Mas, além de correção nas condições para ter acesso à aposentadoria, há fatores que merecem atenção. Os gastos sociais com aposentadoria do setor público federal subiram 49,2% além da inflação entre 2002 e 2014, atingindo R$ 106,4 bilhões (a preços de dezembro de 2015). Os aposentados desse regime recebem em média benefício dez vezes mais que o salário mínimo. O estudo não diz, mas é onde se concentrou o déficit previdenciário até agora. Os abatimentos do Imposto de Renda por moléstia grave ou acidente deram um salto desde 2012 (dobraram neste ano) e fecharam 2015 em R$ 9,7 bilhões. Equivale, por exemplo, ao montante total de isenção do IR da pessoa física para gastos com saúde.
Os gastos sociais tiveram um aumento de 3 pontos percentuais do PIB entre 2002 e 2015, segundo o Tesouro: 0,97 ponto na Previdência, 0,74 pontos na Educação e Cultura, 0,78 na Assistência Social e 0,3 ponto na Saúde.
Os números sugerem que será preciso concentrar esforços em racionalização e eficiência nessa última área, e menos em cortes, já que a fatia dos gastos manteve-se estável ao longo do tempo e no ano passado foi de 2,1% do PIB. É certo que mais que triplicou a renúncia fiscal ao setor, que consumiu R$ 25 bilhões em 2015. Despesas abatidas no IRPF referentes aos planos de saúde corresponderam a dois terços da renúncia fiscal, aponta o estudo do Ipea. Mas no bolo do total de renúncias fiscais - que em 2016 se elevarão a mais de R$ 250 bilhões - a Saúde teve fatia cadente, de 22,2% para 11,2% (2013). Já os gastos diretos com o setor, segundo o Tesouro, ficaram praticamente constantes, em 1,65% do PIB.
O mapa dos gastos aponta prioridades que podem ser reformuladas ou aperfeiçoadas com vistas à eficiência. A proporção dos gastos com agentes comunitários e Saúde da Família entre as despesas totais com o setor dobrou de 5% para 10% e quase triplicou a das as despesas com medicamentos e vacinas, de 3,7% para 10,3%. Por outro lado, despesas com atendimento hospitalar, ambulatorial e de emergência perderam peso (de 48,9% para 43%). No caso da implantação, ampliação e modernização do SUS, os gastos, embora tenham subido nos últimos três anos, exibiam em 2015 quase o mesmo percentual que 13 anos antes, 5,3%. Assim, se o número de consultas por habitante no sistema único subiu de 2,45 para 2,83, o número de leitos hospitalares do SUS por mil habitantes teve drástica redução, de 2,65 para 1,73 em 2011 (último dado disponível). Ao que tudo indica, a primeira vista, há carência de recursos no setor.
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