quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Fernando Canzian: Grama do vizinho

- Folha de S. Paulo

Lugar onde nascemos e vivemos influencia em até dois terços da renda que teremos em nossas vidas

Estudos sobre desigualdade sugerem que fazemos parte de um mundo em que até dois terços da renda que obteremos em nossas vidas serão consequência do lugar onde nascemos e vivemos.

Intuitivamente, imigrantes que tentam entrar nos EUA e na Europa sabem disso. Se perderam a chance na largada, ao nascer, darão um salto instantâneo ao emigrar para um ambiente mais vantajoso em oportunidades, renda e infraestrutura.

Esse desejo será tão maior quanto mais verde parecer o quintal do vizinho. Contam ainda as probabilidades de melhora do nosso gramado.

No Brasil, 62% dos jovens iriam embora se pudessem, segundo o Datafolha. E nossas décadas de baixo crescimento contrastam, em nível global, com uma das fases mais positivas em termos de redução da desigualdade para o grosso da humanidade.

O economista Branko Milanovic, ex-diretor do Banco Mundial e autor de “Global Inequality” (Harvard University Press) chama de “classe média global emergente” os grandes beneficiários da onda globalizante que o mundo viveu a partir de 1988.

Nove entre dez deles vivem em economias asiáticas, predominantemente na China, mas também na Índia, na Tailândia, no Vietnã e na Indonésia.

Os membros da classe média chinesa, por exemplo, viram sua renda real per capita multiplicar-se por três; os da vietnamita e da tailandesa, por dois.

Como os asiáticos concentram quase dois terços da população da Terra e a renda nos países desenvolvidos quase não cresceu (com a notável exceção da dos 5% mais ricos), houve significativa redução da desigualdade global.

Os asiáticos ainda são bem mais pobres do que as classes médias nos países avançados. Mas a velocidade da melhora faz prever que em poucas décadas voltaremos a uma situação similar à do início do século 19, quando as grandes desigualdades entre ricos e pobres eram observadas dentro dos países —não entre o Ocidente e a Ásia.

Do ponto de vista brasileiro, perdemos um bonde no qual até chegamos a subir entre 2003 e 2014, quando o rendimento dos 10% mais pobres cresceu 130% acima da inflação, ante 32% no decil mais rico, diminuindo a desigualdade.

Segundo a FGV Social, 78% dessa melhora se deu pelo trabalho, com mais empregos em um setor privado que investia e contratava.

O ponto-chave naquele período, diferente de boa parte dos anos anteriores a 2003 e do pós 2014, é que havia confiança na solvência do setor público.

Sem isso de volta, seguiremos querendo pular a cerca.

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