segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Trégua pelo comércio: Editorial | Folha de S. Paulo

A despeito de pressões contra o multilateralismo, encontro do G20 mostra avanços; EUA e China acertam suspensão de tarifas sobre importações

Não faltou quem visse a inédita ausência de uma referência contrária ao protecionismo no comunicado oficial do G20, o grupo que reúne as maiores economias do mundo, como mais um sinal de enfraquecimento do compromisso com o multilateralismo, conceito que está na base da atuação da Organização Mundial do Comércio(OMC).

Difícil argumentar em contrário, reconheça-se, no contexto das restrições crescentes ao intercâmbio mundial nos últimos anos, sobretudo desde que Donald Trump se tornou presidente dos Estados Unidos e impôs tarifas sobre cerca de metade das importações americanas oriundas da China.

Entretanto essa conclusão ainda se mostra, talvez, precipitada. A passagem mais importante do texto do G20 nessa seara, de fato, é o reconhecimento da importância do sistema multilateral de comércio para o desenvolvimento econômico —ainda que pontuado pela afirmação de que o mecanismo está aquém dos desafios atuais.

O documento menciona a necessidade de reformar a OMC para melhorar seu funcionamento, além de renovar o compromisso do grupo com o aperfeiçoamento de uma ordem internacional a partir de regras concertadas.

A concordância quanto ao redesenho do organismo aponta que ao menos parte das críticas americanas (e de vários outros países) tem base na realidade. O fracasso da rodada de Doha, em 2015, evidenciou os limites do padrão atual de funcionamento.

De fato, várias melhorias se impõem para que a OMC se mantenha relevante —e consiga novamente atrair o interesse das principais economias do mundo em utilizá-la como plataforma de negociação comercial.

Entre os pontos controversos estão os mecanismos de resolução de disputas e a brecha aberta a países considerados em desenvolvimento para tratamento diferenciado, o que facilita a adoção de subsídios e outras políticas protecionistas.

Esta última é uma área sensível em particular por causa da China, que goza do status de emergente mas já compete em pé de igualdade com Estados Unidos e Europa em praticamente todos os campos industriais e tecnológicos.

A disposição do G20 de acelerar tratativas para reformar a OMC nos próximos meses pode significar uma nova chance ao multilateralismo. Enquanto isso, em reunião separada, os líderes americano e chinês acertaram uma bem-vinda trégua de 90 dias.

Até que seja negociado um acordo mais duradouro em áreas como propriedade intelectual e tecnologia, ficará congelada a majoração de tarifas por parte dos EUA, que ocorreria a partir de 1º de janeiro.

No geral, pois, a reunião sugere que conflitos comerciais destrutivos podem não ser inevitáveis.

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