quarta-feira, 12 de setembro de 2018

'Esqueletos' jogam bilhões nas contas de energia: Editorial | Valor Econômico

A previsão de que a energia elétrica vai subir no mínimo 15% neste ano já assusta. Se a estimativa se confirmar, será uma alta superior à dos planos de saúde que, por menos, conquistaram manchetes e atraíram a atenção dos institutos de defesa do consumidor. O pior é que as tarifas de energia devem ficar ainda mais caras no próximo ano, diante da perspectiva de que vários esqueletos do setor vão ser desenterrados e demandarão uma solução inevitavelmente custosa da parte do futuro presidente.

Em agosto, o preço da energia elétrica subiu 0,96%, sob efeito da vigência da bandeira tarifária vermelha, depois de ter saltado 5,33% em julho, e foi o que mais puxou para cima o IPCA. Mas, por influência de outros fatores, o IPCA teve queda de 0,04% no mês passado. No acumulado em 12 meses, a conta de luz acumula alta de 16,85%, quatro vezes mais do que a inflação de 4,19% no período, contribuindo com 0,61 ponto percentual para o índice, e acima dos 12,67% dos planos de saúde.

O custo não deve parar por aí. De acordo com levantamento da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia (Abrace), o futuro presidente vai se deparar com quase R$ 90 bilhões em "bombas" tarifárias e esqueletos, em janeiro. Se for adotada a saída tradicional de jogar os problemas para a conta de luz, que o consumidor acaba pagando porque nem sabe o que está incluído por trás de siglas como Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) e Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), os passivos em potencial exigiriam um aumento de espantosos 50%.

A lista de problemas é tão extensa quanto antiga. Alguns deles nasceram antes da famigerada Medida Provisória (MP) 579, do governo de Dilma Rousseff, transformada na Lei 12.783. Um desses casos monta a R$ 6 bilhões e envolve a tarifa social e o uso das térmicas construídas no racionamento de 2001. O Projeto de Lei 10.332, aprovado na Câmara, pode debitar essa conta no nome dos consumidores, além de socializar os custos com o atraso na implantação do gasoduto Coari-Manaus, que montam a R$ 2 bilhões.

De acordo com a Abrace, duas despesas vão onerar as tarifas. Uma delas vai cobrar do consumidor R$ 15 bilhões para compensar os efeitos da repactuação do risco hidrológico. A outra refere-se ao déficit de R$ 5 bilhões na arrecadação das bandeiras tarifárias. As receitas obtidas com as bandeiras amarela e vermelha não têm bancado todo o custo do acionamento das térmicas caras. A diferença será incluída nos reajustes anuais das distribuidoras.

As duas contas mais caras envolvem a distribuidora Amazonas Energia, cuja privatização depende da transferência de um passivo de nada menos do que R$ 20 bilhões para a Eletrobras. Quatro distribuidoras administradas em caráter precário pela holding, a Boa Vista (RR), a Cepisa (PI), a Ceron (RO) e a Eletroacre, foram leiloadas com sucesso nas últimas semanas. A Eletrobras cobra quase R$ 11 bilhões do governo por alegados prejuízos com a operação temporária das distribuidoras, cujas concessões não foram renovadas em 2016, mas cujos serviços continuaram sendo prestados. E há ainda a questão das obras abandonadas da usina nuclear de Angra 3. A construção da usina já consumiu R$ 15 bilhões e parou com o envolvimento das empreiteiras responsáveis pela obra na Operação Lava-Jato. O governo precisa decidir se vale a pena gastar mais R$ 17 bilhões para concluir as obras em um momento em que há alternativas mais baratas. Por outro lado, dar o investimento como perdido parece uma decisão difícil de se digerir.

Além disso, o Valor apurou junto à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) que as tarifas vão aumentar em R$ 2,5 bilhões para compensar o déficit de geração das hidrelétricas, conta que totalizou R$ 20 bilhões nos 12 meses terminados em julho. Há ainda custos não contabilizados, como uma disputa estimada em torno de R$ 55 bilhões envolvendo indenizações reclamadas pelas transmissoras de energia por investimentos feitos e não amortizados por conta da MP 579, quando as concessões foram renovadas de forma automática, com redução de tarifas. Até hoje são visíveis os efeitos da MP 579, que causou grande desorganização no setor a pretexto de promover redução nas contas de luz de pelo menos 20%. Foram muitos os equívocos feitos. Algumas medidas tomadas para corrigir o rumo já elevaram as tarifas em percentual muito superior ao ganho prometido; e a perspectiva é de gastos maiores pela frente.

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