- Folha de S. Paulo
Adélio Bispo de Oliveira disse ter atacado Bolsonaro por orientação divina
Adélio Bispo de Oliveira, autor do atentado contra Jair Bolsonaro, diz que o ataque foi “a mando de Deus”. Como sabemos que não foi?
Para mim, que sou ateu desde criancinha, não é difícil contornar a dificuldade. No paradigma materialista, qualquer um que afirme receber ordens diretas do Criador ou está mentindo ou é vítima de algum tipo de ilusão mental, muito provavelmente um problema no funcionamento dos lobos temporais.
A vida dos crentes não é tão fácil. Se existe mesmo um Deus pessoal, onipotente e cujos desígnios são insondáveis, como descartar que Ele atue inspirando fiéis a realizar certas ações? No plano puramente lógico, é impossível fazê-lo.
O caminho que resta, então, é apelar à raridade desse tipo de evento. Deus, a crer nas Escrituras, de fato mandou gente como Abraão e Moisés fazerem coisas incomuns, incluindo uma tentativa de homicídio contra o próprio filho. Mas isso não ocorre todos os dias nem com qualquer um. A maior parte dos religiosos, afinal, não sai por aí dizendo que age como procurador de Deus.
O problema com o argumento da raridade é que ele não só é fraco (como temos certeza de que Oliveira não é mesmo um profeta?) como também adentra num terreno perigoso para os crentes. Com efeito, se a baixa frequência de um evento pode servir como indício de que ele não ocorreu numa determinada circunstância, como ficam os milagres? Além de constituir um dos pilares da fé, milagres podem ser definidos justamente como acontecimentos incomuns ou extraordinários.
Não recomendo aos advogados de Oliveira que sigam essa linha de defesa. Embora ela seja logicamente consistente, tende a ser pouco convincente, em especial quando dirigida a julgadores que têm alguma simpatia para com a religião. É preciso, porém, reconhecer que a aceitação do sobrenatural na ordem do mundo abre uma avenida de dificuldades epistemológicas.
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