Todos os caminhos institucionais para que a oposição venezuelana dispute o poder foram fechados pelo governo de Nicolás Maduro. Na semana passada, o Conselho Nacional Eleitoral, que havia validado a primeira fase de coleta de assinaturas para a realização de um referendo revogatório - a possibilidade de retirar pelo voto o presidente na metade do mandato -, voltou atrás e acatou a decisão de tribunais estaduais de anular centenas de milhares de assinaturas por supostas fraudes. Enquanto a crise econômica se agrava, sem solução à vista, o governo eliminou os últimos vestígios de democracia, retirou todos os poderes do Legislativo, dominado pela oposição e proibiu 11 de seus líderes de sair do país.
Uma crise humanitária completa o quadro dramático do impasse venezuelano, prestes a produzir violentos confrontos de rua. Enormes manifestações foram realizadas pelos partidos anti-chavistas, que convocaram uma greve geral para sexta-feira e uma marcha até o Palácio de Miraflores, sede do governo.
Maduro fechou uma a uma as brechas legais pelas quais os partidos da oposição poderiam ameaçar sua permanência na Presidência. Diante da perda crescente de apoio, acionou as instituições complementares de defesa, aparelhadas por chavistas: o Tribunal Supremo de Justiça e a Comissão Nacional Eleitoral. A cada obstáculo vencido pelos opositores, novos foram criados, até que as intenções oficiais de matar as chances do referendo acabassem se revelando sem disfarces.
Já era uma corrida difícil contra o tempo obter assinaturas de 20% dos 19,5 milhões de eleitores venezuelanos até 10 de janeiro, na segunda etapa do processo de convocação do referendo revogatório. Após essa data, mesmo se Maduro fosse derrotado nas urnas, não haveria novo pleito, e sim sua substituição pelo vice-presidente, também chavista. Na primeira etapa da coleta, o limite mínimo de 195 mil assinaturas foi largamente ultrapassado - os partidos de oposição apresentaram 1,85 milhão delas. O Conselho Eleitoral retardou o exame do material e desconversou sobre a data da nova coleta, finalmente marcada para esta semana, em três dias, 26, 27 e 28 de outubro.
Mas havia mais armadilhas no caminho, fora a maratona de reunir em três dias o apoio de 3,9 milhões de eleitores. E as condições exigidas para o referendo pioraram mais com manobras espúrias. O mesmo Conselho que decidira a regra anterior vigente resolveu mudá-la e requerer que o mínimo de 20% não se referia ao total de eleitores, e sim que esse percentual teria de ser obtido em cada um dos 24 Estados.
Tampouco o novo casuísmo foi o golpe final nas aspirações da oposição. Sete Estados buscam ainda invalidar a primeira coleta, sob o argumento de que 605 mil assinaturas apresentadas são inválidas, por pertencerem a crianças, presos e mortos.
Depois de tudo isso, a Assembleia Nacional acusou Maduro pela "ruptura da ordem constitucional", aprovou a abertura de um julgamento político do presidente e a denúncia dos atos antidemocráticos à Corte Penal Internacional. Ela convocou Maduro a depor na terça-feira e ameaça decretar o abandono do cargo pelo presidente. Mas o poder de fato da Assembleia é quase nulo. Até mesmo o orçamento, que deveria avaliar e chancelar, foi submetido ao TSJ e por ele aprovado. Por ter empossado três deputados acusados pelo governo de fraude eleitoral, o TSJ não reconhece suas decisões.
Custo de vida galopante - a cesta básica subiu 457,5% nos doze meses encerrados em setembro -, aumento da mortalidade infantil, carência de bens básicos e de remédios, falta de atendimento hospitalar, fizeram a crise ultrapassar as fronteiras, carreando levas de migrantes que passaram a buscar também o norte do Brasil. O governo de Maduro recusa ajuda dos governos "neoliberais" vizinhos e descumprirá o prazo dado pelos países do Mercosul para cumprir as regras que aceitou há 4 anos. Por violar flagrantemente a cláusula democrática pode ser suspenso do bloco.
O isolamento da Venezuela, porém, tende a piorar as condições de vida de seu povo. Encontrar uma solução intermediária exige o mínimo de boa vontade de Maduro, até agora inexistente. A nova convocação ao diálogo, mediada pelo Vaticano, com reunião marcada para o dia 30, pode ser a última chance para evitar que o agravamento da crise exploda em conflitos abertos, que confluam para um golpe de Estado. Maduro, em tese, ainda tem o apoio do Exército.
Nenhum comentário:
Postar um comentário