Por Raphael Di Cunto e Cristiano Zaia | Valor Econômico
BRASÍLIA - Embora tenha indicado a futura ministra da Agricultura, Tereza Cristina (DEM-MS), e esteja sendo ouvida sobre o comando da pasta do Meio Ambiente, além de possivelmente emplacar dirigentes não reeleitos no segundo escalão do futuro governo, a bancada ruralista não garante alinhamento automático ao presidente eleito, Jair Bolsonaro. A bancada está disposta a ouvir, mas não vai se manifestar sobre temas sem relação direta com o agronegócio, diz o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que presidirá a frente ruralista em 2019.
"Temos deputados de todos os partidos. Dificilmente vamos compor com todos", disse ao Valor. Essa é um indicação da dificuldade que Bolsonaro poderá ter no Congresso, caso aposte no relacionamento com bancadas, em vez de partidos. Moreira advertiu que o risco é "enorme" e pode atrapalhar votação de projetos relevantes. Para ele, meio ambiente e agricultura são "complementares".
"Bancada ruralista não será aliada automática"
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) indicou a ministra da Agricultura -- a deputada Tereza Cristina (DEM-MS) -, está sendo ouvida sobre a escolha para o Meio Ambiente e emplacará dirigentes não-reeleitos no segundo escalão do futuro governo. Nada disso, contudo, garantirá alinhamento automático ao presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), afirma o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), que será presidente da bancada ruralista no primeiro ano do novo governo.
"O fato de termos, na frente, pensamentos coincidentes com o que deseja e com o que será praticado no governo não significa que estaremos alinhados permanentemente. Até porque muitas coisas virão do governo e haverá discordância", disse, em entrevista ao Valor na quinta-feira. A bancada estará disposta a ouvir, mas nem se manifestará nos assuntos que não tiverem relação direta com o agronegócio. "Temos deputados de todos os partidos. Dificilmente vai compor com todo mundo", pondera.
A posição do emedebista, que é o primeiro vice-presidente da FPA e, pela tradição, assumirá o comando em 2019, mostra a dificuldade que Bolsonaro terá no Legislativo ao apostar suas fichas no relacionamento com as bancadas temáticas e não nos partidos. O próprio Moreira, que presidirá a maior delas e promete, ele próprio, ser da base do governo, admite que isso é um enorme risco e que pode atrapalhar a votação de projetos importantes.
A agenda da frente será extensa, mas a proposta de emenda à Constituição (PEC) que revoga a demarcação de terras indígenas e transfere a decisão para o Congresso não está entre elas. Esse projeto era necessário nos governos do PT, afirma, mas a nova gestão está alinhada com o que pensa a bancada e será pressionada, inclusive, a desfazer decisões do governo anterior.
Outros projetos prioritários serão uma política de gestão territorial, a exploração produtiva de terras indígenas, apressar a liberação de agrotóxicos e as renegociações do Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) e da tabela do frete rodoviário.
Ex-presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Alceu Moreira, 64 anos, foi reeleito para o terceiro mandato na Câmara dos Deputados e se lançou, com apoio da frente e de parte do MDB, candidato a presidência da Casa.
Confira os principais trechos da entrevista:
Valor: Como será a atuação da frente no ano que vem?
Alceu Moreira: Com muitas lutas no governo anterior [do PT], foi criado um antagonismo fictício. O governo anterior transformou o meio ambiente em um processo antagônico ao da agricultura. Parece que são opostos. Não são, são complementares. Se um agricultor fere o meio ambiente é porque não é agricultor e se um ambientalista impede o produtor de produzir é porque não é ambientalista. Temos que desconstruir essa narrativa.
Valor: Como vocês farão isso?
Moreira: A frente precisa criar organicidade. Um parlamentar quando chega na Câmara não tem obrigação de conhecer todos os assuntos. Vamos dotar a frente de câmaras formadas pelos melhores técnicos para desossarem os temas e busquem as melhores soluções. A decisão política só vem depois. Hoje temos um braço técnico, mas no almoço de terça-feira [quando os deputados ruralistas se reúnem] senta todo mundo, todo mundo conversa. Vamos fazer reunião mais técnica às 9h para discutir os assuntos com profundidade.
Valor: Para discutir só os projetos relacionados com o agro ou as outras pautas da Câmara?
Moreira: Só do agro. A frente não discutirá outros assuntos da Câmara. Podem até usar o espaço físico para discutir outras coisas, mas esse não é o tema da frente. A frente só discute a produção de alimentos, não é nem o agro.
Valor: Mas e se o governo Bolsonaro pedir apoio a outros projetos?
