- O Estado de S. Paulo
• Em meio à crise, governo tenta usar cacife da PEC para reforma da Previdência
A dois meses do fim do ano, os sinais da virada já são visíveis: Papai Noel, renas e pinheirinhos cobertos de neve nas vitrines de lojas do comércio popular e panetones nas gôndolas dos supermercados tentam fisgar o quanto antes os consumidores arredios. Fora do circuito do consumo, porém, parece que ainda faltam muitos meses para se encerrar esse interminável 2016, um ano que valeu por dois, três, sabe-se lá quantos mais.
O governo Temer reúne todas as suas forças para tentar emplacar sua agenda no meio do furacão policial/político/institucional que castiga Brasília neste final de ano. Na madrugada desta quarta-feira, depois de mais um dia de troca de acusações entre o presidente do Senado, Renan Calheiros, e a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Carmem Lúcia, a PEC 241, que impõe limite aos gastos públicos, passou com folga no segundo turno da votação da Câmara, embora um pouco abaixo dos desejos do governo. Foram 359 votos a favor e 116 contra o texto básico, frente a 366 contra 111, no primeiro turno, e rejeição de todos os destaques apresentados pela oposição. A próxima batalha, agora, é garantir que até meados de dezembro a PEC passe pelos dois turnos de votação no Senado.
Temer tem pressa e está coberto de razões. Nos últimos dias, aumentou e muito a temperatura da crise. A prisão de Eduardo Cunha, as especulações sobre sua eventual delação e sobre as revelações da turma da Odebrecht, mais a ruidosa prisão dos policiais do Congresso, levaram a Lava Jato para o topo do Senado e para dentro do próprio Planalto. Sob pressão, o governo tem de mostrar que exerce um papel moderador nas relações entre os poderes, que não teme respingos desse festival de delações e ainda que está governando dentro dos parâmetros esperados por seus apoiadores.
Nesse sentido, independentemente do debate necessário sobre a qualidade e o alcance das mudanças propostas, o fato é que a PEC 241 tornou-se crucial para o governo. Todo mundo sabe que ela, sozinha, não tem força para garantir o controle do gasto público. A reforma da Previdência é imprescindível para que a PEC não se transforme em mais uma daquelas promessas que se esvaziam ao longo do tempo. Mas, sem ela, a sensação é de que persistiria a leniência com a gravidade do quadro fiscal. Além disso, num momento em que balançam várias estruturas sob o peso da Lava Jato, a demonstração do empenho do governo em torno da aprovação dessa proposta funcionaria como uma indicação de que, se Temer conseguiu isso, pode conseguir mais.
E, no curto prazo, o que é esse mais? Reforma da Previdência, claro. Com todo o impacto que ela produz sobre a vida real e até sobre o imaginário das pessoas – “agora o trabalhador só vai conseguir se aposentar na hora da morte” tem sido o principal mote dos ataques à proposta. E com todos os efeitos sobre as finanças do governo, sobre as plataformas de partidos, políticos, entidades sindicais e empresariais. Tudo isso com o tempo correndo para mais próximo de 2018, cercado de interrogações sobre o que restará até lá dos escombros do cenário político e o que será da sucessão presidencial.
Temer terá condições de bancar uma reforma profunda? Terá cacife para enquadrar os regimes especiais de Previdência e impedir que os custos da reforma se circunscrevam aos “de sempre”? Segundo líderes do próprio governo, a reforma gestada no Planalto será concentrada na fixação de uma idade mínima de 65 anos para aposentadorias de homens e mulheres, tempo mínimo de contribuição de 25 anos, e abrangerá trabalhadores tanto do setor privado como servidores públicos.
O Planalto ganhou ontem um respiro para pelo menos encaminhar a reforma da Previdência sem pressões adicionais, com a decisão do Supremo de vetar, por sete votos a quatro, a desaposentação -- recurso que permitiria ao aposentado que continua trabalhando e contribuindo com o INSS desistir da sua aposentadoria atual e pedir uma nova, o que resultaria em aumento do valor do benefício. Segundo cálculos da Previdência Social, o impacto da desaposentação superaria R$ 180 bilhões nos próximos 30 anos.
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