- Valor Econômico
• Comissão da reforma política abre terceira oportunidade
O vozeirão do presidente do Senado não é o único recurso do Congresso na guerra contra o Judiciário. A tramitação da PEC dos gastos, do reajuste da Polícia Federal e das medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público são pedágios incontornáveis do embate institucional, mas é na comissão da reforma política, instalada esta semana, que se concentra o capítulo mais intrincado da reação.
A comissão, a segunda desta legislatura na Câmara, foi escolhida a dedo. Pinçado para relator da primeira, depois do entrevero entre Marcelo Castro (PMDB-PI) e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o atual ocupante do cargo, Rodrigo Maia (DEM-RJ), referendou como relator e presidente os deputados Vicente Cândido (PT-SP) e Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA).
Os postos-chave da comissão foram entregues para dois dos mais pragmáticos e destemidos parlamentares dos seus partidos, figurino sob medida para recolocar em pauta a anistia para os crimes com os quais a Lava-Jato ameaça a sobrevivência política do Congresso, da cúpula do Palácio do Planalto e da maioria dos governadores.
Cândido já enfrentou o Ministério Público ao defender a anistia penal para executivos na MP da Leniência. Lúcio é irmão do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, o integrante do primeiro escalão que mais avançou publicamente na defesa da anistia a políticos beneficiados pelo caixa dois.
Nenhum dos dois tergiversa. Vicente Cândido diz que o debate da anistia terá que ser feito e que não se intimidará na proposição de regras que deem guarida aos partidos contra a criminalização. O deputado petista converge com Lúcio Vieira Lima na avaliação de que a anistia se valida por exclusão.
O artigo 350 do Código Eleitoral prevê prisão de até cinco anos para quem deixar de declarar ou falsear informações eleitorais. Tanto Cândido quanto Vieira Lima, no entanto, são defensores da tese de que o caixa dois ainda não está tipificado como tal e que, ao fazê-lo, a pena, na tradição do direito brasileiro, não retroage.
O presidente e o relator se dizem favoráveis a que a discussão se dê no âmbito do colegiado que discute as dez medidas anticorrupção, mas não a recusarão se levantada na comissão da reforma política.
O primeiro projeto da comissão, cuja íntegra Vicente Cândido, Lúcio Vieira Lima e Rodrigo Maia já tinham em mãos antes mesmo de sua instalação, abriga o tema, ainda que não o tenha por foco. É de autoria do deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), vice-presidente da comissão e leal aliado do senador Aécio Neves.
O foco do projeto é o financiamento de campanha. O modelo em vigor só teve esta eleição como experimento, mas Pestana sustenta, a partir da ida a 86 municípios mineiros no primeiro turno, que não funcionou. Diz que favoreceu candidato rico e não inibiu caixa dois. Propõe um fundo, que denomina de "financiamento da democracia", destinado a carrear 2% do Imposto de Renda para este propósito, o que daria R$ 3 bilhões anuais.
O deputado chegou a este valor a partir dos gastos declarados das eleições de 2012 (R$ 5,2 bi) e de 2014 (R$ 4,8 bi) somadas à dotação anual do fundo partidário (R$ 830 milhões). Pestana se diz um intransigente defensor da PEC dos gastos. Tem sido cobrado nas redes sociais, inclusive por movimentos que estiveram ao lado do PSDB no impeachment, como o "Vem pra Rua", mas sustenta que a proposta não colide com os esforços de recuperação fiscal. O deputado, que é economista de formação, abriga seu fundo na folga da conta de juros a ser reduzida pela PEC dos gastos.
O projeto é uma rendição do PSDB ao financiamento público. A tese, historicamente rejeitada pelo partido, é mitigada pela possibilidade de alocação de 70% dos recursos no partido de preferência do contribuinte na declaração do IR, mas não há como contornar a constatação de que é recurso que deixará de entrar no Tesouro. A contribuição via IR é defendida por especialistas no tema, mas tende a enfrentar resistência de uma opinião pública enfastiada com partidos e políticos.
O deputado é um veterano de reformas políticas. Em seis anos, esta é a quarta da qual participará. Vê mais chance de consenso no financiamento de campanha do que na reforma do sistema eleitoral. A lista fechada, velha tese petista com apoio crescente de pemedebistas, tende a enfrentar rechaço do eleitor que, desprovido de quase tudo, resistirá a abrir mão do direito de escolher seu candidato.
Pestana se diz contrário à anistia ao caixa dois. Ao contrário do presidente e do relator da comissão, é partidário da tese de que o caixa dois já é crime. Suas convicções, não entanto, não o impediram de incluir a tipificação em seu projeto. Para reforçar, justifica-se. Diz ter se limitado quase a um ctrl+c, ctrl+v do previsto nas dez medidas anticorrupção.
As modificações sugeridas à Lei Eleitoral de 1997 são, de fato, quase uma cópia, salvo por artigo, inexistente no projeto de Pestana, de artigo que empodera o Ministério Público Eleitoral. Ao abrigar a criminalização do caixa dois, no entanto, a proposta abriu brecha para os defensores da anistia, mobilização que o deputado tucano teme, mas diz que diz não ter como evitar.
A comissão da reforma política é o terceiro fórum da Câmara a ser frequentado pelos defensores da anistia. O primeiro foi o plenário da Casa que, na noite de uma segunda feira de setembro, quando estavam ausentes de suas funções os presidentes da República e da Câmara, tentou votar projeto de anistia introduzido de última hora na pauta, manobra abortada por parlamentares de Rede e Psol.
No segundo, a comissão que discute as medidas anticorrupção, a criminalização do caixa dois está para ser votada, mas o jabuti é monitorado em tempo real pelos movimentos pró-impeachment arregimentados pelo MP.
O naufrágio da primeira tentativa e a vigilância sobre a segunda não desanimou os navegantes. Se a terceira não for abortada na Casa, enfrentará na presidente do Supremo, Cármen Lúcia, seu maior iceberg. Foi da ministra o voto mais indignado sobre o tema no mensalão - "caixa dois é crime e é uma agressão à sociedade brasileira".
A sessão da próxima semana no Supremo, primeiro passo para o afastamento de Renan Calheiros, um dos principais padrinhos da anistia, da presidência do Senado, pode ser um risco no chão. E colocar a batalha da anistia num bote sem resistência às intempéries do embate institucional.
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