Publicado originalmente em L'Unità, 31 maio 2016.
- Gramsci e o Brasil
Bem menos do que as vicissitudes (sempre abertas) da política em geral e da italiana em particular, interessa-nos aqui destacar um breve texto que resume a difícil passagem da tradição comunista para o campo democrático, assumido integralmente pela esquerda (por suas forças majoritárias) como seu terreno mais propício. Como já aconteceu algumas vezes no passado, a esquerda italiana nos precedeu nesta transição. O texto pode ter utilidade neste momento de crise radical da esquerda brasileira, longe ainda de ter completado a travessia (Gramsci e o Brasil).
Em 1989, há 27 anos, com a virada da Bolognina o PCI de Occhetto deu início a seu processo de autodissolução. Alguns de nós estão ainda lá, atônitos, fixados naquele evento. Fomos todos deixados sós diante de um luto tremendo que se abatia sobre nós, subitamente órfãos.
Num só instante entrava em colapso, tal como o Muro de Berlim, a perspectiva de uma não muito bem definida revolução comunista, que deveria sanar toda e qualquer injustiça. Por mais de 40 anos até aquele momento, suportáramos com dignidade e firmeza a ideia de exercer o papel de oposição, de ser um grande partido de massas com um grande acompanhamento de povo vivo e virtuoso, sempre fora do governo, mantido num canto pelos constrangimentos da história. E nós todos pacientes e tenazes em vista do esperado resgate futuro, que nos recompensaria de toda renúncia.
Tornamo-nos os defensores mais denodados e mais coerentes das instituições democráticas, os paladinos da Constituição, cuja plena realização exigíamos. Do jogo democrático estava excluída a alternância; em compensação, exaltava-se o poder construtivo da oposição. Aprendemos de fato a democracia, a reconhecer em seus princípios e em seus direitos as enormes potencialidades, aprendemos a ser livres e ao mesmo tempo sociais, aprendemos a linguagem “moderada” das reformas, rechaçando todo extremismo verborrágico e combatendo de modo radical o terrorismo vermelho, além do terrorismo negro fascista.
Muitos de nós, com o tempo, conseguiram por si sós elaborar este luto. Outros, ao contrário, permaneceram imóveis num equilíbrio instável, incapazes de superar as razões do coração, que reclamam um mundo perfeito e feliz, e ao mesmo tempo conscientes da necessidade da democracia e de seu inevitável labor construtivo.
Os partidos (PDS, DS, PD) que se seguiram ao fim do PCI sempre eludiram esta contradição, jamais tentaram enfrentá-la de modo aberto, explícito. Preferiu-se o silêncio, preferiu-se fingir que não havia o problema, não se teve coragem. E nossa política também foi carente de coragem, eternamente na defensiva, infecunda, nunca capaz de passar a fatos novos.
Finalmente, em 2014 houve a erupção, os processos reais e a geração dos mais jovens nos fizeram atravessar aquele Rubicão que deveríamos ter atravessado havia já muitos anos. Renzi e outros não são nada mais do que sinais de algo que devia ter acontecido muito antes. Há companheiros nossos, no entanto, que só hoje, confundindo o problema com o advento de Renzi, na realidade estão às voltas com a elaboração tardia do luto.
Talvez seja preciso ajudá-los: o partido tem uma dívida com eles, vamos assumi-la, é o que digo a mim mesmo antes de mais nada. É preciso ajudá-los a sair daquela contradição paralisante, devem decididamente optar pela democracia, que já está em seu território interior, e transformar o sonho revolucionário perdido em perspectiva de desenvolvimento democrático.
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