Moreira: Essa é uma condicional. Se. Se houver isso, e aí em virtude da própria Cristina e da relação que nós temos, eu diria que os deputados que compõe a frente poderão reunir-se para tratar de outros assuntos, trânsito, segurança pública, outras coisas, porque os deputados da frente não representam só o agro. Mas a representação aqui na Câmara não será em nome da Frente Parlamentar da Agricultura. A frente só dará opinião sobre o agro.
Valor: Não vai se posicionar em relação a reforma da Previdência ou outros projetos do governo?
Moreira: A frente não vai, certamente. Se não a frente perde o sentido dela. Vira um monstrengo gigante que aí pensa que pode tudo. Pessoalmente, tenho posições em relação à reforma da previdência e como presidente terei influência sobre um grande número de deputados, mas não direi: a frente tem posição em relação a isso. Temos deputados de todos os partidos. Dificilmente vai compor com todo mundo.
"A frente só dará opinião sobre o agro. Não se posicionará [sofre reforma da previdência], se não a frente perde sentido"
Valor: A bancada indicou sua presidente como ministra da Agricultura e está sendo ouvida para outros cargos. O Bolsonaro espera ter o apoio de vocês. Não será assim?
Moreira: O fato de termos, na frente, pensamentos coincidentes com o que deseja e com o que será praticado no governo não significa que estaremos alinhados permanentemente. O que disse o presidente Bolsonaro quando entregou o ministério para a Cristina? 'Vocês da frente têm uma obrigação só: honestidade no trato com o recurso público e eficiência para que o setor cresça e produza cada vez mais'.
Valor: Ele não pediu fidelidade nos demais projetos do governo?
Moreira: Não pediu.
Valor: A bancada não se sente, então, obrigada a apoia-lo?
Moreira: Não. Até porque isso aqui na Câmara não funciona, a pessoa não faz nada obrigada. Ou tu convence ou então não vai ter [apoio]. A frente tem uma série de projetos que está praticando com apoio do governo e quando o governo precisar de nós, estaremos dispostos a ouvir, vamos conversar. Não somos oposição, de forma alguma...
Valor: Mas não tem alinhamento automático.
Moreira: Não tem alinhamento automático. Até porque muitas coisas virão do governo e haverá discordância. O que não é afrontar ninguém: a discordância pode melhorar o projeto. Pode ser uma análise crítica, precisamos melhorar nisso, naquilo. Esta Casa [a Câmara] é especialista nisso. Um projeto vem do Executivo, que acha que é o melhor texto do mundo, e quando chega tem contribuição de vários setores que pode melhorar muito o projeto. Ou piorar, acontece às vezes.
Valor: Sem esse alinhamento automático aos projetos, o governo não corre um risco grande?
Moreira: Quem disser que sabe qual é o resultado que esse novo modelo produzirá, das duas uma: ou é adivinho ou está mentindo. Não sabe. Mas isso foi uma expressão que a urna produziu. A urna disse: não queremos a velha política construída pelos feudos partidários. Queremos outra composição. Ele está sendo fiel a isso. Buscando, independentemente do partido, as pessoas que acha que têm o perfil mais qualificado e a indicação, na frente e de uma série de outras [pessoas] abalizadas, para sustentar isso.
Valor: Muitos consideram que esse modelo, que não atrela a composição do governo aos partidos, dificulta a relação com o Congresso.
Moreira: A Câmara tem funcionamento por blocos políticos, lideranças partidárias. Isso é algo que teremos que trabalhar. As pessoas que estão indo para o governo, mesmo pelas frentes, tem vida política partidária. O que vai acontecer é substituição de liderança. O líder que o partido elegeu pode não ser o líder que o governo escolheu. E esta pessoa vai acabar se inserindo na Câmara e produzindo convencimento.
Valor: Então o governo pode eleger seus próprios interlocutores dentro das bancadas?
Moreira: Isso. Vai ser um processo automático e tranquilo? Com certeza não. O cidadão que dispõe desse poder aqui vai fazer tudo para manter isso. Mas isso foi o que a urna produziu. O governo Bolsonaro foi eleito para fazer quebra de paradigma. Ele não vai permitir o troca-troca. Eu te dou isso e, em compensação, você me dá outra coisa.
Valor: E não é troca-troca quando ele escolhe uma ministra indicada pela bancada ruralista e pede apoio a seus projetos em troca?
Moreira: A frente não pediu para ele a nenhum cargo, nenhum naco do orçamento. A frente está ajudando a Cristina a compor o ministério dela com o melhor que a frente dispõe. Ninguém foi pedir a presidência do Banco do Brasil e a carteira agrícola, nem a Conab, ninguém está fazendo inventário do orçamento para pedir espaço no governo.
