Enquanto se prolongam no Senado as etapas do processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT), e o ímpeto para a realização de protestos parece restringir-se a pequenos grupos, o governo de Michel Temer (PMDB) dá mostras de acomodação.
A sequência de ministros afastados por envolvimento em investigações criminais já não é tão frenética. No plano econômico, os sinais de moderado otimismo nos mercados encorajam as projeções das autoridades e os esforços do Planalto em libertar-se das amarras de uma austeridade extrema.
O aumento no Bolsa Família, a renegociação das dívidas estaduais e aliberação de verbas para a Olimpíada se inscrevem nessa estratégia, em que a procura de popularidade e de apoio parlamentar se impõem a quem ocupa o cargo de presidente de modo interino.
Daí o tecido de ambiguidades em que Temer se enreda.
Assegura-se a continuidade da Lava Jato, que ameaça membros do primeiro escalão governamental. Estabelece-se um compromisso com o saneamento financeiro do Estado, enquanto aumentos para o funcionalismo são aprovados.
Apoiam-se leis e projetos —como a que regula a organização das empresas estatais—, admitindo-se que recuos serão inevitáveis com relação ao inicialmente pretendido.
O jogo de nuances e de sombras talvez seja em parte inevitável, de uma ótica política realista.
Um episódio nada inevitável, contudo, assinala com especial simbologia as limitações e riscos presentes nesse sinuoso percurso.
Sem constar da agenda oficial, deu-se na noite de domingo (26) um encontro entre Temer e o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
A carga de suspeitas, acusações e processos a pesar sobre o parlamentar peemedebista transformou-o, justificadamente, no exemplo por excelência do que há de mais condenável nas práticas políticas brasileiras –e apenas isso já bastaria para que dele Temer mantivesse segura distância.
Para piorar, a reunião se reveste com o manto do segredo. Qual o teor das conversações entre o chefe do Executivo e o réu do STF? Não se sabe, embora a ninguém escape que Cunha tem feito gestões para salvar seu mandato na Câmara.
Depois de revelado pela imprensa, o encontro mereceu nota oficial da Presidência, que já não tinha como negá-lo. Bem a seu estilo, Cunha insistiu na versão de que a notícia era inverídica.
Impõe-se, sem dúvida, resolver o problema da sucessão na presidência da Câmara. É necessário refundar as bases de apoio ao Executivo. A lamentar, entretanto, que as prioridades republicanas se curvem ao hábito da penumbra, do conchavo, do que mal se confessa.
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