Em vastas regiões miseráveis do país, o sistema de saúde precisa de toda ajuda que for possível obter. A retirada de Cuba do programa Mais Médicos deixará uma parte do interior em apuros e coloca um desafio ao governo de Jair Bolsonaro. Dos 18.240 médicos que participam do programa, 8.332, ou 45,7%, são cubanos. Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, em 1.575 municípios só trabalham médicos cubanos, 80% dos quais com menos de 20 mil habitantes. Problema tão delicado quanto esse não pode ser resolvido facilmente, muito menos com radicalismos de parte a parte.
Bolsonaro é antagonista do PT e, na gestão de Dilma Rousseff, em 2013, o programa foi criado como parte de um plano maior de interiorização da medicina. O presidente eleito anunciou que pretendia rever as condições do programa de tal forma que certamente modificaria o interesse da ditadura cubana nele. Bolsonaro discorda da divisão leonina da remuneração dos médicos - um terço do salário para o profissional, dois terços para o governo de Cuba - e da interdição, típica de ditaduras, de impedir que eles tragam suas famílias para o Brasil. A terceira condição, da revalidação de diplomas, é no caso irrelevante. O programa tem hoje 2 mil vagas ociosas, por falta de médicos interessados.
Calcula-se que Cuba ganhe US$ 11 bilhões em receitas anuais com a exportação de serviços médicos para 67 países das Américas, África e Ásia, garantindo quase 80% das receitas externas do país, dos quais 3% viriam do Brasil (BBC News Brasil, 17/11/2018).
Não houve diálogo entre as partes nem procura de um meio termo. Cuba rompeu o acordo unilateralmente e disse que seus profissionais voltariam para casa até o Natal, como se estivesse interrompendo o fornecimento de um serviço qualquer, sem se importar com as repercussões sociais. Havana alegou críticas feitas por Bolsonaro aos profissionais cubanos, sem buscar uma negociação nem dar tempo para que se providenciasse uma substituição.
As críticas feitas por Bolsonaro são semelhantes às dirigidas a Cuba desde o início do programa. Algumas nasceram dentro das entidades da classe médica brasileira, como as suspeitas a respeito da formação dos cubanos. Pelas regras do Mais Médicos, os profissionais que participam do programa estão dispensados de revalidar o diploma localmente. Reforçam as críticas o fato de 154 médicos cubanos terem entrado na Justiça brasileira pelo direito de clinicar no Brasil fora do acordo e receber o salário integral, como os outros profissionais do programa (Valor, 7/3/2018).
Das demandas julgadas, 97 foram indeferidas e 32 aprovadas. Apesar disso, em 2017, o Tribunal de Contas da União determinou que o Ministério da Saúde exigisse que a Organização Pan-Americana de Saúde, ligada à Organização Mundial da Saúde, que havia intermediado o acordo com Cuba, prestasse contas dos pagamentos aos médicos do país caribenho.
Apoiadores de Bolsonaro defendem nas redes sociais que não será complicado ocupar as vagas deixadas pelos cubanos e que basta pagar os "R$ 10 mil e poucos" destinados a eles para atrair os brasileiros e que o Brasil forma 28 mil médicos por ano. No entanto, será difícil substituí-los a curto prazo, e muitas cidades sofrerão "apagão médico".
Desde 2016, o Ministério da Saúde vem buscando diminuir o total de médicos cubanos no programa para 7,4 mil postos. Naquela data, eles somavam 11.400 e esse número diminuiu em cerca de 3 mil desde então. Nos próximos dias, o governo de Temer deverá lançar edital para selecionar ainda neste mês os mais profissionais para o programa.
Críticos de Bolsonaro dizem que a população que mais será afetada é a que não votou nele, moradora nos grotões mais pobres do Norte e Nordeste, em pequenas comunidades onde a maior parte dos médicos brasileiros não quer trabalhar. No entanto, 1.394 dos médicos de Cuba do programa, ou quase 20%, atuam em São Paulo, Estado que reúne o maior número deles; e, em terceiro lugar, está o Rio Grande do Sul, com 617. As comunidades indígenas são quase que unicamente atendidas por profissionais cubanos.
Com seus percalços, o Mais Médicos reduziu as internações e as despesas com saúde, mas não resolveu o que não poderia: atrair médicos para locais pobres e distantes. Essa é uma questão grave de saúde pública que o novo governo terá de atacar. A ajuda externa foi importante, o serviço salvou muitas vidas e trouxe assistência aonde não havia nenhuma. O programa precisa ser reforçado, não demolido
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