- Valor Econômico
Imagem salvacionista do Estado, herdada de Vargas, ainda é muito forte na sociedade e na elite política e militar
Estamos vivendo ainda as surpresas que a eleição do presidente Jair Bolsonaro trouxe a todos nós brasileiros. Fantasmas de um passado que vivi intensamente voltam à cena, travestidos agora de outros personagens, mais jovens e com cores de um mundo tão diferente como o de hoje. Mas para mim estas imagens do passado são ainda claras e nítidas apesar do tempo que passou e de sua nova roupagem.
A escolha de Roberto Campos Neto para a presidência do Banco Central foi um destes momentos em que o passado de 50 anos atrás tomou conta de meus pensamentos. Seu avô, o economista e político Roberto Campos, foi meu primeiro patrão e tutor no final da década dos anos 60 do século passado. Recém-formado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, buscando meu primeiro emprego, fui trabalhar como analista financeiro no Investbanco, fundado pouco antes por ele. Homem forte do presidente Castelo Branco, tinha liderado com mãos de aço o Programa de Estabilização da economia entre 1964 e 1966. Foi o primeiro - e único - ajuste liberal de fato da economia brasileira moderna, seguindo o manual do então odiado FMI.
Uma outra experiência semelhante ocorreu em 1985 no governo José Sarney com uma equipe montada pelo ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, escolhido por Tancredo Neves pouco antes de sua posse. Sarney manteve sua nomeação e a de sua equipe, formada por economistas cariocas e de traço liberal como o guru de Bolsonaro, Paulo Guedes. O próprio Paulo Guedes foi convidado para ser diretor do Banco Central e não aceitou por razões pessoais. Em seu lugar foi nomeado Roberto Castello Branco, escolhido agora como presidente da Petrobras. Duraram apenas poucos meses em seus cargos!!1
Voltando, além de ser único em nossa história, o ajuste liberal visualizado por Roberto Campos durou muito pouco. Em 1967, com a mudança de comando no Palácio do Planalto, e a entrada de Delfim Netto como czar da economia, a rigidez orçamentária e as reformas estruturais planejadas pela dupla Campos e Bulhões foram deixadas de lado. Navegamos então alegremente na recuperação cíclica que se seguiu ao ajuste fiscal e monetário realizado por Campos. Inebriado, o governo militar de plantão viveu por um longo tempo - quase 8 anos - a fantasia do Milagre Brasileiro, assim chamado como imagem do que havia acontecido no Japão no pós-guerra, este sim um milagre de recuperação de uma economia destruída pela guerra. Pouca coisa da reforma visualizada por Roberto Campos foi implementada.
Em 1975, assim como aconteceu com o governo Lula em 2010, o nosso milagre chegou ao fim com a crise internacional do petróleo e a volta da inflação. Mostrando que a máxima de que a história se repete em farsa é verdadeira, coube ao novo czar da economia - Mario Henrique Simonsen da escola liberal como Roberto Campos - assumir o papel exercido por Guido Mantega em 2012/2015. O presidente Geisel não aceitou a sugestão de uma repetição do tratamento recessivo e ortodoxo adotado em 1965. Queria uma política econômica que mantivesse o crescimento econômico de seu antecessor. O custo desta política suicida foi a indexação da economia e o início da hiperinflação que durou mais 17 anos e ocasionou a queda da ditadura militar em 1984.
Os valores que Roberto Campos buscava em 1965 voltaram a ser sugeridos nas palavras e intervenções de várias gerações de economistas brasileiros, sem que fossem adotados pelos governantes de plantão neste meio século que se passou. A razão para isto é que a grande maioria dos brasileiros está habituada com a presença dominante das ações do governo na economia buscando minorar os desequilíbrios de renda entre regiões e classes sociais. Esta imagem salvacionista herdada de Getúlio Vargas - e que sobreviveu à sua morte - ainda é muito forte hoje na sociedade e na elite política e militar.
Agora, em 2018 o governo Bolsonaro volta a roda da história em 50 anos ao prometer um programa econômico nos moldes do criado pelo avô do novo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Seu principal executor, o economista carioca Paulo Guedes, em suas ainda contraditórias intervenções, tem prometido uma política econômica que reduza o tamanho do Estado na economia, desmonte os mecanismos atuais de intervenção nos mercados e implemente uma política comercial que abra os mercados ao exterior.
Minha dúvida é se a revolta do eleitorado nas eleições de outubro passado representou mesmo um basta à política econômica destes últimos cinquenta anos e a aceitação dos valores e mecanismos defendidos pelo avô do novo presidente do Banco Central e do czar econômico do presidente Bolsonaro. A conferir.
1 Roberto de Oliveira Campos From Wikipedia, the free encyclopedia. Em 1964, durante o governo militar, tornou-se ministro do Planejamento no governo Castelo Branco. Como ministro, juntamente com o colega Octávio Gouveia de Bulhões do Ministério da Fazenda, modernizou a economia e o Estado brasileiro através de diversas reformas e controlou a inflação. Elaborou e executou uma reforma fiscal através do novo Código Tributário Nacional, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Liberalizou a lei de remessas de lucros, Lei nº 4.390, de 29 de agosto de 1964.
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Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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