Importação de medicamentos para doenças raras gera discórdia entre ministério e Anvisa
Somente o oportunismo político-eleitoral pode explicar a mais recente escaramuça a opor Ministério da Saúde e Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Em condições normais e tempos racionais, as repartições deveriam operar de modo concertado, e não andariam às turras.
Ricardo Barros (PP) está deixando o cargo de ministro para recandidatar-se à Câmara dos Deputados pelo Paraná. Nos derradeiros dias de primeiro escalão, investiu contra a credibilidade da Anvisa e de seu presidente, Jarbas Barbosa.
A discórdia envolve a importação de medicamentos para doenças raras determinada pela Justiça. Em 2017, tais decisões implicaram valor de cerca de R$ 1 bilhão —sinal, aliás, dos custos da exagerada judicialização do setor.
Num caso, a pasta contratou em outubro a empresa Global Gestão em Saúde S.A. para adquirir as drogas Aldurazyme, Fabrazyme e Myozyme. A compra não se efetivou porque a Global não apresentou a Declaração de Detentor de Registro (DDR) emitida pela Anvisa.
O imbróglio judicial deixou sem remédios vários dos 303 pacientes contemplados. Segundo associações de defesa dos doentes, 13 deles teriam morrido desde então.
A Anvisa argumenta que a DDR não se resume a uma formalidade, mas representa uma garantia de que o fornecedor é idôneo e de que não há risco de importação de medicamentos falsificados.
O ministério, por seu turno, cogita agora dispensar a apresentação do certificado em seus editais para compras determinadas pela Justiça, de modo a apressá-las. Alega que a contratação da Global permitiria economizar R$ 400 mil para atender os 303 pacientes no período de um ano, num contrato com valor total de R$ 20 milhões.
Barros foi além e sugeriu a doentes e seus familiares que processem a Anvisa por bloquear a entrega de remédios já adquiridos por sua pasta. Sob risco de ser multada e ver seu diretor preso, a agência liberou a importação, ressalvando que não poderia assegurar que as drogas sejam verdadeiras.
Há razões para criticar a Anvisa —por exemplo, quando retarda a importação de insumos para pesquisa científica ou tarda muito em licenciar a comercialização de remédios inovadores no país. Peca por excesso de rigor (ou morosidade operacional), mas são raras as acusações de que careça dele.
Se o ministro deseja que a agência trabalhe melhor, que oficie para alterar os regulamentos a governá-la. Atacar sua autoridade só contribui para minar a confiança do público no sistema público de saúde.
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