sexta-feira, 1 de julho de 2016

Renan Investigado, votará projeto sobre abuso de autoridade

• Alvo da Lava-Jato, presidente do Senado nega relação com a operação, mas proposta gera temor

Cristiane Jungblut - O Globo

-BRASÍLIA- Em tempos de operações da Polícia Federal e do Ministério Público contra a corrupção, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), investigado pela Operação Lava-Jato, anunciou ontem que pretende colocar em votação um projeto que trata de punição para abuso de autoridade. Ele disse que o projeto é um pedido do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial do ministro Gilmar Mendes. Renan negou que a tentativa de aprovar o projeto tenha alguma relação com a Lava-Jato. Ele responde a 12 inquéritos no STF, sendo nove decorrentes da Lava-Jato.

Proposto em 2009, o projeto define os crimes de autoridade cometidos por integrantes da administração pública, servidor da União, estados e municípios, dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público. A punição seria uma ação penal com a possibilidade de indenização de danos e perda do cargo. O texto tinha sido arquivado na Câmara. Um novo texto foi resgatado por Renan.

O projeto quer proibir, por exemplo, “o uso de algemas, ou de qualquer outro objeto que tolha a locomoção”, quando não houver “resistência à prisão”. Além disso, considera crime de abuso de autoridade “constranger alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam incriminá-lo” e “ofender a intimidade, a vida privada, a honra ou a imagem da pessoa indiciada em inquérito policial”.

A proposta ainda evita “grampos” sem autorização, como os surgidos na delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, que envolveram Renan. O texto diz que é crime “promover interceptação telefônica, ou escuta ambiental, sem autorização judicial ou fora das demais condições, critérios e prazos fixados no mandado judicial, atingindo a situação de terceiros e não incluídos no processo judicial ou inquérito”.


O projeto será analisado até 13 de julho pela Comissão Especial de Consolidação da Legislação Federal e Regulamentação da Constituição, cujo presidente será o senador Romero Jucá (PMDB-RR), outro investigado na Lava-Jato.

Em entrevista para anunciar um pacote de projetos, Renan negou relação do que trata de abuso de autoridade com a Lava-Jato. Ressaltou ainda que, apesar de defender mudanças, não vai patrociná-las enquanto estiver à frente do Senado.

— Ninguém vai interferir no curso da Lava-Jato. Esse discurso de que as pessoas querem interferir é um discurso político. Essa investigação está caminhando, já quebrou o sigilo de muita gente, tem muita gente presa. E, a essa altura, há uma pressão muito grande da sociedade no sentido de que essas coisas se esclareçam. Só vai separar o joio do trigo — afirmou. Sobre as delações, foi crítico: — Essa lei não é uma Lei das 12 Tábuas, que vai valer eternamente. A delação premiada precisa ter regras, porque, senão, compensa o crime.

O presidente do Senado condenou delações “sem provas” e vazamentos, mas não citou diretamente a gravação de Machado, que motivou um inquérito e um pedido de prisão contra ele.

— Nos EUA, se a delação vazar, perde a eficácia, é anulada. Aqui, no Brasil, vaza-se de propósito para forçar um julgamento do Judiciário e da opinião pública. Liberdade de expressão não é só para os meios de comunicação, é para todos — defendeu. Renan vê falhas nas delações: — O que temos visto recentemente são pessoas que se entregaram ao desvio do dinheiro público, amealharam milhões e milhões de reais e de dólares, e depois fazem uma delação, orientada pelo advogado e negociada com as autoridades, entregam uma parcela daquilo que desviaram e salvam uma outra parte. Assim, elas estão fazendo o crime compensar e salvando dinheiro sujo. Outro ponto é o do delator preso, que geralmente se submete a contar uma historinha, uma narrativa absolutamente sem prova, para ter direito a um prêmio quando deveria uma contrapartida.

Prejuízo às investigações
Em entrevista ao “Jornal Nacional”, o senador Randolfe Rodrigues, da Rede, disse que o projeto vai prejudicar as investigações contra políticos:

— Se esse projeto hoje já fosse lei, era impossível ter operação da Polícia Federal conduzida pelo Ministério Público. Qualquer ato por parte das autoridades seria enquadrado como crime nessa matéria, e enquadrado enquanto abuso de autoridade. Esse projeto é um acinte, é uma agressão às investigações que estão em curso na Operação Lava-Jato.

O presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, Carlos Eduardo Sobral, estranhou que um projeto que trata de assuntos já regulamentados ocupe agenda no Congresso num momento em que o país discute o aperfeiçoamento do combate à corrupção.

Sobral acrescentou que abusos já são punidos e que o projeto pode provocar o temor de ser usado para perseguir e retaliar autoridades.

Renan anunciou ainda que pretende votar já na próxima quarta-feira projeto que regulamenta os jogos no país. O texto permite o funcionamento de cassinos em algumas regiões do país, desde que integrando grandes estruturas hoteleiras ou resorts. Na proposta, são considerados jogos de azar: jogo do bicho; bingos, na forma presencial, on-line ou por meio de vídeo; e jogos de cassinos em complexos integrados de lazer ou on-line. O governo vê a aprovação dessa proposta como forma de aumentar a arrecadação.

Renan quer votar ainda a proposta de criação de um limite para a dívida da União. Os dois projetos já passaram pelas comissões. Para mostrar que o Senado não está parado diante do processo de impeachment e da Lava-Jato, Renan lançou uma lista com projetos que estão há anos em tramitação, como aumento dos impostos sobre doações e heranças e atualização da Lei das Licitações.

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