Valor: Outros integrantes da bancada, como os deputados Marcos Montes (PSD-MG) e Valdir Colatto (MDB-SC), não conseguiram se reeleger e estão sendo colocados em postos do ministério.
Moreira: Eles são da frente, mas têm vida pregressa na Casa de construção e conceitos. Então cabe ao governo dizer "concordo com o que o Colatto defende, é competente, pensa como eu, então vai fazer parte do governo". Assim foi feito com o Osmar, com a Cristina, e assim por diante.
Valor: Qual é a diferença?
Moreira: Muda para melhor. O partido faz o que é melhor para o partido. As cúpulas decidem e os investimentos atendem a critérios políticos, ficam concentrados nas bases eleitorais. Quando faz a indicação pela frente, que tem vários partidos, essas combinações ficam difíceis. Se o critério não for republicano, alguém questiona. Os novos ministros estão todos absolutamente descomprometidos com a liderança partidária porque ela não os indicou. Eles não têm que cumprir caprichos.
Valor: É uma mudança que veio para ficar?
Moreira: As urnas decidiram que não querem seguir esse manual. Se tivesse dado certo, o [Geraldo] Alckmin [PSDB] teria ganhado. Ele seguiu o manual e, nessa eleição, isso foi quebrado. Agora modificou tudo? Não sei. A partir de agora, vamos considerar esse resultado, que foi atípico. Essa eleição queria varrer o passado indesejado. Não desenhou o futuro. Durante toda a campanha, não foi desenhada expectativa de futuro, foi desenhada exclusão do passado. A tendência é chegar os 52% dos parlamentares novos com essa expressão.
"PEC para mudar demarcação de terras indígenas não é mais necessária. Novo governo deve rever as decisões do PT"
Valor: Esse novo modelo de governabilidade é um risco?
Moreira: Dizer que o processo do novo governo não é um risco é um equívoco. O que mais temos na vida política, principalmente quando há quebra de paradigma, é risco. Por isso as decisões precisam ser muito bem articuladas e estudadas Todo mundo sabe o que significa orientar o voto naquele painel. O líder vai lá e orienta, muita gente vota às vezes sem nem saber o que está votando. Mas é assim. Então é claro que reconstruir com essa lógica e ter maioria na Câmara não é coisa simples. De repente não vai dar no primeiro ano para decidir tudo que ele queria por causa disso. Mas esses corpos tendem a criar uma lógica de relacionamento diferente de agora e que vai vigorar.
Valor: O sr assumirá a presidência da frente no ano que vem. Quais as principais pautas? É a PEC sobre demarcação de terras indígenas?
Moreira: Se fizéssemos a análise pela realidade de hoje, aí tínhamos que votar a PEC [215] porque é importantíssima. No governo Bolsonaro não tem importância alguma. Ele não vai fazer [demarcação de terras], certamente vai desconstruir todos aqueles decretos, tudo aquilo. Fizemos a PEC porque o Estado era uma ameaça para a cidadania. O cidadão estava sendo considerado, mesmo com escritura pública e dentro da sua terra, como intruso porque no laudo antropológico, um verdadeiro crime, o Estado ladrão queria tomar terra das pessoas na mão grande. Se não tem mais risco, ela [a PEC 215] perde a importância.
Valor: Mas o Estado pode revogar todas as demarcações já feitas?
Moreira: Pode. É só pegar o laudo antropológico, que é a origem disso tudo. Quem fez o laudo? Um antropólogo da ABA. Foi chamado por edital? Não, foi indicação de uma ONG. Já estava viciado desde a primeira linha, o laudo é imemorial. Baseado nisso basta que o Ministério da Justiça chame para si e veja como foram construídos todos os processos, que podem ser cancelados se constatada fraude.
Valor: Mas isso vai depender de outro ministério, o da Justiça, que não está sob a alçada da bancada ruralista. Está com o Sergio Moro, que tem outras prioridades.
Moreira: A nossa expectativa vai continuar sendo a de construção política, nunca pretendemos ser donos do governo ou da verdade. Estamos dizendo isso porque aconteceu em todo país, os laudos antropológicos são uma fraude e o começo de tudo. Aí passamos o resto da vida discutindo as consequências: a terra é minha? Quanto vale? Vai pagar, não vai pagar? Não tem lógica, mas aconteceu porque para eles [PT] interessava o conflito. Para ter um Estado comunista tem que acabar com a propriedade.
Valor: Então qual a prioridade?
