RIO - No tempo em que lecionava, o professor de história Marcelo Ribeiro Freixo, 49 anos, procurava estimular o interesse pela disciplina com uma espécie de máquina do tempo. Os alunos incorporavam, ao longo do ano letivo, personagens históricos que, no presente, contavam ao restante da turma como era a época em que viviam. Freixo lembra da estratégia pedagógica e demora a responder quando questionado para que período gostaria de voltar. Revolução Francesa até que lhe interessa. Mas o candidato a prefeito do Rio, considerado radical pelas bandeiras de seu partido, o Psol, prefere o Renascimento. "Ali no século 16, com a descoberta das ideias se contrapondo aos dogmas", diz, para logo se dar conta de que poderia criar uma analogia com a disputa que se decidirá no domingo. "Talvez tivesse muito a ver com a eleição de hoje, o renascimento de uma outra política fugindo dos dogmas, das trevas, saindo do teocentrismo para o antropocentrismo", emenda.
O alvo da crítica, claro, é o adversário Marcelo Crivella (PRB), senador e bispo licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus a quem Freixo acusa de misturar política e religião.
Deputado estadual de terceiro mandato, o mais votado do Brasil em 2014, quando obteve 350 mil votos, Freixo também tem seus dogmas. É defensor ferrenho de causas e grupos caros à esquerda. Cresceu politicamente ao se colocar ao lado dos direitos humanos, do sindicato dos professores, do movimento LGBT, de negros, mulheres, trabalhadores sem terra e presidiários.
Seu desafio agora, como na eleição em 2012, quando perdeu para Eduardo Paes (PMDB) já no primeiro turno, é o de ampliar as fronteiras de seu eleitorado. Pelas pesquisas de opinião, porém, quem tem conseguido sair do nicho e realizar a multiplicação de votos é o concorrente. Há mais tempo na estrada de corridas majoritárias, Crivella tornou-se mais palatável pela estratégia de encenar seu afastamento em relação à Igreja Universal.
Freixo não abandonou a base social original. E agregou a ela o pouco que ainda resta dos escombros do PT no Rio. Foi o suficiente para chegar ao segundo turno - sem muita folga e com o voto útil de eleitores de Jandira Feghali, candidata do PCdoB apoiada pelos petistas. Sua campanha anima a juventude esquerdista como nos primórdios do PT. O clima dos militantes é de orgulho e atraiu o apoio espontâneo estampado em camisas e carros adesivados - fato raro em tempos de descrédito dos políticos.
Num polo gastronômico da zona sul do Rio, na véspera da primeira votação, é Freixo o alvo de pedidos para selfies - e não Wagner Moura, Renata Sorrah ou outros atores globais que participam da caminhada de campanha. "A gente vive o fim de um ciclo, que é esse do PT, com tudo o que aconteceu. E, de repente, a gente é um girassol no meio do asfalto. Surge isso e perguntam: por que isso nasce aqui no Rio de Janeiro?", diz.
Na maior parte da zona sul, Freixo dominou o mapa eleitoral do primeiro turno. Mas na zona oeste, região de milícias e com os bairros mais pobres e populosos da cidade, encontra resistência. "Dependendo do lugar na zona oeste eu não vou. Área de milícia é complicado. Eu até entro porque entro com o militante de lá. Mas quando eu saio o que acontece com o militante? Não posso colocar a vida das pessoas em risco", diz.
A vida de Freixo é constantemente vigiada por seguranças. Anda cercado por uma escolta policial - reforçada em épocas de campanha, como agora, embora prefira não revelar quantos homens o acompanham. A precaução vem desde a época em que presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias, na Assembleia Legislativa, em 2008.
O relatório final da CPI apontou a relação de 226 pessoas com os grupos paramilitares, entre eles a então vereadora Carminha Jerominho, que está em presídio federal de Campo Grande. Filha e sobrinha de dois políticos também presos por envolvimento com a milícia, Carminha divulgou vídeo de apoio a Crivella com a hashtag #ForaFreixo.
Eleito dois anos antes para o primeiro mandato, com 13 mil votos, o deputado ganhou projeção por meio da CPI e viu seu desempenho aumentar 13 vezes ao se reeleger com 177 mil votos, em 3 de outubro de 2010. Cinco dias depois, estreava nos cinemas o filme "Tropa de Elite 2", que tinha entre os protagonistas o personagem Diogo Fraga, um professor e ativista de direitos humanos inspirado na história de Freixo. "[O lançamento] Foi depois da eleição de 2010, graças a Deus. Porque se não todo mundo diria que [a votação] foi por causa do filme", apressa-se em dizer.
A atuação política multiplicou os votos, mas também as ameaças. Em agosto do ano seguinte, quando a juíza Patricia Acioli foi assassinada, o deputado descobriu que seria a próxima vítima dos milicianos - que já haviam executado seu irmão, Renato, aos 34 anos, em 2006. Em outubro de 2011, Freixo recebeu sete ameaças de morte e decidiu aceitar o convite da Anistia Internacional para ficar um tempo na Europa. A viagem levou o Estado do Rio a reforçar a sua segurança e o parlamentar voltou em 15 dias.
Na corrida municipal de 2012, em vez de concorrer à Prefeitura de Niterói, sua cidade de origem, Freixo decidiu disputar a eleição na capital. Se fosse candidato do outro lado da Baía de Guanabara, onde "não tem mídia própria", argumenta, desapareceria - o que era arriscado naquele momento. "O segundo na lista era eu. Aí eu falei: não dá para ir para Niterói. Esses caras vão me matar", conta. A decisão também tinha outras motivações e era "um misto de coisas": "Eu já estava muito conhecido no Rio, era uma projeção importante para a esquerda e para o Psol e uma medida de segurança pra mim".
Nascido em São Gonçalo, foi em Niterói que Freixo começou a se interessar pela defesa de causas sociais ou culturais. Sua primeira militância, aponta, foi aos 17 anos, quando participou de uma mobilização para levar teatro e cinema ao bairro do Fonseca, para onde sua família se mudou quando Freixo tinha 2 anos. "É para lá de subúrbio. Perdi muito amigo de infância no tráfico", afirma.
Trabalhou como bancário, foi diretor do Sindicato dos Professores de São Gonçalo e Niterói, mas começou a se destacar como pesquisador da Justiça Global, organização não governamental de direitos humanos. Visitou prisões e favelas, no Rio e em Niterói, e atuou como consultor da área para o deputado Chico Alencar. Com o parlamentar, saiu do PT, ao qual cerrava fileiras desde 1986, para criar o Psol, em 2005.
É dessa época o episódio mais embaraçoso para a sua campanha. Em 2006, Freixo agrediu com socos e chutes o fotógrafo Bruno de Lima, que registrava o enterro de seu irmão. O candidato diz que havia solicitado a todos os fotógrafos que atendessem um pedido de sua mãe para não fotografar o caixão, o que foi atendido. Lima alega que chegou atrasado e não sabia, o que Freixo nega, embora reconheça que agiu mal: "Errei, errei, mas errei diante de uma reação muito equivocada da parte dele também, mas não justifica".
No partido socialista, Freixo é considerado um pragmático diante da militância mais radical, a qual procura cultivar ao mesmo tempo em que busca quebrar resistências de grupos tradicionalmente refratários à esquerda. O candidato afirma que a relação com o empresariado, durante a campanha, tem sido "ótima", apesar de sua imagem prévia não ser a melhor no setor. "Não tem mistério. Tem que quebrar estigmas dos dois lados. A cidade que eu quero é a cidade que eles querem também. Não é não conversando com o empresário que eu vou arrecadar mais", afirma.
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