quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Rosângela Bittar: Sequelas de um vale-tudo

- Valor Econômico

Os petistas estiveram divididos desde sempre

Há uma porção de condicionantes nessa história, entre elas uma que se destaca: se Lula tivesse indicado Fernando Haddad como seu candidato há mais tempo e não optado por levar a própria candidatura até o fim dos prazos legais, a transferência de votos já teria sido muito maior? A campanha estaria mais avançada e com menos atritos em tribunais? Provavelmente sim. Uma pesquisa do Ipespe para a XP há dois meses já fazia um ensaio sobre a candidatura Haddad em que ele, naquele momento, já saltava de 3% para 14%.

O desgaste do candidato que não é candidato (tanto Lula quanto Haddad) sempre existiu, embora tenha feito parte da estratégia desconhecer a possibilidade disso ocorrer, apostar em seu contrário e descumprir determinação do TSE para apresentar Lula de forma dúbia na propaganda eleitoral. Era o que servia ao plano.

De qualquer forma, não se pode dizer que os caminhos traçados por Lula deram errado. Ao contrário, os estragos foram menores do que se poderia esperar de praticamente um drama que se desenrolou por dois intensos meses. Com consequências visíveis para dois grupos que circulam em torno do ex-presidente: os petistas e os advogados.

Os petistas estiveram divididos desde sempre, muitos não queriam Haddad como candidato a vice com chance de assumir a candidatura a presidente, nem mesmo Lula, que preferia o baiano Jaques Wagner. A controvérsia persistiu e ainda persiste: anteontem e ontem Haddad saiu emburrado da reunião com Lula, silencioso e agastado, e não terá sido porque Gleisi Hoffmann, presidente do seu partido, foi um agente apaziguador dos males que sua candidatura provoca no partido. Gleisi acirra.

Isso permanece ao longo da campanha, mesmo a partir de agora. Mas um foco de tensão deve arrefecer: a briga dos três grupos de advogados que tomam decisões sobre o que fazer com o cliente.
Um dos grupos, segundo reportagem de Isadora Peron e Luísa Martins, é chefiado por Cristiano Zanin e Valeska Teixeira Martins, sua mulher e filha de um compadre de Lula. Nesse esteve Sepúlveda Pertence por uns dias. Amigo de Lula, com grande acesso aos tribunais superiores por já ter presidido o STF, Pertence promoveu, a determinada altura da defesa do ex-presidente, a ideia de conseguir sua prisão domiciliar, para que tivesse mais conforto e se preservasse física e moralmente. Perdeu para os advogados que queriam manter a campanha de vitimização do ex-presidente, preso numa cela da Polícia Federal em Curitiba. Desde então, Pertence afastou-se da linha de frente da defesa em questões criminais.

O segundo grupo é liderado por Luís Fernando Casagrande Pereira, advogado que cuidou da parte do registro da candidatura de Lula. Todas as impugnações apresentadas foram por ele contestadas. Pereira é do Paraná, próximo a Gleisi Hoffmann, lançou livro com o ministro do STF Luiz Fux recentemente, tem acesso aos tribunais superiores. Sua equipe tem cerca de 10 integrantes, entre eles Maria Claudia Bucchianeri, que protocolou ontem a candidatura de Fernando Haddad.

E um terceiro grupo, comandando pelo ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão, que deixou o governo Dilma atirando na Lava-Jato. Atua nas questões relacionadas à campanha do PT.

Zanin deve ficar mais afastado dos holofotes se não resolver se meter nas questões eleitorais.

Nenhum advogado tomou decisões sozinho e ninguém do PT impôs sua própria vontade ao ex-presidente. Tanto em um grupo quanto em outro, há os que falam a Lula o que Lula quer ouvir e verbalizam, para fora, o que manda o ex-presidente. Dono e senhor de seu destino e da sua defesa e estratégia política.

Delírio ou ignorância?
Expectativa, delírio ou ignorância? Todas as pessoas responsáveis, que se preocupam com a insolvência do país, são favoráveis à aprovação de reformas, especialmente da Previdência. Não é preciso esperar a suspensão do pagamento da aposentadoria para ligar os sinais de alerta.

O mercado e seus correspondentes no governo, porém, nunca tiveram o realismo e a sensibilidade política entre seus dons. Para arrematar dois anos de interpretações equivocadas sobre como funciona o Congresso, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, anunciou decisão de tentar aprovar, em novembro e dezembro, com Legislativo e Executivo velhos, a serem substituídos em janeiro, a reforma da Previdência que não foi possível aprovar enquanto o presidente Michel Temer ainda tinha algum cacife e os parlamentares lhe davam ampla maioria numa aliança forte com o Centrão. Não se deve esquecer que aprovaram o teto de gastos.

Em entrevista ao Valor, Guardia disse que a reforma da Previdência que está no Congresso pode ser aprovada logo após as eleições. Faz uma concessão: desde que o presidente que for eleito esteja de acordo e, até agora, as declarações públicas dos candidatos não foram claras o suficiente para saber se estão dispostos a "aceitar a oferta ou não".

E qual é a oferta? Aprovar a reforma da Previdência com o Congresso velho, em lugar do que tomará posse em fevereiro próximo, e negociação conduzida por um governo que está saindo.

Há uma ignorância crassa sobre como funciona um governo de coalizão, como se forma a maioria, sobre a coparticipação dos partidos aliados no governo que será montado a partir da eleição.

Essa forma de conduzir a pauta do Executivo no Legislativo, mesmo que fique superada pelos métodos do novo governo, não acabará de uma hora para outra se houver interesse na aprovação de projetos que exijam dois terços dos parlamentares de cada Casa.

A maioria que está aí por mais dois meses após as eleições fez o teto de gastos, portanto não é infensa a qualquer programa reformista. Mas dentro de três meses haverá uma nova maioria, e tem que ter um novo presidente disposto a negociar, de preferência em começo de mandato.

Por que o Congresso que está saindo negociará com um presidente da República que está saindo a aprovação de uma reforma como a da Previdência? Ou qualquer outra?

Os representantes dos candidatos devem estar dando respostas vagas porque, como o ministro da Fazenda deve ter percebido se estiver acompanhando a campanha eleitoral, a maioria dos candidatos combate o teto de gastos, a maioria não faria esta reforma da Previdência que está no Congresso, a maioria revogaria as novas normas da reforma Trabalhista.

"A reforma da Previdência é o passaporte para um ajuste gradual das contas públicas e, sem ela, não tem conversa", disse Guardia ao Valor. Então, podem todos aquietar suas expectativas porque não deve haver conversa.

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