sábado, 4 de junho de 2016

Os dois lados - Míriam Leitão

- O Globo

Governo Temer ou acerta muito ou erra feio. No governo Temer, não há meio termo. Ou ele acerta muito ou erra feio. O problema é como Temer, desagradando um pouco a tanta gente, terá apoio para a travessia que será tempestuosa. O cientista político Marcus Melo, da UFPE, não acredita que haja probabilidade de a Dilma voltar, mas compara a relação da opinião pública com o presidente Michel Temer a uma lua de mel numa ilha sujeita a tsunamis.

Marcus Melo acha que dois tsunamis ameaçam Temer: a Lava-Jato e a ação no TSE. Qualquer um desses eventos pode levar ao fim antecipado do seu governo, mesmo que passe pelo teste da votação do impeachment. Alguns dos erros que Temer cometeu foi por considerar que o mais importante agora era construir alianças no Congresso, qualquer que fosse a ficha do parceiro. A opinião pública está sensível à pauta do combate à corrupção, portanto, escolhas que possam fazer sentido do ponto de vista político têm potencial de gerar reações da sociedade. Foi o que derrubou dois ministros nos 18 primeiros dias de governo. Quando escolheu a professora Flávia Piovesan, com seu bom currículo, para a Secretaria de Direitos Humanos, parecia ter entendido a pauta atual. Quando escolheu a ex-deputada Fátima Pelaes, com suas controvérsias, para a Secretaria da Mulher, pareceu querer afrontar o movimento feminista.


Esta semana foi possível ver a confirmação de dois dos acertos na posse dos novos presidentes do BNDES e da Petrobras, que assumiram dando novas diretrizes ao banco de investimento e à estatal. Ao mesmo tempo, houve o aumento para o funcionalismo que tornou mais pesada a conta de gastos fixos do país no meio do abismo fiscal. Parece que convivem em Temer duas personalidades.

O aumento salarial dos funcionários públicos pode ser muito justo em inúmeros casos, olhados isoladamente, mas o momento de austeridade tornou a pressa em aprovar os reajustes uma prova de que o presidente interino não entendeu o que ele mesmo vem fazendo.

A PEC de limitação dos gastos ainda não foi para o Congresso, mas ela estabelecerá que os gastos não poderão ser superiores à inflação do ano anterior. Isso engessa a administração, aumenta a indexação da economia, mas se justifica em momento de emergência fiscal. No ano que vem, as despesas seriam corrigidas então em 7%, que é a inflação projetada pelo mercado para 2016. Como o país estará vivendo em 2017 uma taxa possivelmente menor — algo como 5,5% nas projeções do mercado — haveria um pequeno ganho real. Mas o governo Temer acaba de aumentar as despesas fixas, com o salário do funcionalismo.

O governo Dilma aprovou reajustes na reta final e instruiu sua base a aprovar a urgência. Para criar dificuldades para o governo do seu vice, Dilma assinou no próprio dia 11 de maio, quando foi votado seu afastamento, outros aumentos salariais para categorias de grande poder de pressão, como auditores da Receita, delegados da Polícia Federal, médicos do INSS. Ela colocou vários explosivos no caminho de Temer, e ele instalou outras. Mandou aprovar os que estavam no Congresso, mesmo sem regime de urgência, e agora enfrentará pressões das categorias não contempladas. No primeiro momento, o governo nem sabia o custo da decisão.

O próprio governo Temer quis iniciar uma era de explicitação de números quando pediu autorização para o déficit de R$ 170,5 bilhões. Os assessores da presidente afastada disseram que o cálculo está exagerado. Não está. O governo Temer chegou ao resultado depois de constatar que os dados de Dilma eram fictícios. Partiam da premissa de que haveria um aumento real de receita de 9% em ano de recessão, o que é inviável. As despesas obrigatórias estavam subestimadas em R$ 40 bilhões, por exemplo: R$ 5 bilhões nas despesas de pessoal, R$ 10 bilhões na previdência, R$ 5 bilhões no Loas. É difícil errar tanto em despesa obrigatória. Havia R$ 30 bilhões de pagamento a mais do PAC, sendo R$ 12,5 bilhões de serviço já foi executado.

A ideia da equipe econômica era que, ao revelar o tamanho do déficit deixado por Dilma, e propor a PEC do controle dos gastos, o governo estaria enfrentando de frente o debate difícil dos limites das despesas do Estado. Um trem da alegria de aumentos salariais no momento não ajuda a dar coerência a este discurso.

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