O presidente interino Michel Temer tem obtido vitórias no Congresso e reunido maioria em torno de alguns projetos importantes, diferentemente do que ocorria com a presidente afastada Dilma Rousseff. Mas a capacidade política de articulação com os partidos da base governista nem sempre é suficiente para vencer a heterogeneidade dos interesses das legendas governistas, os particularismos de suas lideranças e, às vezes, a própria indecisão. A demora na sanção da Lei de Responsabilidade das Estatais e a guinada na proposição do Planalto de abrir totalmente o mercado aéreo para as empresas estrangeiras são exemplos de que persistem dificuldades no relacionamento com o Congresso.
Embora haja interlocução e uma inequívoca boa vontade inicial com o governo interino, o Planalto está sem interlocutor na presidência da Câmara, com o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e conta com um adversário tolerante, logo incerto, no Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL). Com a lei no seu encalço após as revelações de seu envolvimento no escândalo de corrupção da Petrobras e outros, e sob ameaça de ser cassado pela Câmara dos Deputados, Cunha ainda se considera um centro de gravidade importante para o Centrão fisiológico e é tratado como tal.
Depois de manobras, ardis e uso amplo de aliados para adiar sua expulsão, Cunha ainda quer indicar seu sucessor. Para quem pode ser preso amanhã, é um lance ousado, mas o governo, que não quer contratempos de qualquer espécie, pelo menos antes de ser votado o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff, aceitou a negociação. Temer se reuniu com Cunha, deu sinal verde para que o desejo seja satisfeito. O favorito para o mandato-tampão da presidência da Casa até 2017 é Rogério Rosso (PSD-DF). Para mais uma chantagem de Cunha, o Planalto busca atrair o apoio dos tucanos e do DEM. Implícito no acordo está a derrota do pedido de cassação do mandato do deputado, o que o faria perder foro privilegiado e ter de se entender diretamente com o juiz Sergio Moro, em Curitiba.
Negociação incessante com todos pode levar a impasses. O Senado aprovou a lei de responsabilidade das estatais em termos mais duros do que os que a Câmara admitiu e proibiu dirigentes partidários e políticos em exercício de mandato, mesmo licenciados, de exercer cargos na direção e no conselho de administração das empresas estatais, com a ressalva de uma quarentena de três anos. Mas há forte pressão política para que o presidente interino vete essa restrição.
Pareceu estranha a aprovação desse item, para a qual os líderes políticos autolimitaram a chance deles próprios virem a comandar empresas públicas, uma moeda nociva de troca, comum na montagem de governos e na compra de apoio político. Fruto da junção de três projetos, o texto aprovado pelo Senado está na mesa de Temer. A razão de ser da lei é construir alguma blindagem à cobiça política das estatais. O presidente interino hesita.
Na questão das empresas aéreas, interesses regionais parecem ter derrubado a intenção de abertura total do mercado. Temer foi convencido por senadores de que a aviação regional ficaria órfã se as empresas estrangeiras dominarem o mercado e concentrarem seus negócios apenas nas linhas mais rentáveis.
Para o presidente não é interessante que esse padrão, pelo qual mesmo temas votados pelo Congresso ainda se tornem objeto de barganha depois, ou de um segundo olhar do próprio governo, se instale. Após fazer um acordo com governadores para prorrogar pagamento de parcelas da dívida, as contrapartidas dos Estados não estão muito claras. E 14 governadores dos Estados do Norte e Nordeste pedem que a União os compense pela perda de R$ 8 bilhões do Fundo de Participação, e as prefeituras se queixam que estão em situação igual ou pior que a dos que mereceram o socorro do governo.
Sem fixar rumo claro e limites para o que é negociável, o governo poderá se ver em dificuldades em breve, na votação de seu principal projeto, o de impedir o crescimento real dos gastos públicos. Nesse caso a margem de manobra é muito pequena e, ultrapassada, retirará eficácia do ajuste fiscal. É importante que o Planalto diga não. A inapetência de Dilma para negociação a tornou incapaz de aprovar projetos do governo no Congresso. Atitude oposta, como a de negociar tudo com todos, pode ter efeito parecido, por outras vias.
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