segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Entrevista - 'Crescimento de 3% exige novidade em termos de reformas'

Por Sergio Lamucci | Valor Econômico

SÃO PAULO - A recuperação da economia brasileira deverá ganhar fôlego em 2019, num cenário marcado por mais estímulo monetário, melhora do crédito e menor nível de endividamento das famílias, avalia Armando Castelar, coordenador de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV). Para ele, a tendência é o crescimento acelerar de 1,5% neste ano para 2,5% no ano que vem - uma expansão de 3% exigiria a aprovação mais rápida de reformas mais ambiciosas.

"Se você aprovar uma reforma da Previdência no primeiro semestre que seja razoavelmente significativa em termos fiscais, pode haver uma aceleração do crescimento", diz Castelar. Sem isso, a expectativa é de alguma aceleração da retomada, mas sem um desempenho exuberante. Ele acredita que 2019 será "bom", destacando a retomada cíclica em curso e a janela de oportunidade para fazer as reformas. O desemprego, porém, deve cair devagar. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como o sr. avalia o resultado do PIB do terceiro trimestre?

Armando Castelar: Veio bem em linha com o que nós prevíamos no Ibre/FGV. Houve uma influência grande da greve dos caminhoneiros de maio, no sentido de o fim da paralisação ter permitido a recuperação de uma série de atividades que tiveram um desempenho ruim no segundo trimestre. A abertura do resultado foi um pouco distorcida pela mudança no Repetro [que levou operações envolvendo plataformas de petróleo a serem registradas como importação, inflando a alta do investimento no período; veja abaixo]. Isso engana um pouco, mas não altera o resultado total e está dentro do esperado. O PIB mostrou ainda o consumo das famílias recuperando bem, enquanto o setor da construção continua fraco. Foi o 18º trimestre seguido de queda na comparação com o mesmo trimestre do ano anterior.

Valor: O que mais o sr. destaca?

Castelar: O consumo do governo está puxando para baixo, o que é consistente com o esforço fiscal grande que o governo está fazendo. E começa a se ver alguma retomada em serviços. É importante, porque o setor que responde por quase dois terços do PIB.

Valor: Por que 2018 foi bem mais fraco do que se esperava no começo do ano, na casa de 3%?

Castelar: A confiança foi o que mais pesou. Apenas mais recentemente, em outubro, houve uma recuperação mais forte da confiança. Houve muita incerteza. As eleições tiveram um papel importante, mas também houve uma deterioração do cenário externo a partir do fim de março. A piora externa, com a disparada do dólar, o aumento do risco-país, a situação de emergentes bastante ruim, coincidiu com a redução das expectativas de crescimento. Há a situação do setor de construção, que continua com um desempenho fraco. É uma história importante. E a greve dos caminhoneiros também teve impacto. Mas, olhando para frente, a situação dos emergentes melhorou um pouco no último trimestre. Não foi apenas o real que se recuperou. Melhorou o clima, o que ajuda a construir essa percepção de que 2019 pode ser melhor. E, partindo do discurso do Jerome Powell, mais ainda [na quarta-feira, o presidente do Federal Reserve indicou que a instituição pode aumentar menos os juros no ano que vem, o que favorece emergentes].

Valor: E como fica o Brasil em 2019?

Castelar: Em 2019, haverá um estímulo monetário que vai ser sentido com mais força. A Selic passou quase todo 2018 em 6,5% ao ano, e a tendência é que ela continue nesse nível pelo menos no primeiro semestre, num cenário em que o Fed mantém essa posição mais recente [que embute menos altas dos juros]. Há mais estímulo monetário, há uma recuperação em curso, um ambiente externo que favorece um pouco mais, então se caminha para a continuidade da retomada. Agora, a dinâmica que vinha em 2018 era uma em que 2019 a economia já estaria crescendo mais de 3%. Acho que não haverá isso, a menos que se aprovem as reformas com alguma rapidez. Se você aprovar uma reforma da Previdência no primeiro semestre que seja razoavelmente significativa em termos fiscais, pode haver uma aceleração do crescimento. Mas, sem uma novidade em termos de reformas, a economia ficará mais nessa coisa de a política monetária ajudando, de haver algum espaço que tem do desemprego, com o crédito fluindo de novo, num quadro em que as famílias se desalavancaram e as empresas um pouco. Criou-se espaço para um crescimento um pouco mais rápido.

Valor: De 2014 a 2016, houve uma recessão cavalar. Um crescimento de 2,5% não é decepcionante depois desse tombo?

Castelar: Sem sombra de dúvida. Mas reflete primeiro o fato que a confiança não está restabelecida e o fato de que o setor da construção, que é uma parte importante do investimento, vive a sua própria crise. E, quando há uma recessão, o investimento sofre mais porque há capacidade ociosa. É preciso crescer para o investimento vir atrás também. Investe-se menos se há capacidade ociosa. Além disso, o investimento público caiu.

Valor: O que vai puxar a demanda no ano que vem?

Castelar: Um pouco de investimento, que melhora um pouco. Em máquinas e equipamentos, em especial, já há um movimento bom. E também o consumo das famílias, via crédito e melhora do mercado de trabalho. Mas sem grandes taxas [de expansão], consistente com um crescimento de 2,5%.

Valor: Quais os principais riscos?

Castelar: Internamente, o risco maior é abandonar reformas, haver algum sinal de que as reformas não vão ocorrer na área fiscal. Isso prejudicaria o crescimento de modo forte. Lá fora, há o risco de a economia americana acabe pressionando a inflação e o Fed elevar os juros mais do que se depreenderia do discurso de Powell. E há a questão da guerra comercial. Uma desaceleração da China seria ruim.

Valor: A dívida pública segue em trajetória insustentável. Em que medida a situação fiscal limita o crescimento?

Castelar: Impacta sim pela confiança. [A situação fiscal] Não é sustentável. O investidor estrangeiro olha e diz - o país é vulnerável a um choque externo pela questão fiscal. O real foi uma das moedas que mais se desvalorizaram, embora não tenha chegado ao nível de Turquia e Argentina, porque as contas externas estão mais sólidas.

Valor: Como define a sua visão sobre 2019? Otimista ou pessimista?

Castelar: A situação da economia melhorou bastante. A equipe atual fez um excelente trabalho. Reduziu o déficit, o crescimento volta aos poucos, as famílias se desalavancaram financeiramente, houve reformas importantes, como a trabalhista e a adoção da TLP [Taxa de Longo Prazo, que substituiu a Taxa de Juros de Longo Prazo nos empréstimos do BNDES]. Há o reconhecimento da necessidade de fazer reformas. Mas é um desafio enorme, porque o déficit é grande e as reformas são politicamente complexas. Eu estou meio otimista, pela melhora da situação da economia, pela recuperação cíclica e porque há uma janela de oportunidade. Acho que nós vamos ter um 2019 bom, porque, independentemente de qualquer coisa, há um crédito para o novo governo. Há seis meses em que as coisas deverão fluir bem.

Valor: E como ficará a sensação térmica para a população?

Castelar: Os nossos números mostram uma queda do desemprego bastante lenta. É verdade que em parte porque há muita gente desalentada que está voltando para o mercado de trabalho. Mas um crescimento de 2,5% não gera um aumento do emprego tão grande que permita absorver quem está entrando [no mercado de trabalho] e tirar quem está desempregado dessa situação. Há o benefício da inflação baixa. A renda começa a aumentar. Se a inflação estivesse mais alta, todo mundo sofreria mais. Vai ter benefício, mas as pessoas não vão dizer que está tudo resolvido no fim de 2019, não. O desemprego vai cair devagar.

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