Moreira: Criar uma política de gestão territorial. A Embrapa tem esse processo praticamente pronto. Pega-se a Constituição de 1988 e ela produz uma quantidade de direitos, mas não criou um capítulo positivo para dizer o que o cidadão pode fazer, só criou o que não pode. Tem uma área do Rio Grande do Sul chamada pampa, é um bioma, é simples: pede para a Embrapa fazer um estudo e dizer o que pode ser feito lá e escreve uma lei, o que não está ali não pode. Ninguém vai multar coisa nenhuma. O cidadão é dono da propriedade e tem que estar com uma pasta debaixo do braço pedindo licença pro Ibama, Iphan? Eu quero plantar batata, deixa eu plantar, é permitido aqui. Isso é o Código de Ocupação e Gestão Territorial do país inteiro. O Código Florestal já determinou isso, a gente só tem que pacificar, não pode transformar o produtor de alimentos num escravo do fiscal.
Valor: E assuntos como arrendamento e exploração mineral em terras indígenas, são prioridade?
Moreira: Com certeza. Grande parte do que se diz que não pode fazer em terra indígena é para tirar o Brasil da competição internacional. Não podemos explorar o nióbio, e talvez fosse suficiente para transformar o Brasil num país rico, porque um cidadão estabeleceu que é terra indígena, e lá tem o Greenpeace e não sei mais quem que diz que não pode. Se é para produzir riqueza e evitar a morte de milhões no Brasil, quem vai dizer somos nós, não é o pré-conceito internacional. O arrendamento será uma das formas de produção porque talvez o índio não tenha capital suficiente, mas inclusive tem que ser dificultado para que ele não tenha suas terras tomadas por terceiro. A ideia é que o Estado habilite o índio para produzir.
Valor: O projeto de lei que agiliza o registro de agrotóxicos também será prioridade no ano que vem?
Moreira: No caso dos defensivos agrícolas, temos que estabelecer quais são os países com credibilidade de pesquisa científica e usar suas moléculas descobertas, com licença para utilizar no Brasil, sem que a Anvisa tenha que levar sete anos para validar. E isso não é botar veneno no prato de ninguém. Eu tenho neto, pelo amor de Deus. Quem está envenenando é quem trata essa questão com ranço, preconceito. É uma coisa insana, uma imbecilidade. Esses camaradas que compram soja nossa para vender no mundo inteiro são tolos? Se fosse assim não vendíamos frango para 196 países. É importante ter conhecimento da realidade.
Valor: E no caso do tabelamento de frete de carga, seria o caso de revogar a lei no Congresso?
Moreira: Quando a gente decide uma coisa tão complicada, com o grau de pressão que tínhamos pela greve dos caminhoneiros, certamente não decide no melhor ambiente. Hoje esse ambiente está criado. O caminhoneiro sabe que não foi a melhor condição, é melhor a empresa comprar caminhões do que fretar. O governo deve se reunir com os caminhoneiros e o setor produtivo para escrever um texto que seja a real mediação, que não permita ao transportador preço vil e nem que o frete nos tire da competição do mercado globalizado.
Valor: E como fazer com o imbróglio do Funrural?
Moreira: Tenho uma decisão da Suprema Corte, em grau liminar, que diz por unanimidade que esse imposto não é devido. O que faz o cidadão no dia seguinte? Para de pagar. Depois o Supremo derruba a liminar, mas a dívida não foi contraída de má fé. Então o que queremos é votar uma lei que anistia esse período [de 2001 até 2017]. Não houve como o governo aceitar por conta do aperto fiscal, mas se a dívida é tão grande o cara não concorda em pagar. Então a guerra será a seguinte: se o governo sinalizar que pode ser feito, votamos um projeto de anistia. Não adianta aprovar para agradar eleitor e depois o governo vetar. A solução está no crescimento econômico. Se a economia começar a crescer, a folga do teto de gastos vai permitir que essa negociação seja feita.
Valor: Com esse modelo de governabilidade, o sr acha que é viável votar a reforma da Previdência?
Moreira: É um tema sempre muito complexo. Mas há consciência nacional de que é necessário. O [futuro ministro da Casa Civil] Onyx [Lorenzoni] esteve aqui [na Câmara] e disse que o governo pretende separar o que é assistência e o que é previdência. Grande parte do rural é assistência, o pequeno produtor. Na minha visão, tem que trabalhar por capítulo, tratar cada tema separadamente. Ninguém consegue aprovar uma reforma que reúna todos os adversários no mesmo texto. Tem que fatiar.
Valor: O sr, pessoalmente, será da base do governo?
Moreira: Sim, tenho compromisso com isso. Porque quase a totalidade do que ele prega é o discurso que eu sempre fiz.
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